Pum...se avisar , pode!

Vanda não se conforma com a mudança da amiga para outra cidade. Se conhecem há muito tempo e eram inseparáveis. Para matar as saudades, ela às vezes liga e raramente envia e-mails. Uma dessas correspondências tem o seguinte teor:

"Querida amiga.

Ainda não sei por que você insiste em viver nesse lugar. Venha-se embora, mulher, que o seu canto é aqui! Praia não enche bucho de ninguém, não!

Como é do seu conhecimento, aqui vou levando do mesmo jeito. Todos os dias vou sentar meu bundão gordo (tô virando baleia, criatura!) nos bancos da Praça do Rosário até as 8 horas e depois vou dormir, que acordo cedo pra fazer a merda do grolado do meu almoço antes de sair pra labuta.

O trabalho é aquela coisa que você já conhece: nem fede nem cheira. O dinheiro que recebo no final do mês é que parece que a cada dia encolhe mais. E o patrão (vou nem dizer o nome...) é um grande filho da puta. O salário dele tá uma beleza. Mas ele quer mesmo é foder todos os funcionários. E sem cuspe! Mas eu já fiz uma cruz: nunca mais voto em fela da puta nenhum. Tenho dito!

Bem, mas tenho uma novidade, que é boa e ruim ao mesmo tempo: Lembra que eu dizia que em matéria de romance eu não conseguiria mais nem pro café? Pois não é que caiu um desavisado, um incauto na rede... E não foi na internet, não!

Foi assim:

Eu tava passeando com meu cachorro Ringo (sabe que é por causa dos Beatles, né?) aí ele passou. É um cara bem apessoado que mora lá pras bandas do Acampamento. Olhinho verde, marombado, mexe com esse negócio de capoeira. Uma gracinha.

Mas como eu ia dizendo: ele passou e caiu na besteira de falar que Ringo era lindo. Olha só! Ringo, bonito! O bichim tá feio, velho e sarnento, coitado! Aí eu agradeci, claro, com o meu melhor sorriso blasé ensaiado.

E ficou por isso mesmo até o dia do show de Zé Ramalho lá na Ilha. Encontramo-nos e ficamos como quem não quer nada, conversa mole pra lá, conversa mole pra cá. 'Tá muito calor aqui, o céu tá estrelado ali, 'acho que vai chover'. Nem ouvimos o show direito-porque ver ninguém via-, de tanta gente, mas tomamos um monte de latinhas de cerveja em meio àquele clima de quem quer coisa.

Na volta pra casa ele foi me deixar e já foi rolando uns beijinhos. Aí, eu já mais à vontade, perguntei se ele achava meu cachorro bonito mesmo. Ele confessou que só falara aquilo pra puxar conversa. Aí foi a vez dos amassos, do pega aqui, pega ali, que não sou de ferro, e tava num jejum danado de muitos meses. Fui dormir assanhada que nem formigueiro quando vê tamanduá.

No dia seguinte ele me ligou e já me perguntava se podia ir lá em casa pra gente conversar melhor. 'Ah, Ele quer conversar melhor', pensei...

Combinamos para a quarta-feira às sete da noite.

Eu fiquei ansiosa demais. Arrumei a casa no capricho, comprei uns queijos, umas coisinhas pra tira- gosto e duas garrafas de vinho tinto suave, oriundo das melhores 'vinícolas' Patoenses

Tomei um banho daqueles, lavando e escarafunchando por todo canto (nunca se sabe né?). Perfumei-me e vesti uma roupa nova.

Ele chegou pontualmente e trazia outra garrafa de vinho. Sentamos-nos na sala e nos atracamos logo. E tome beijo e abraço!

Tomamos uns vinhos no clima romântico da sala, à meia-luz. Botei umas músicas pra tocar no DVD e foi só romance. Depois caímos na cama feito uns doidos. Não deu outra. E fomos rapidinho pro que interessava.

Foi aí que aconteceu a tragédia.

Você sabe como sou fresca com certas coisas. Pois não é que bem no auge da coisa ele peidou em alto e bom tom? (Se é que pode haver bom tom pra uma coisa dessas). E ainda fingiu que não era com ele, pode? Sabe, aquele negócio - peidei mas não fui eu?

Eu fiquei passada de vergonha e me controlando pra não rir. Ainda assim, terminamos meio desanimados o que havíamos começado.

E o cara até que é um sujeitinho bom de cama, viu? Despedimo-nos numa boa, com promessas de encontros futuros. Mas eu não esquecia a gafe e só lembrava de você. Não que eu esteja associando você a merda, por favor!

O fato é que não teve mais acordo. Não consiguia mais nem olhar na cara do sujeito. Se pelo menos ele tivesse avisado antes, acho que teria sido diferente. O que quebrou o encanto foi a surpresa-Desagradável-, né?!

Enfim, tô sozinha de novo. Espero conseguir um namorado. Não gosto de ficar só. Você me conheçe.

Ainda continuo frequentando o Centro. Sempre escrevo algum pedido e deixo lá. Nem sei se Deus gosta disso, mas eu peço: 'Deus, faça uma forcinha* pra que eu arranje um companheiro. Mas, por favor, que não seja um cagão e que, se for peidar, me avise antes. Amém!' ”

"*Esse deus não é tão onipotente"