A BOLA ERA SUA CRUZ ( Celismando Sodré - Mandinho)
A BOLA ERA SUA CRUZ
( Celismando Sodré -Mandinho)
Adão G não era um jogador muito bom de bola. Era assim... talvez... mais ou menos... regular. Aliás, vamos ser realistas, não vamos mentir, não é pelo fato dele ser nosso amigo que vamos querer “encobrir o sol com a peneira”; Adão G era ruim de bola pra caramba!! Um dos piores jogadores que eu vi jogar. Dizem que ele era até “bonzinho” como goleiro, mas acontece que ele queria era ser centroavante, e aí a coisa ficava difícil.
Corriam os anos setenta, todas as tardes, de terça a sexta, havia os treinos no campo de futebol de Barra do Mendes. Quem tirava o time que jogava pra baixo porque o campo tinha um certo declive no sentido norte-sul, era o grande amigo de Adão G, nosso companheiro João de Bidão que nunca deixava ele de fora apesar das inúmeras decepções; coisa de camaradagem.
Certa vez Washington Chiquinha, não muito bom de bola também, e que tinha que apitar por todas as ruas da cidade para avisar os outros atletas do treino, apenas para garantir sua vaga no “baba”, fez a maior confusão porque quando os melhores jogadores chegavam atrasado, só ele era sacado do time. Se já não era muito bom, por mais que se esforçasse, ele não acertava um passe, por que jogava o tempo todo com o olho na porta de entrada do campo, com medo de que alguém chegasse, por que assim ele tinha que sair imediatamente. Neste dia ele estava puto da vida e bateu o pé dizendo: “hoje eu não saio, eu quero ver quem é o sacana que vai me tirar daqui”, “porque não tiram Adão G, que é pior do que eu”.
Houve uma partida de futebol num povoado próximo à cidade, conhecido como Poço de Apolinário, era o time de João de Bidão, Adão G centroavante é claro, contra a “temível” seleção do Poço. Acontece que no campo deste povoado tinha uma cruz fincada na lateral, e ninguém ousava tira-la de lá, em respeito ao morto. Estavam todos os jogadores aquecendo antes da partida, quando alguém olhou para cruz e olhou para Adão G e teve uma idéia. Desafiou Adão G para uma aposta, dizendo que daria cinco tentativas para ver se ele conseguia passar pela cruz. Nosso amigo logo fechou a aposta, porque também seria impossível não driblar uma cruz.
Criou-se uma grande expectativa que despertou o interesse de todos que estavam presentes. Logo todo mundo cercou o local, e o velho Adão pegou a bola e partiu para ganhar aquela aposta. Pensava ele: “essa vai ser moleza, vou dar o drible da vaca ( meia-lua) nesta cruz e depois vou beber cerveja de graça, as custas do otário”.
Na primeira tentativa a bola bateu no pé da cruz e adão perdeu o apoio de toda a torcida, que passou a torcer contra, exercendo uma pressão insuportável; na segunda tentativa a bola bateu no braço da cruz e adão ficou totalmente afobado com os gritos da torcida contra ele; na terceira tentativa a cruz ficou do tamanho de uma parede e Adão não conseguiu passar; na quarta tentativa Adão foi tocar de lado e se embaralhou todo caindo por cima da bola; na última tentativa a bola desapareceu da frente de Adão e ele furou, provocando a maior algazarra já vista naquele pequeno povoado. Assim Adão G entrou para a história como o primeiro jogador de futebol que não conseguiu passar por uma cruz em cinco tentativas.
Ainda sobre Adão G, numa certa época ele estava passando uma fase triste no futebol, se é que poderia existir uma fase ruim para o “injustiçado” jogador, alguns dizem que essa fase durou toda a sua carreira. Ele estava ha oitenta e dois jogos sem marcar um único gol, jogando como centroavante. Numa determinada partida, o velho Adão, surpreendentemente, estava jogando muito bem, até parece que havia incorporado o espírito de Garrincha.
Eis que ele pegou uma bola na intermediária, driblou dois zagueiros, deu um lençol no goleiro e partiu para a consagração final com o gol aberto. Ao ver tal fenômeno sobrenatural, seu companheiro João de Bidão se virou para o meio de campo, caminhando e esperando e grito de golaço da torcida. O velho Adão quase debaixo do gol com a bola pingando em sua frente pensou: “vou estufar essa rede, quero descarregar a raiva, afinal tanto tempo sem um gol”. O companheiro João caminhando para o centro do campo, de cabeça baixa, esperando a explosão de alegria da torcida. De repente ele escuta a maior vaia já ocorrida naquele estádio; ele pensa: “será possível !!!”, quando ele olha para trás, ver que por incrível que pareça “foi possível”. Depois do jogo ele questionou Adão G. “como foi que conseguiu perder aquele gol”, ele responde: “eu queria estufar a rede e pegou por baixo da bola”. Nunca mais encontraram essa bola.