Sr. Joaquim de Souza Marques e Dona Marcolina, fo um casal, marido e mulher que viveram um para outro, até o fim de seus dias! Não tiveram filhos e a herança do casal ficou para o sobrinho, comerciante de tecidos da cidade chamado Josa, que por sua vez deixou sua loja e terras para o filhos, Aldo, formado em direito, mas sque optou viver do desfrute da herança, já que tornara filhos unico, se o irmão, deficiente autista, falaeceu entre os 15 e 20 anos
O casal viveu como tantos outros casais daquela época; enclausurados no casarão da esquina norte, situada na praça da matriz. Algumas saídas ocasionais, para as missas diárias e poucas visitas aos escassos parentes. Dona Marcolina, a quem chamavamos de Tia, por haver um grau parentesco com o nosso Pai, Iozinho, era uma mulher muito dura de feições. Poucas palavras e muito caseira. Seo Joaquim, mas conhecido por Quinca de Marcolina, além da atenção que dava ao seu pequeno roçado, assumira algumas posições de destaque na cidade. Foi vereador e também delegado de policia, o que lhe tornara mais socia, devido as deligencias que fazia na cidade e pelo municipio, como homem da lei.
Caminhadas mesmo, só do delegado em suas diligências ou quando atrás do andor sagrado, levando a imagem do Santo homenageado na procissão. E que procissões!!!
A igreja, naquele tempo, se servia de fies adoradores... Porta estandartes com brasões apostólicos romanos; dezenas de homens e mulheres uniformemente trajados de vestes e apetrechos congregacionais;centenas de lábios bocejantes em preces e cantos frenéticos, pelas ruas da cidade, iluminadas a luz das velas.
A concentração se dava sempre a frente da igreja matriz, saindo pelo beco de Seo Céres, o evangelista da primeira Igreja Batista de Correntina. Passava pela praça de Dr. Lauro, depois adentrava a ruela de Sinhô de Dió, chegava a praça do Hotel de Dona Vivi e se afunilava entre a casa de Seo João de Margarida e os fundos da casa do Capitão Miguel Coimbra. Os andores se distribuíam ao longo do cortejo; alguns adiante outros no meio e os sants menos imponentes, lá na rabeira da procissão: - Depois dizem que não há preconceitos canônicos! O santo homenageado puxa o grande cordão; a multidão lhe jogava flores, beijos e o Padre jogando água benta no povo frenético... enquanto lá atrás, um bando de meninos desordeiros mudava as letras dos cantigos...
A véia a véias, aveia Maria ...
Homens devidamente selecionados eram incumbidos de carregar os andores, mas no andor principal aquela turminha não abri mão dos direitos já constituído como titular, fosse quem fosse o santo ou padroeiro. Lá estava Sinhô de Dió, Pedro Guerra, João do Fino, Militino, João de Atílio, Odilon, Seo Ismael, Seo Avelino Campus, Zeferino e Osvaldo França e assim iam de procissão em procissão, sob os olhares atentos de Ir. Zélia e Ir Neide, Ir. Cristina e Pascásia e outras santas imaculadas mulheres, compromissadas com o mistério da cruz.
Enfim chegavam a praça de Sinhá Santos, onde ficava o Cine Teatro de Correntina; aquele que o Prefeito Almir Bispo cedeu para o Banco do Nordeste demolir e contruir sua agência. Um absurdo histórico que ninguém reclamara a tempo e nossa história virou poeira, lembraças para os que nele viveu momentos infindos... O erro foi imperdoável mas história continua sendo escrita no meio da rua, por Roberto de Florizinha, Leandro Caetano, Zacarias e outros atores e atrises. O filho Seo Hermenegildo deixou seu nome manchado neste contexto da história de Correntina. Já não bastava a meleca de Quinca de Santa, em constuir o fórum da cidade no meio da praça da Matriz... ... Políticos... políticos, é melhor não envolve-los, para não sujar o contexto desta história! Como dizia Eça de Queiroz " Os políticos e as fraldas devem ser trocados freqüentemente e pela mesma razão" mas o que fazer se os eleitores brasileiros, em sua maioria, são analfabetos políticos.
Enfim, lá vai a procissão, descendo a praça do Cine, também conhecida como Praça Felipe Santos e embocava entre as casas de Oswaldo França e Meleta, Ozano, Taviano e Safina e seguia sendo reverenciada pelos devotos que não podendo seguir o cortejo, enfermos, assentam nas portas de suas casas a espera do andor principal e da passagem do Padre André. Lágrimas de emoções! o povo chorava o povo cantava cheio de fé e devoção; Padre André, em pessoa, quebrava o protocolo e se dirige até os enfermos, assentados ou de pé, nas portas de suas casas e alí, na pura emoção, recebem a cumunhão da hóstia consagrada, a benção com óleo ou água benta, na fé de que o milagre se fizesse. As vezes o milagre não estava visivel no corpo, mas certamente, na mente o milagre era real.
A procissão virava a direita, frente ao Bar Elite, passava a ponte e entrava na rua da fusaca. A família de Seo Guilherme (Seo Té) a esquerda da ponte, contrita em sua fé, tomavam os espaços nas porta e janelas; se benziam com o sinal da cruz; mais a frente, Dona Sianinha e Dona Netinha jogavam pétalas de rosas e glorificavam o Santo homenageado. Seguira a procissão, levantando o povo com seus rosários nas mãos e na face a contrição do solene momento. Um a um os bares encostavam suas portas e seus bêbados e donos, se prostravam nas calçadas, em reverência, enquanto os bêbados, de mãos para trás, cruzadas, tentavam se equilibrar, quando não se atrapalhavam com o chapéu que teimava em cair-lhe das mãos...
A procissão continuava seu andar e contoria, até a extremidade da rua da fusaca, quando vira a esquerda, frente a casa de tia Josmira e Dofim de Quica Urso, para fazer o caminho de volta até a ponte do Bar Elite.
Por vezes surgia em meio ao povo, nas calçadas, a figura singular de Arnaldo Profeta, que a pouco tempo se convertera ao evangelho e começava a citar passagens bíblicas:
– Não adoraras imagem ou outros Deuses. Diz aqui as escrituras !
E o que fazem vocês, povo correntinense, seguindo essas imagens de gesso? mas logo era contido por Dofim de Quinca Urso e Doda Dourado, que com muita delicadeza, pedia ao irmão Arnaldo Profeta que respeitasse os irmãos católicos, em suas manifestações de fé.
A procissão chegava novamente na ponte e logo em seguida o Bar Elite e seguia adiante, na rua de Jacira e Dona Maria, Dona Zinha, Seo Marcelino, Dona Miquinha e Seo João, mais adiante, na mesma reta, entrava na rua das Dioras, Iôzinho, Zé de Aurora, Pedro Guerra, Seo Aurélio, Zeferino França, enfim a casa do Delegado Quinca de Marcolina e novamente estava na Praça da Matriz, onde tudo havia começado. Contorna a praça pela direita, abençoava a casa das Paturys, Seo Zé Pedro, Dona Vandinha, Manino e Rita, Miro Telegrafista, Nicinha do Bolo de arroz, Vessinho e enfim estava diante da Igreja Nosso Senhora da Glória. Era o início então dos VIVAS E VIVAS do Revdo André Berénòs.
VIVA CORRRRENTINA!
VIVA NOSSA SENHORA DA GLORIA...
e alguém gritava: -VIVA O PADRE ANDRÉ!
Era habitual vê o casal Quincas e Marcolina assentados na porta da rua, nos fins de tarde e início de noite, vendo os casais de namorados que passavam rumo ao jardim da praça da matriz; que o velho alemão, Seo Joel, tão bem cuidava. Um amor pessoa era o jardineiro; que nem parecia marido de Ana Torinha. Dona Ana era de uma fidelidade espantosa, ao seu velho esposo, Seo Joel, nem o vento, com cheiro de outro macho, ela respirava; Dona Ana era capaz de prender a respiração enquanto ele passava, sem exagero, era sim! Nunca olhava no rosto de homem qualquer ou por ele passava a uma distância menor de cinco metros, ou mais!. Mudava de calçada, para não passar ou caminhar próximo a outro homem.
Não sei a razão do apelido, mas Dona Ana era a fidelidade em pessoa. Alguns rapazes, por pirraça, fingiam não perceber o encontro e mudavam de calçada, quando ela já estava no meio do caminho e era imediato sua vira¬-volta ao percurso anterior e se ele insistisse em provocar uma aproximação, ela voltava resmungando e desistia da direção ou voltava ou corria resmungando a ousadia do moço. Não sei como Dona Ana casou-se com Seo Joel, como ele conseguiu ! só ele mesmo nos poderia contar. Seria muito interessante saber, a proeza da conquista.Tiveram cinco filhos, Socorro, Isaías, Hilda, Ivete e João, apenas este herdou o codinome da mãe; João Torinha.
Dona Ana não tinha nenhum requisito de beleza aparente, mas seus filhos atraíram atenção da enfermeira Donária Guerra. Ela deu sua vida a a profissão, não casou nem teve filhos e acabou fazendo dos filhos do velho Joel e Dona Ana, os seus filhos, mas não seus herdeiros, conforme dizem. Levou para casa a mais velha, Socorro e ajudou Seo Joel a cuidar dos demais que ficaram morando com os pais.
...
Seo Joaquim Marques, deixou a vida de agricultor e veio para cidade, como muitos outros fazendeiros que se envolveram com a política. Correntina até os dias de hoje mantém essa característica; é no interior do município que concentra o grande eleitorado e os lideres políticos deram margem a esta estatística, colocando candidatos do municípios para concorrem ao cargo de Prefeito. Começou com Elias França, trazido a política pelo Major Felix Joaquim de Araújo e a “brejeirada” tomou gosto pela coisa, Elias trouxe Euclides, que trouxe o genro e aí vieram Quinca de Santa, Ezequiel Barbosa e por fim Maguila. Sem falar que desde a década de 70, a Câmara de Vereadores nunca passou por mãos eficientes, na administração e elaboração de leis. Em todas as legislaturas, os interesses pessoais, falavam mais alto que a educação, que a necessidade de parques ecológicos, a preservação ambiental, a ordem pública; o turismo de qualidade. Neste intervalo, Teófilo e Almir Bispo surgiram como esperança de mudança, mas deixaram a desejar e como sempre, não houve continuidade na arrancada da exploração turística, na criação de leis que desse sustentabilidade e novamente Correntina se estacionou.
Uma vez residindo na sede do município, Seo Quincas de Marcolina conquistou a vereança chegando a presidir a casa legislativa; foi juiz de paz, o homem que intervinha nas questões de conflitos; escrivão de polícia, fiscal de tributos, também foi membro ativo da Congregação dos Mariano e acabou chegando ao posto de delegado de polícia, quando o cargo era por nomeação municipal. Com este currículo na vida pública, social e religiosa Seo Joaquim tornou-se uma autoridade de reputação em todo o município.
Era um fiel escudeiro da Arena I, que sob a liderança do Sr. Elias de França, que o mantinha em cargos estratégicos, o Delegado Quinca fez carreira política, social e religiosa. Enfim chegava ao posto máximo na hierarquia da segurança no município. Era o homem da lei. “Era e não era” uma tarefa árdua, para o velho Quinca, ser delegado de polícia de uma cidadezinha do interior, na época com uns 15 mil habitantes, afinal, havia ego e um certo destaque de notoriedade a envolve-lo em tudo que se passava na vida social da cidade; fosse festas comemorativas, políticas, religiosas, briguinhas e brigonas. As cidades, naquela época muitas cidades do interior tinham aquele porte pacato, até chegar o conflito de terras, já na década de 80, quando o cerrado fora invadido e muitos posseiros, por direito, assassinados e suas terras tomadas e vendidas aos gafanhotos gaúchos que assolaram o Rio Grande do Sul e nesta época começaram a montar suas estruturas devastadores, que iriam trazer o município de Correntina as desgraças ecológicas que hoje se testemunha, principalmente no Cerrado, nas nascentes de rios. Alguns já extintos.
Até então eram paraísos; tamanha era a quietude de suas ruas e a harmonia de seu povo. Era mais fácil acontecer um homicídio passional, que por latrocínio e isso podia levar um ano ou mais sem ocorrência. As brigas de bêbados era na verdade o grande trabalho do Delegado, disciplinar com cadeia, os brigões de todos os sábados! isso era rotina.
Os quatro ou cinco policias que formavam o “batalhão” do município; eram suficientes para atender a todas as ocorrências, exceto nos dias de eventos excepcionais, quando então solicitava-se reforço as cidades vizinhas. Uma ronda a cada dois dias, nos fins de semana pela beira do rio e campo oficial de futebol, pronto! a cidade estava passada a limpo. A depender do Delegado Quincas, ele faria ronda todo fim de tarde. Percebia-se no seu semblante a satisfação de sair pela rua, escoltado por dois ou quatro, policiais fardados e Ele, o Delegado, vestido no puro linho branco, gravata borboleta e por dentro do paletó, a vista, um cinturão de balas e o revolver, de cabo branco, possivelmente pérola, nas laterais. Os soldados, Zé, Arnaldo, Heleno e Galego, de quebra João Carcereiro e Tonho, irmão de Zé soldado, que se valia da profissão do irmão e tirava suas cascinhas, como se fosse um policial civil.
Por vezes estouravam uma casa de jogo de azar, onde alguns viciados em apostas eram capazes de perder tudo, bens, até família, por causa do maldito jogo. O problema é que os soldados, muito tempo residindo num município, acabavam fazendo amizades, eram incorporados no contexto familiar aí para se tomar alguma medida drástica contra alguma pessoa de família, era sempre utilizada a diplomacia de uma policia que parecia policiais ingleses, ou suecos, os mais preparados policiais do mundo; tempos em que a população acreditava na polícia, como anjo da guarda.
Os soldados de uma cidade do interior acabam sendo chamado pelo nome, seguido da patente, como Zé Soldado, Soldado Heleno, Arnaldo Soldado, Sgto Peixoto. Sgto Cabal, Sgto Getulio e em sua maioria, os policiais eram praticante do futebol: Sargento Peixoto foi atleta do Palmeiras de Iôzinho, mas foram os soldados Galego e Arnaldo os militares mais devotados ao esporte em Correntina. Fosse treino ou jogo oficial, lá estavam eles, impecavelmente trajados e protegidos; por caneleira e tornozeleira, chuteiras rigorosamente lustradas e encomendadas ao monumental zagueiro de todos os tempo, Ném de Baia, até hoje sapateiro dos bons.
A dupla Arnaldo e Galego foram mesmo eficientes como juiz de futebol nos campeonatos oficial da cidade; com exceção do Sgto Peixoto e do soldado Heleno, ninguém mais se destacou na Policia local para alcançar posição de titular nos grandes times locais. Arnaldo tinha seu próprio time, aquele time que ele convocava pela rua, para um amistoso no Barrocão, no Cerco, São Manoel; não lhe faltava bola, bomba, meões, camisas, primeiros socorros, redes... O que lhe faltava mesmo era aptidão com a bola. Por vezes sobrava bola e faltava pés ou sobrava pés e faltava bola. No povoado do Cerco, então, eram aplaudidos, pelo carinho com aquele povo, fraterno e familiar os recebiam para uma partida de futebol, fosse juízes ou atletas em peladas regadas a garapa de cana ou água ardente. Aliás o povoado do Cerco sempre surpreendeu seus visitantes, pelo seu nível cultural e a atenção a seus visitantes convidados.
Numa dessas diligências do Delegado Quincas, que não era homem de tolerar bêbados e por isso era rígido ao deparar-se com um, mandava que o recolhesse, imediatamente, levando-o para o xilindró, ao lado da Igreja Matriz:
-Recolhe! recolhe! João, operação padrão! banho frio debaixo da mangueira e quando estiver sóbrio, solte-o.
A operação que ele chamava de padrão era um banho frio de mangueira d´água, debaixo da mangueira de manga mastruz, que ficava no quintal do chefatura, onde também se tinha dois cárceres. Depois do banho, o “bêbum” era trancafiado numas das celas, até que, passado o efeito do álcool, percebia que estava engaiolado e começava a gritar pedindo para ser solto, que só estava bêbado.
Duda, enteado de Dona Vivi, a mulher forte na região, politicamente e socialmente, era um bêbado inofensivo, perturbava com sua conversa sem fim e se gabava batendo no peito, desafiando um e outro, falando as mesmas coisas de todas as “bebedices”:
- Eu sou filho é de Vivi rapaz! Você sabe quem é vivi? É a muié mais macho que muito macho de Correntina. Quem é que pode então comigo ? Quem?
Logo, logo a ronda do sábado encontrava Duda, “travado” num dos botecos da cidade e o Delegado Quincas, casado com a cunhada de Vivi, não poupava o suposto sobrinho Duda, que ele, o delegado, não o tinha nesta lista de parentela.
- Soldado Zé, leva Duda prá tomar um banho de mangueira!
- Queee é issso tio? Você sabe que você é meu tio! Vai me prender tio Quinca? O irmão de sua muié foi casado com minha mãe VIVI, analisa os fatos delegado, analisa, você é meu tio!
- Não enche Duda, leva!
- Tira a mão soldado, cê sabe quem é eu?
- O filho de Vivi!
- Então! Então!
- Você está perturbando a ordem pública Duda.
- Sem muita prosa, Zé! Leva!
- E se eu ficar quentinho lá na porta do hotel Delegado Quinca ?
Por vezes dava resultado e Duda era levado ia sozinho para a calçada do hotel, onde deitava e curtia um profundo sono, até a hora de voltar para casa, nas Moendas onde morava. Ia rua abaixo ou acima falando sozinho:
- Eu sou filho de Vivi,! sabe quem é Vivi ? sou “enteado” dela!
Na verdade nunca soube que Tio Duda tivesse tomado um banho de mangueira, ele era deixado no quintal do hotel. Duda não era o que dizia ser de vó Vivi, ele era filho de um empregado de Rafael Martins, meu avô, que uma vez viúvo que casou-se pela segunda vez, com Vivi. Com a morte de seu pai biológico o velho Rafael tomou sobre si a responsabilidade do menino Duda. Sem mãe e sem pai, não lhe restou outra opção senão cuidar do rapazote, que conhecemos e tratamos como Tio Duda. Ele herdara um pedaço de terras lá pras bandas das Moedas, casou, teve três filhos, dois homens e uma mulher que andavam atrás dele, geralmente depois do almoço, quando ele já tinha por certo vendido suas raízes que trazia para feira. Senão o encontrasse a tempo, ele transformava as mandiocas inhames e milhos verdes em cachaça!
...
O delegado Quincas se achava alguém importante no contexto da cidade, não era atoa que em seu currículo agora tinha mais um item para o orgulho de sua companheira. Delegado de Polícia, logo, botou na cabeça que tinha que se atualizar em relação a tecnologia e comprar uma daquelas máquinas de escrever. Datilografia era uma profissão emergente, garantia de emprego para todo aquele que com agilidade tivesse o domínio do teclado e habilidade precisa ao usar aquela geringonça, como instrumento de escrita. Ser servidor público era ter posição de destaque na sociedade e preferência entre os pais de moça bonita, para contrair matrimônio.
Todos se empenhavam em tirar o diploma de datilógrafo. As escolas de datilografia se multiplicavam por todo o país. Em Correntina o Revdo André, como sempre, tinha que ser Ele; fundou a Escola de Datilografia Nossa Senhora da Glória, a pioneira no município e o primeiro Professor foi Iôzinho, meu pai. Por muitos anos ele ensinou a arte de escrever, com as modernas máquinas de escrever. Daí a razão de um gigantesco quadro de formatura de datilógrafos, pendurado na parede da sala de nossa casa. Todos eles em trajes de gala.
Outras escolas foram surgindo tempos depois, como a Escola de Datilografia do Professor Dalcy Alves Rocha, a escola de Nêgo Adalberto o antigo escrivão; a escola do sacristão e locutor paroquial, Pedro Amaral, para os íntimos tratado de “Piroca” que foi treinado a mando do Revdo Pa. André para ser o Técnico de Manutenção.
Vando de Joaquim Santana, um funcionário dos correios, passava a sua porta, quando ele o chamou para saber das previdências de como adquirir uma máquina de escrever:
- Olá meu rapaz, espere um pouco! Como é mesmo que se deve fazer para comprar uma máquina de escrever?
- Delegado, alguns vendedores, representantes da marca, costumam passar, com um catálogo e fazem o pedido que geralmente vem pelo correio, quando eles mesmos não trazem.
- É que estou querendo comprar uma, sabe como é! Não tem como evitar a tecnologia!
- Tem um representante hospedado na pensão de Dona Neném Guará.
- Que boa informação! Vou vê isso amanhã.
Quase um mês depois o mesmo Vando foi a casa do Delegado levar o aviso de que seu pedido estava disponível nos Correios, sob a guarda de Dona Ligia de Pedro Aleixo. Como os Correios não tinha carro para fazer entrega de produtos de grande porte, solicitou que o Delegado Quincas fosse até a agência pegar sua encomenda e efetuar o pagamento. Sorrindo como um menino, com a expectativa do presente, todo falante, requisitou a rural da prefeitura para buscar sua encomenda nos correios e lá foi ele com Dilson de Seo Zeferino França.
- É uma máquina de última modelo, Dilson!
- É mesmo Seo Quinca ? elétrica?
- Acho que não! e tem máquina de escrever elétrica?
- Eu ouvi um americano, que passoupor aqui, dizer que lá nos estrangeiros já tem!
- O que é a tecnologia Dilson! Como deve ser isso ?
- Mas a minha ela tem cê cidilha (ç); adaptação própria para língua portuguesa... É a tecnologia chegando Dílson ! Máquina de escrever... ! Assunta isso! máquina de escrever! Mas para usá-la é preciso saber ler e escrever! Não é engraçado essa isso? Agente podia ir ditando e ele escrevendo, não é mesmo.!
- Talvez seja assim com a máquina elétrica !
- Será possível ? Aí é muita tecnologia delegado e certamente haveria de tirar o emprego de muita gente!
- Pelo contrário meu filho! muito pelo contrário! as pessoas doravante vão ter que se adequarem a tecnologia. Escrever a mão vai ser coisa do passado. É a tecnologia meu filho; a era do homem na lua, a televisão vai ter cores e o telefone logo, logo não terá manivela para fazer chamadas, vamos discar uma seqüência de números Vi isso num jornal da capital!!
- Tem razão Seo Quinca! A tecnologia avançou muito depois que o homem foi a lua! Imagine o Sinhô que este carro é um exemplo disso. Veio com várias inovações. Tem feio a disco nas rodas dianteiras; tem pisca-pisca automático que retorna sozinho quando termina a curva; que conforto não! avisa com uma luzinha que pisca, quando o combustível está na reserva, sem falar que tem até acendedor de cigarro !
- O quê ? repete!
-Acendedor de cigarros !
- Não me diga ! Não me diga ! Você se lembra quando os irmãos
Liozirio e Arnaldo Ferreira chegaram do Rio de Janeiro, trazendo o caminhão que o Prefeito Dr. Lauro comprou?
- Lembro! como lembro ! Um chevrolet 52 azul e branco, primeiro carro a entrar na cidade !
- Lembra do alvoroço do povo, quando Arnaldo mandou Liozirio sair correndo gritando para o povo apagar os candeeiros! Falava que a gasolina era um perigo, que puxava de longe uma faísca de fogo e podia explodir tudo!
- Ah Ah Ah... até hoje isso me provoca risadas..
- E agora você me diz que tem acendedor de cigarros dentro da boleia dos carros?
- Isso mesmo Delegado; Hoje já se fuma dentro do carro; quer vê como funciona o acendedor de cigarros?.
- Não! Não! Prefiro não me arriscar, a tecnologia pode falhar justo agora! O homem viaja da terra para a lua ! bisbilhota o espaço ! A televisão mostra o que acontece no mundo, dentro de nossa casa! - O que será que vai acontecer com o rádio rapaz? Imagine se alguém que vai querer ouvir, se vai poder vê? Não há de demorar e estarão usando telefone em lugar do telegrafo!
Chegaram enfim a agência dos correios e Seo Miro telegrafista foi o primeiro a vê o Delegado Quinas, a quem indagou com entusiasmo.
- Veio buscar a máquina de escrever Delegado ?
- É isso mesmo Miro, não tem mais como não se aderir a tecnologia dos novos tempos; e você toma cuidado ! estava agora mesmo falando com Dílson; você viu as últimas noticias que deu no rádio ? Tão falando que o telefone pode chegar a qualquer lugar do Brasil; vamos poder falar com as pessoas como estivesse ao lado delas, como fica você meu rapaz ? Telegrafista !
- É por isso mesmo que estou me preparando mudar para capital, Seo Joaquim. O futuro pertence a nossos filhos. Pô-los na faculdade, estudar !
- Está pensando certíssimo meu caro Telegrafista: hoje é máquina de escrever, amanhã telefone a televisão... Depois que o homem foi a lua, tudo mais pode acontecer.
- Instalaram um o telefone na barragem; Torres o telegrafista de lá me convidou e fui conhecer!
- Tô curioso por demais, para conhecer esta tecnologia!
- Aqui sua encomenda Delegado Quinca, acerte ali com Dona Ligia a parte financeira.
- Boa tarde Delegado?
- Boa Dona Ligia, como está Aleixo?
- Como sempre, na luta deles com a matança de porcos e fazer banha para mandar pru Goiás. Assina aqui!
- Ela já entregou sete, só nesta semana, Delegado!
- Tantas assim Miro ?
- É, só os Franças compraram três Seo Oswaldo, Joaquim. Elias, Padre André levou duas e outras duas foram para João Diamantino e Oséas Cardoso, quem comprou uma portátil foi Sinhor de Dió ficou com outra.
- Quer dizer que tem também máquina de escrever portátil?
- É são pequenas e leves, podem ser levadas para qualquer lugar !
- Assunta, daqui a pouco vão fazer ele elétrica.. ah ! ah! Lagente fala e ele escreve !
- Não duvide da tecnologia Delegado, as loucuras de Leonardo da Vince já não são consideradas loucuras.
- “Divera” não se pode brincar com a ciência da tecnologia.
O Delegado recebeu a máquina, assinou a papelada que lhe apresentou Dona Ligia, fez os pagamentos devidos e se foi sorrindo com sua máquina de escrever, nova, novinha em folha !
- Pensei que a máquina fosse brasileira Reminginton? De que língua é esse nome Dilson.
- Sabe que não sei! Alemã, inglesa ou americana! Mas é só a marca Seo Quinca, tudo já está adaptado a língua portuguesa.
- Vamos vê se me adéquo a tal tecnologia, Dílson, vamos vê!
No dia seguinte, voltava o Delegado Quincas da casa de seo sobrinho Josa, quando ouviu um bafafá que acontecia naquele momento no Bar de Arnaldo Treme Treme, não pestanejou, deu meia volta e pra lá se dirigiu. Não sabia que naquele “interetete” estavam envolvido Liozão, na companhia de Zé de Cinza, companheiros inseparáveis de birita.
Seria apenas um outro beberão, pensou o delegado Quincas. Não fosse a fama de homem brigador, que tinham Zé de Cinza e Liozão, talvez tivesse razão o delegado, mas Lió tinha surrado o delegado Jayme Moreira com a folha do facão, justamente por ter recebido do mesmo a temida voz de prisão. Na ocasião Liozão sacou o facão e partiu para cima do delegado, enquanto os freqüentadores do bar do velho Caboclo, atônitos, assistiam a cena sem nada fazer.
Só mesmo o velho Caboclo foi capaz de por fim aquele momento de insanidade do peão Lió. Segurou firme o pulso de Liozão, que tentou reagir ... mas um grito forte e as mãos firmes do velho índio fizeram Lió entender que Seo Caboclo tinha o domínio da situação; montou em seu cavalo e partiu a todo galope.
Dinda costumava dizer Liozão e o velho Inácio Valentão eram homens decididos, e tirou de mim toda aquela impressão de que Zé de Cinza era o homem mais valente e corajoso da cidade.
- Que nada menino! Zé só quer atenção; pra mim faz muito barulho! Cês querem vê uma briga que cheira finado: Liozão, velho Inácio Valentão, ou Capuchim! Agripinão irmão de Jonas... Esses sim, homem bonito, tem coice de boi manso!! Quem faz muito barulho nem sempre é bom brigador.
- Maria veja o que fala com esses meninos e o que você fala de Zé, se ele sabe disso !
- Vai vim me bater ! Caí duro só em levantar a mão! Onde já se viu! Assunta sua mãe! Não saíam por aí brigando com ninguém, mas se não poder evitar a briga, dê o primeiro soco em seguida o segundo, seguido e não será preciso dar o terceiro, tá ganha a briga. O adversário tem ser surpreendido! Nunca mostre medo, mesmo se estiver com medo! Decisão e ação! Estas são as palavras certas!. Todo fanfarrão é frouxo na hora H se amofina.
- Maria veja o que você está ensinando pra esses meninos !
- Lú, você vai querer seus filhos homens molengas? Que cheguem em casa apanhados? Que vivam com medo de sair na rua ? Sei o que estou fazendo ! Não é para brigar; mas se não tiver como evitar! Lembrem-se do que disse: Quem dá o primeiro soco ganha a briga! Nada de pedra viu Henrique !
Dinda sabia de muita coisa que se passava com agente, sabia que eu e Javan tínhamos nossos desafetos e os temores; Henrique dificilmente se envolvia numa briga; todos sabiam que ele não era bom na porrada, mas era certeiro na pedra. Só acertava na cabeça; tinha fama de rachador de cabeça. Isso o fazia respeitado e temido, até mesmo quando alguém ameaçava brigar comigo ou Javan, ele quieto se preparava para o ataque de surpresa, caso fosse necessário e isto nos fazia sentir encorajados, quando brigava com alguém, vendo-o por perto. O branquelo era bom na pedra!. As brigas dos meninos se davam assim, quase por nada e acabavam da mesma forma que começava, do nada. As vezes os mesmo que atiçavam, eram os que em outras horas evitavam que um confronto se desse, ou acabavam sendo envolvido na própria briga que ele atiçou.
Por vezes os atiçadores faziam a frente dos adversários, alguns riscos no chão e dizia o que representava cada risco daquele: Um era o pai, outra a irmã e outro a mãe de ambos envolvidos e alguém, na posição de um juiz de luta, dizia em voz alta:
- Tai a irmã, o pai e a mãe dele!
Virava para o outro e falava a mesma coisa, acrescentando o desafio final: cada um; quem tiver coragem pise neles !
- Tai a irmã, o pai e a mãe dele! Agora quem tiver coragem pisa a cabeça deles!.
Quando um dos adversários não estavam a fim de briga ou temeroso, até que permitia que se pisasse a irmã ou o pai, mas se um dos moleque pisasse a mãe... não tinha medo que suportasse tal afronta, pois aí seria chamado pelos amigo de covarde e ninguém queria ser covarde por ter permitido pisar na sua mãe. A reação era instantânea, prá apanhar ou para bater, era mesmo “cutucar a onça com vara curta.” Em outras ocasiões ficavam um enroscando no outro, se provocando:
- Dá você primeiro ?
- Dá você se tiver coragem ?
- Dá você que chamou pra briga!
Era para isso que Dinda não aprovava, ficar no lenga, lenga, no da você que não dá e dá o outro que também não dá e quando um finalmente tinha a iniciativa: PUUUMM. Desta fase da vida trago até hoje a lembrança de dois tapas na cara; um da terrível Cica, filha de Seo Edvaldo, o Guarda, após a tentativa de roubar-lhe um beijo, debaixo do pé de flamboyant e de Nena de Biu, quando fui cercado por um grupo de 10 meninos da rua da fusaca, que queriam vingar a surra que eu havia dado em Chico irmão de Zé-da-bomba...
O delegado Quincas, voltava da casa de seu sobrinho Josa, viu o bafafá no Bar Treme Treme e aí... Entrou de imediato bar adentro e de costas viu que um grandalhão que segurava um homem a meia altura do chão e tome-lhe sopapo! O pobre coitado espichava os pés para tocar o solo, enquanto era esbofeteado de todos os lados... O velho Quincas, com seu andar de pato em terra seca, foi até os indivíduos e com um tapinha nas costas do agressor falou em claro e bom tom.
- Solte o homem e considere-se Preso!.
O grandalhão soltou sua vítima, rodopiou sobre os calcanhares e de punhos cerrados e Puuuummm!...
Liozão sem parar pra pensar, acertou em cheio o olho do delegado Quinca, que caiu sobre a mesa mais próxima e antes mesmo de cair no chão, aos soluços, libera um alvará de soltura:
- Tá mal amigo, trate de dá no pé, este não vai desistir de ti pegar!
- Es...te teje, sol...solto... uuuí...!
- Ah! Ah! Lió, veja quem você pegou! outro delega !
- Eu não sabia Zé! Eu não sabia que era o Delegado!
Liozão, mais que ligeiro corre até seu cavalo Alado, monta em um espetacular pulo de pião sobre a rés, seguido por Zé de Cinza que monta seu alazão Raio, fazendo a retaguarda da fuga. Juntos ajustam as esporas e em louca disparada deixam o rastro de poeira pela rua da fusaca e um delegado zonzo, sendo socorrido pelo freqüentadores do Bar Treme, Treme!
Logo, logo o batalhão foi avisado da ocorrência e chega ao local no jeep policial dirigido por Tonho de Rafael, casado com Gera de Quinca Beiju. Os soldados Arnaldo e Heleno entram no bar, enquanto os outros ficam do lado de fora controlando os curiosos que se juntavam para vê o que tinha ocorrido. Naquele mesmo instante surgiam diversas versões para o ocorrido...
- Este...te...je sol... solto!
Repetia o velho delegado a ordem de soltura, ainda meio grogue... Tomou um gole d’água com açúcar e apalpando o rosto, tentava identificar onde lhe acertara o velho Lió; foi quando fez um comentário cômico, para os que assistiam a cena.
- Isso foi um coice de mula ou foi a danada da soqueira ?
- Não seo Quinca! Foi o punho de Liozão!
- Nada a registrar, escrivão ! nada a registrar !
- Não sou o escrivão de delegacia Seo Delegado, sou Arnaldo profeta, escrivão do céus.
Arnaldo Profeta o estudioso da bíblia que andava pregando por todos os cantos que ía. Falava da salvação as almas, quando não estava olhando para céu e interpretando a posição das estrelas, anunciando o apocalipse; era o João que pregava no deserto.
- Circulando, circulando Arnaldo, fora que a coisa é séria!
- E não seria soldado ! A bíblia já dizia e o cruzeiro no céu já anuncia; é chegada o juízo final! Pai contra filhos, irmão contra irmão...
- E... e....pregar agora não Arnaldo!
(O soldado conduzia Arnaldo até a porta de saída)
- Pai conta filhos, irmão contra irmão... o irmão Liozão fundou o olho do delegado...
Arnaldo sai do ambiente sob protestos, enquanto os soldados ajudam o delegado. Conhecendo a persistência do velho Quincas, os soldados sabiam que aquele incidente não o faria desistir da missão de homem da lei, logo logo a rua da fusaca estava repleta de curiosos que já sabiam do ocorrido e cada um já contava sua versão dos fatos. Até tiros já haviam dado contra o corpo fechado de Lió.
O Delegado tirou uns dias de folga, deixando Arnaldo Soldado no exercício do cargo, enquanto o olho se mantivesse roxo . Aproveitou a folga para enfim desempacotar a máquina de escrever que havia recebido no dia anterior. Passou o fim de semana tentando domar a tal tecnologia da máquina de escrever, de quando em vez resmungava alguma coisa.
Dona Marcolina apenas ouvia os resmungo de seu Joaquim.
- Joaquim! não fica aí quebrando a cabeça, chame meu sobrinho Iôzinho, ele é professor de máquina de escrever!
- Não é que você tem razão mulher, vou lá agora mesmo!!
Pôs o velho chapéu de massa, cor de palha, disfarçou o olho roxo com um óculos escuro e saiu porta afora, para ir até a outra esquina, onde ficava a casa de Iôzinho.
Em Correntina não se fechava a porta, fosse dia ou noite. Durante o dia a porta ficava totalmente aberta, o que fazia por vezes entrar um cachorro casa adentro. A noite, uma cadeira mantinha a mesma encostada madrugada afora, até que o último a chegar desse as voltas na fechadura e apagava a luz da sala.
- Oi de c asa é Quinca, tô entrando!
- Entra seu Quinca! (Respondeu a voz que vinha de dentro!)
- Cadê Iô , Maria ?
- Foi par a escola de Datilografia!
- Lú não está em casa?
- Tá no salão de costura trabalhando
- A Escol a ainda é na casa paroquial?
- É sim Seo Joaquim !
- Vou até lá, mas se não encontrá-lo, diga-lhe que comprei uma máquina de escrever e preciso da ajuda dele.
- Eu passo o recado... Está com algum problema no olho, Seo Joaquim?
- Ah! Sim! Imagine você! Não travei uma luta corporal com um bêbado metido a valente! O tal de Liozão! mas ele vai acertar contas com a lei, por agredir uma autoridade.
- O Senhor brigou com Liozão? (Alarmou-se Dinda!)
- É... É! só não levei o arisco em cana, por que escorreguei no
cimento liso... na distração ele acertou-me de surpresa e Como eu estava só...
- O Senhor estava só ? Agora entendo a razão de sua nomeação para delegado. O Sinhô é um homem de coragem!
- Ossos do ofício Maria ! são os riscos que corremos Posso bater, mas posso ser surpreendido e... ( pontou para o olho)
- Deus lhe proteja Delegado.
- Amém Maria, até mais vê!
O velho delegado não queria dar-se por vencido. Afinal não lhe cairia bem, como autoridade, saber que levou um soco de um bêbado e que tenha ficado por isso. No mais pegar o agressor era uma questão de sábado. O ex-delegado Jayme não quis levar seu caso adiante, mas Joaquim Marques Neiva não era homem de guardar desaforos.
Liozão porém tinha mais fama que maldade. Era assim por culpa da marvada cana. Quando sóbrio, era irreconhecível, pelo exemplar comportamento e respeito. Tinha pavor de prisão embora nunca tivesse sido preso, se desesperava só em pensar na possibilidade disso um dia vir acontecer. Os soldados prendiam muitos bêbados nos dias de sábado, bastava estar falando alto, era levado em cana para curar a cana.
Liozão se tornara reincidente e pegou fama de batedor de delegado o que fizera com que ele ficasse marcado pelo batalhão policial do município. Para piorar sua situação, tempos mais tarde, chega em Correntina um truculento sargento; não era questão de ser um cabra macho, mas um daqueles policiais que mal usa o poder de sua farda. Cabral assume a delegacia e declara Liozão um foragido da lei.
O novo sargento perseguiu o agricultor como se perseguisse um criminoso, até o dia em que circulou na cidade o boato de que Liozão havia morrido em um tiroteio com a Policia...
Enfim, Iôzinho chega em casa e recebe o recado do Delegado e imediatamente sai em companhia de Wilson de Cinza rumo a casa de Seo Quincas.
- Oi de casa! tô chegando Seo Joaquim!
- Entra Iô! chegou na horinha, Marcolina acaba de preparar um cafezinho com beiju e manteiga de garrafa!
- Que bom !
- Vamos entrando, vem vê a máquina que comprei, acho que tem alguma coisa errada: o papel fica torto, os acentos não ficam sobre as letras...!
- É bom fazer o curso Seo Joaquim!
Foram os três para o escritório onde estava a máquina de escrever, coberta por uma flanela branca. Iôzinho coloca o papel, faz uma demonstração de agilidade que arranca elogios do delegado e...
- Que maravilha! Será se um dia chego a isso!
- Chega sim sou Joaquim é só treinar! Animou-lhe Wilson.
- Esse Iôzinho é inteligente mesmo, não tem nada que esse homem não saiba fazer!
- Bondade sua Seo Joaquim. Pelo que vejo está tudo normal! Não encontrei nenhum problema!
- Não tem mesmo nenhum defeito?
- Não! está tudo bem?
- É igual as que você tem na sua escola?
- A minha preferida é uma igual a esta! O Senhor vai ter que fazer o curso de seis meses a um ano, quando ao final se forma em uma solenidade linda, vestindo na beca para receber o diploma. Se preferir fazer um curso particular em sua casa, podemos agendar as aulas.
- Vou fazer isso! Vou fazer, mas me tira uma dúvida IÔ, Como é que vou escrever COR - REN - TI -NA se ela só tem um RÊ ?
...
Mentira não foi, pois o delegado nunca se defendeu das pilherias pela cidade: - A máquina do Delegado Quincas . Alguma coisa de fato ocorreu naquele escritório, neste sentido. O que torna a nossa estória verídica.
Flamarion Costa