CASAMENTO SOB MEDIDA
Foram feitos um para o outro. Aquele casamento era tudo o que ela desejava para constituir uma família, pois o marido representava a materialização de todos os seus desejos. Do outro lado, Genoveva personificava a oferta daquilo que o rapaz mais desejava, mais necessitava. Mas havia diferenças entre o casal. E a despeito disso, tiveram um filho, uma criança esperta, bonita e inteligente. Puseram-lhe o nome de João Miguel, o qual tinha um amor exacerbado por animais. Os aquáticos, principalmente, eram a sua predileção.
Assim, para deixá-lo mais feliz, o pai comprou patos e construiu um pequeno lago no jardim, para os bichinhos nadarem. Foi a realização do sonho da criança. O brilho nos seus olhinhos constatavam essa verdade.
Voltando ao casamento: havia uma diferença de idade abismal entre os dois. A esposa era 26 anos mais velha. Quando se casaram, já tinha passado da hora de ser mãe, mas o Pedro Paulo adorava criança. E com 23 anos, era o momento ideal para ser pai. Por causa da idade da esposa, foram obrigados a fazerem testes e mais testes. Uma batalha! Assim, lançaram mão de tudo que há de mais moderno na medicina. Gastaram uma fortuna. Dinheiro para isso jorrou como água de cano arrebentado na rua. Eles não tinham o suficiente para arregalar olhos de gerentes de bancos? Então? E a relação de bens? Essa fazia o Leão da Receita ficar de boca arreganhada, sedento para abocanhar a sua parte.
(Apesar da fortuna, Genoveva, morenona gorda, era uma pessoa, digamos assim, rude. Acho até que nem chegou a esquentar banco de escola. Não era nada refinada, quesito que passou longe da ricaça. E as roupas? Nem vou me meter no guarda-roupas da gorducha.).
Assim, após gastos milhões e milhões, depois de toda essa batalha contra a natureza, veio ao mundo o menino, essa coisinha linda e inteligente que acabei de descrever.
Mas nem tudo são flores, como diz o chavão. E é bom esclarecer que de vez em quando, o casal se estranhava. Quando brigavam, era briga feia mesmo. Peraí, estou sendo incoerente quando digo que foram feitos um para o outro? Deixe-me esclarecer: o rapaz tinha a juventude e o vigor de um homem que ela nem empregou esforço para conquistar. Genoveva tinha o dinheiro e o status de uma pessoa que herdou uma pensão vitalícia do pai, coronel morto nos idos de 1940, o qual construiu, ao longo de sua vida, um patrimônio milionário de imóveis, terras e outros investimentos lá no Sul. Dizem que a extensão das estâncias do velho chegava até as fronteiras com o Uruguai.
Concorda agora que foram feitos um para o outro? Que era um casamento perfeito? Casamento, meus caros, no sentido de acordo, de toca-lá-dá-cá. Algo que se encaixa, preenchendo a lacuna existente no outro. Por outro lado, talvez ali nem existisse amor. Vou saber?
Tocando no assunto das brigas, João Miguel sempre presenciava as discussões. Já estava até acostumado com a ciumeira da mãe, pois na hora do pega, eles não estavam nem aí para o garoto. E num dia desses, passando pelo corredor da casa, o menino ouviu-os no quarto, quebrando o pau. Não conseguia distinguir as palavras, mas sabia que era mais uma costumeira rusga.
Ia seguir em frente, mas a porta se abriu e o pai saiu quase correndo, dando murros na parede. A mãe xingou uma palavra que até então ele não tinha ouvido. O menino caiu no choro, correndo na direção do lago, onde os animais nadavam.
Aquela reação era inusitada. A criança sempre presenciava as brigas, quieto, como se fosse surdo. Desesperado, o pai correu atrás, pegou-o no colo, apertou-o contra o peito, beijou-o, tentando conversar. Nada adiantava. A criança chorava inconsolavelmente, com os olhinhos fixos no lago, os bracinhos estendidos, como se quisesse abraçar os animais.
Pacientemente, depois de sondar muito, Pedro Paulo do pequeno:
- Eu vi vocês brigando. Oh papai, ouvi claramente...
(Sem exagero: a criança usou mesmo essa palavra. Falei pra vocês que ele era muito inteligente. Não falei?)
- ... ouvi claramente mamãe gritar... – e soprou a palavra no ouvido do pai, olhando de esguelha para a pata com os filhotinhos que nadavam, fazendo ondas com os biquinhos na água.
O pai não conteve o riso. Dava gargalhadas. Não conseguia parar de rir. O menino olhou-o bem dentro dos olhos, sem entender e fez cara feia. Pedro Paulo ficou sério e tentou explicar de outro modo.
- Meu filho, sua mãe fica inventando coisas. A gente briga por isso, mas ela não vai fazer mal nenhum aos seus bichinhos não. A palavra que disse, filho, são coisas que sua mãe fica imaginando. Querido, patacoada não é matar a sua patinha e coar na peneirinha não. Patacoada é palhaçada. Sua mãe adora usar essa palavra.
(Só não disse para a criança que a palavra era do tempo em que se amarrava cachorro com corda, porque ainda não tinham inventado a corrente. E também que patacoada fazia parte do vocabulário de Pedro Álvares Cabral)
Sabe que depois do esclarecimento, a criança se tranqüilizou? Desceu dos braços do pai e ficou correndo em volta do lago, falando com os bichinhos. E acho até que de tão estranha que era a palavra, ele batizou a pata-mãe de patacoada.
Foram feitos um para o outro. Aquele casamento era tudo o que ela desejava para constituir uma família, pois o marido representava a materialização de todos os seus desejos. Do outro lado, Genoveva personificava a oferta daquilo que o rapaz mais desejava, mais necessitava. Mas havia diferenças entre o casal. E a despeito disso, tiveram um filho, uma criança esperta, bonita e inteligente. Puseram-lhe o nome de João Miguel, o qual tinha um amor exacerbado por animais. Os aquáticos, principalmente, eram a sua predileção.
Assim, para deixá-lo mais feliz, o pai comprou patos e construiu um pequeno lago no jardim, para os bichinhos nadarem. Foi a realização do sonho da criança. O brilho nos seus olhinhos constatavam essa verdade.
Voltando ao casamento: havia uma diferença de idade abismal entre os dois. A esposa era 26 anos mais velha. Quando se casaram, já tinha passado da hora de ser mãe, mas o Pedro Paulo adorava criança. E com 23 anos, era o momento ideal para ser pai. Por causa da idade da esposa, foram obrigados a fazerem testes e mais testes. Uma batalha! Assim, lançaram mão de tudo que há de mais moderno na medicina. Gastaram uma fortuna. Dinheiro para isso jorrou como água de cano arrebentado na rua. Eles não tinham o suficiente para arregalar olhos de gerentes de bancos? Então? E a relação de bens? Essa fazia o Leão da Receita ficar de boca arreganhada, sedento para abocanhar a sua parte.
(Apesar da fortuna, Genoveva, morenona gorda, era uma pessoa, digamos assim, rude. Acho até que nem chegou a esquentar banco de escola. Não era nada refinada, quesito que passou longe da ricaça. E as roupas? Nem vou me meter no guarda-roupas da gorducha.).
Assim, após gastos milhões e milhões, depois de toda essa batalha contra a natureza, veio ao mundo o menino, essa coisinha linda e inteligente que acabei de descrever.
Mas nem tudo são flores, como diz o chavão. E é bom esclarecer que de vez em quando, o casal se estranhava. Quando brigavam, era briga feia mesmo. Peraí, estou sendo incoerente quando digo que foram feitos um para o outro? Deixe-me esclarecer: o rapaz tinha a juventude e o vigor de um homem que ela nem empregou esforço para conquistar. Genoveva tinha o dinheiro e o status de uma pessoa que herdou uma pensão vitalícia do pai, coronel morto nos idos de 1940, o qual construiu, ao longo de sua vida, um patrimônio milionário de imóveis, terras e outros investimentos lá no Sul. Dizem que a extensão das estâncias do velho chegava até as fronteiras com o Uruguai.
Concorda agora que foram feitos um para o outro? Que era um casamento perfeito? Casamento, meus caros, no sentido de acordo, de toca-lá-dá-cá. Algo que se encaixa, preenchendo a lacuna existente no outro. Por outro lado, talvez ali nem existisse amor. Vou saber?
Tocando no assunto das brigas, João Miguel sempre presenciava as discussões. Já estava até acostumado com a ciumeira da mãe, pois na hora do pega, eles não estavam nem aí para o garoto. E num dia desses, passando pelo corredor da casa, o menino ouviu-os no quarto, quebrando o pau. Não conseguia distinguir as palavras, mas sabia que era mais uma costumeira rusga.
Ia seguir em frente, mas a porta se abriu e o pai saiu quase correndo, dando murros na parede. A mãe xingou uma palavra que até então ele não tinha ouvido. O menino caiu no choro, correndo na direção do lago, onde os animais nadavam.
Aquela reação era inusitada. A criança sempre presenciava as brigas, quieto, como se fosse surdo. Desesperado, o pai correu atrás, pegou-o no colo, apertou-o contra o peito, beijou-o, tentando conversar. Nada adiantava. A criança chorava inconsolavelmente, com os olhinhos fixos no lago, os bracinhos estendidos, como se quisesse abraçar os animais.
Pacientemente, depois de sondar muito, Pedro Paulo do pequeno:
- Eu vi vocês brigando. Oh papai, ouvi claramente...
(Sem exagero: a criança usou mesmo essa palavra. Falei pra vocês que ele era muito inteligente. Não falei?)
- ... ouvi claramente mamãe gritar... – e soprou a palavra no ouvido do pai, olhando de esguelha para a pata com os filhotinhos que nadavam, fazendo ondas com os biquinhos na água.
O pai não conteve o riso. Dava gargalhadas. Não conseguia parar de rir. O menino olhou-o bem dentro dos olhos, sem entender e fez cara feia. Pedro Paulo ficou sério e tentou explicar de outro modo.
- Meu filho, sua mãe fica inventando coisas. A gente briga por isso, mas ela não vai fazer mal nenhum aos seus bichinhos não. A palavra que disse, filho, são coisas que sua mãe fica imaginando. Querido, patacoada não é matar a sua patinha e coar na peneirinha não. Patacoada é palhaçada. Sua mãe adora usar essa palavra.
(Só não disse para a criança que a palavra era do tempo em que se amarrava cachorro com corda, porque ainda não tinham inventado a corrente. E também que patacoada fazia parte do vocabulário de Pedro Álvares Cabral)
Sabe que depois do esclarecimento, a criança se tranqüilizou? Desceu dos braços do pai e ficou correndo em volta do lago, falando com os bichinhos. E acho até que de tão estranha que era a palavra, ele batizou a pata-mãe de patacoada.