O SEMINÁRIO.


     No começo da década de 60 minha família abandonou o bairro Caiçara para se tornar vizinho de um seminário. Meu pai dizia que morando ao lado do Seminário, garantido estaria o progresso. O novo bairro tinha pouquíssimos moradores e era totalmente diferente do velho Caiçara, além de ser, como dizia minha mãe: "no fim do mundo". Ficamos com a impressão de termos mudado para a “roça”, em razão de haver, à época, diversos sítios na região e muita criação bovina. Das poucas casas existentes recordo-me bem de seus escassos moradores, pois, além de serem diferentes, eram em sua maioria claros de olhos azuis e cabelos louros, falavam outra língua e não os entendíamos. Lembro-me também de nos referirmos a eles por “alemão”. Somente adulto entendi que aqueles moradores e suas casas diferentes, eram europeus, em sua maioria alemães de fato, refugiados de guerra.

     Hoje em passeios eventuais, revejo na memória aquele bairro despovoado e no “fim do mundo”, com seu rebanho bovino indo e vindo, naqueles pastos que se transformaram em prédios residenciais e comerciais, lojas, barzinhos, avenidas e ruas repletas de carros e transeuntes, com seus burburinhos característicos. Aquele antigo seminário hoje acomoda a PUC-MINAS, as casas em estilo europeu já não existem mais, nem seus moradores diferentes. A velha casa da família também cedeu seu espaço ao progresso, que estava garantido, como previu meu pai. O bairro surgiu quando da compra pelo arcebispado de Belo Horizonte de parte da Fazenda da Gameleira, na década de 20. Em meados daquela mesma década foi edificado o Seminário Coração Eucarístico de Jesus, que durante mais de 30 anos formou grande parte da comunidade eclesiástica das Minas Gerais. No final da década de 40 foi loteado parte do terreno, formando o traçado atual do bairro e criado uma escola formadora de professores, que foi o embrião da Universidade Católica de MG.

     Morávamos a um quarteirão deles, na principal via de acesso, não havia transportes coletivos, os poucos ônibus que trafegavam por aqueles lados o faziam a acerca de 1 km. Quem para lá se dirigia descia na Avenida Amazonas e enfrentava a pé o percurso. Quando passavam por nossa casa, a caminho de seu destino, a sede intensa sempre os faziam parar e um copo de água nos era inevitavelmente pedido. Com o passar do tempo isso se tornou tão rotineiro que ao avistarmos ao longe uma pessoa, na maioria das vezes em trajes escuros, (os padres e suas batinas), ficávamos a postos com uma jarra de água e copos. Assim fizemos várias amizades com seminaristas e padres, nossos bolsos sempre estavam abarrotados de "santinhos", que eram dados por eles em agradecimento à água ofertada.

     A nossa ligação com o seminário em fins da década  de 60 começou a sofrer mudanças. Os seminaristas e padres já não eram freqüentemente vistos, outra leva de pessoas àquelas as quais estávamos acostumados se faziam presentes. Eram os primeiros estudantes e professores do IPUC-Instituto Politécnico da Universidade Católica.

     Das varias lembranças que tenho do seminário uma é mais persistente, recordo-me dos invernos passados. Nas tardes daqueles dias pequenos, o sol indo ao longe lançava seus mornos raios, por vezes encobertos por rasas nuvens, em seu costado, realçando seu contorno em meio à luz vespertina. Era o anúncio do término da lida, hora do ângelus, era também o nosso único acalento para as frias noites juninas...

 
JLeal
Enviado por JLeal em 15/07/2009
Reeditado em 29/12/2011
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