Dentro do trem

À noite, vagando sozinho pelas estradas de metal passeava um trem com apenas algumas de suas janelas iluminadas, em outras somente a sombra de fortes movimentos eram percebidos.

Uma cartola, não muito alta, cobrindo a cabeça de um rapaz recém formado em medicina poderia ser percebida de longe. Era Júlio César, o rapaz havia completado os seus 23 anos há poucas semanas, seguia para a capital, a fim de exercer dignamente a profissão que escolhera, por mais que fosse contraditório ao desejo de seus pais.

A viagem do interior de São Paulo à metrópole brasileira era muito cansativa e desgastante. Porém, o trem chegaria exatamente na hora em que Júlio César faria o teste para o emprego, teste que o rapaz perdia noites de sono imaginando como seria.

Dormir não conseguiria, pois aquele chacoalhar de trem antigo em estradas danificadas fazia-o bater com a cabeça na ponta da madeira já desgastada da janela fria e de vidros encardidos e embaçados.

O melhor a fazer era se aprontar para o teste. Uma coisa simples, duraria somente trinta minutos, mas seria observado por toda uma quantidade significante de pessoas. O trem, cada vez mais escurecia diante a penumbra das árvores e o prateado das estrelas, que, juntamente com o luar das dezoito horas, embelezava a estranha, porém encantadora, paisagem.

Júlio retira sua cartola com cuidado, observa o pouco espaço que tem ao redor, desabotoa a camisa acinzentada feita pela mãe, presente do seu então aniversário. Pega uma mala marrom, de couro forte e pesado, começa a pensar no que vestir. Enquanto isso, um túnel de prolongamento não muito grande, envolve o trem avermelhado, com leves tons dourados nos seus lados, a deixa para que Rebeca pudesse libertar-se de seu sono.

A linda moça, de olhos claros e cabelos acobreados e sedosos, acordava de seu calmo e doce sono de beleza e segredos. Rebeca sabia que sua chegada era esperada em uma festa na capital, ela ansiava cada vez mais, ao passo que sua respiração dava-a sensações de término de atividades físicas e prazerosas.

O tempo se esgotava cada vez mais rápido, decidiu então, Rebeca, se aprontar ali mesmo, naquela cabine suja do trem velho. Logo ela que era acostumada aos luxos e riquezas, estava ali sentada numa poltrona cor de rosa choque, iluminada por faixas de poucas luzes, pedindo que ninguém passasse por sua porta de cabine, que não tinha nada que pudesse impedir a visão da moça nua.

Começou a despir a roupa que vestia até então, a camisa era muito fácil de tirar, já a calça, era difícil, pois o espaço era pouco. Os cabelos já estavam devidamente penteados... E por isso, preferiu dar atenção à maquiagem, que deveria estar super produzida e perfeita; Rebeca sempre causou impressão considerável, não queria fazer feio justo em sua primeira festa na capital.

O vestido amarelo e dourado, com borboletas verde-água, estava sobre a mala, em cima da poltrona. Do lado de fora, quem observasse o trem, veria, agora, poucas luzes acesas, o que acentuava a atenção para as cabines do primeiro vagão, onde Rebeca estava.

Agora já eram oito horas da noite e a moça, em questão, estava nervosa. E ainda faltavam poucas horas de viagem, tempo suficiente para tomar um café com torta de nozes no restaurante do trem.

Rebeca preferiu não vestir ainda o vestido elegante que escolhera para a festa. Vestiu um simples e básico vermelho e ocre, com pétalas de violetas estampando-o. Nos pés, preferiu vestir a mesma sandália que reservou para ir à festa, assim não precisaria fazer contornos na minúscula cabine.

As pessoas olhavam-na de cima a baixo, Rebeca se realizava em ser percebida, desejada por alguns e mal comentada por outros. Um comentário bobo aqui, outro um pouco mais preconceituoso ali, mas nada que pudesse abalar o espírito de felicidade e ansiedade dela, estava estonteante.

Sentou-se em uma mesa não muito ao fundo. Pelo menos o restaurante era bem jeitoso, para um trem naquelas condições. O garçom a olhava com um sorriso safado no canto direito da boca, Rebeca fingiu não perceber, fez logo o seu pedido o que não tardou em chegar. Um bolo grande e muito bonito com nozes brilhantes em cima, e uma xícara de café com creme de chantilly. "Canela?", perguntara o garçom; agora, chegando-se mais para o lado esquerdo da moça. Ela sorriu como quem diz um sim, e o deixou pôr uma pequena quantidade no creme, o que resultou em encostadas de cotovelos à barriga do rapaz, tudo culpa do balançar do trem.

Terminada o seu lanche noturno, Rebeca volta para sua cabine, seguida ainda pelos olhares dos três garçons que ali estava, o que a servira balançou-lhe a cabeça, agradecendo pela boa gorjeta e pelo pedaço de papel que continha o endereço de onde estaria Rebeca.

Agora as luzes do trem estavam todas apagadas. Faltavam somente trinta minutos para o trem chegar a São Paulo, mas o trem seguiria viagem mais para o sul, e pararia somente em Florianópolis.

Toda a gente que desceria ali já se agitava, esperneavam-se os joelhos dos pequenos, espreguiçavam-se cautelosamente. Rebeca somente esperava aflita, respirando cada vez mais forte. Da estação poderiam ver todo o trem e suas janelas, mas não se via a cartola baixa de Júlio César, o recém doutor que viera do interior, ele adormecera; somente era vista a cabeleira cobre, de visão predominante, da nossa nobre e doce boneca Rebeca.

Quanto ao teste, resta-se ser de conhecimento que Rebeca saiu-se muito bem nele; com entrada triunfal impressionou a todos os jurados e público ali presentes, cantou bem e seu vestido deu um impacto a mais. E o garçom do trem a visitou naquela mesma noite, além de tantas outras depois.

Raphael Semog Ribeiro
Enviado por Raphael Semog Ribeiro em 02/07/2009
Código do texto: T1678938
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