A REVOLTA
DACAMiSiNHA
Eu sempre quis saber a diferença entre boato e fofoca. Aí resolvi ir até o dicionário pesquisar e pude comprovar que era mais ou menos o que eu imaginava. Boato é o famoso zum-zum-zum. É aquela história que surge como um ruído e vai subindo, aumentando,vira rumor e pronto! Nasceu o boato. Um exemplo disso são as lendas urbanas.São histórias que alguém inventa para fazer polêmica e acabam conseguindo ir além da polêmica causando até mesmo o pânico. Já a fofoca, é algo que se é gerado a fim de denegrir algo ou alguém. Algo tipo um espírito de porco, geralmente uma tia invejosa ou uma avó frustada.
Certa vez, em um episódio de “Os Simpsons”, o personagem Moe, amigo do Homer, disse que fazer polêmica é um procedimento. Não disse para que, apenas que era um procedimento. Aquela frase ficou em minha cabeça. Achei que havia chegado a minha hora de fazer polêmica.
Em 2002, eu estudava em uma escola rígida. Uma escola de formação de professores, vulgos normalistas. Odiava esse apelido por ele ser mais feminino que masculino. Não gostavam quando diziam: “Nossa!Ele é normalista!”, ou “Que lindo! Ele é normalista!”. Enfim, o que interessa é que a escola era rígida e seria o palco perfeito para um bom início de boato.
Primeiro, na escola havia setenta por certo de alunos do sexo feminino. Segundo, o número de homens era muito inferior, e a lei da oferta e da procura passeava pela escola fazendo até os mais feios dos rapazes achar sua cara metade. Então, em uma escola de número maior de mulheres com certeza a fofoca iria rolar solta. Não que elas sejam fofoqueiras, mas as garotas, principalmente daquela escola tinham certo dom natural para espalhar boatos e, muito mais ainda para fazer fofocas.
Eu precisava de um ponto de partida. Como começar um boato? Como gerar polêmica? Eu fiquei dois dias querendo um estopim. Parece loucura, mas seria legal ter um zum-zum-zum na escola toda. Algo estarrecedor. Algo que fizesse nossa odiada diretora perder todos aqueles cabelos de sua vasta cabeleira de dois andares que às vezes era alvo de tiro de bolinhas de papel molhadas.
Foi então que um dia, a professora de biologia resolveu dar uma aula sobre gravidez na adolescência e sobre DSTs. Ali eu tive a epifania! Eu precisava apenas de um ou uma cúmplice. Mas achar alguém que quisesse assustar a diretora seria mais fácil do que gerar uma polêmica. Graças a Deus fui à pessoa certa: Marcela.
Marcela era uma garota muito divertida. Ela brincava com todo mundo, já havia ido parar na sala da diretora diversas vezes e, em uma dessas vezes injustamente detida com duas semanas de suspensão. Eu não andava muito com ela, mas um colega meu já havia saído com ela em uma festa da escola.
Encurtando as pontas. Eu fui até a marcela e expliquei tudo a ela. Disse que eu queria causar um estardalhaço naquela escola e que precisava de uma idéia. Na verdade, eu já havia tido a idéia. Contei a ela parte da minha e ela completou com parte da dela. No final, nossas mentes conseguiram dar origem ao crime perfeito.
Na semana seguinte, houve uma reunião com todos os alunos homens. Foi engraçado pois, digamos que apenas alguns tinham faltado no turno da manhã, todos os homens que estudavam na escola estavam dentro daquele auditório minúsculo nos fundos da escola. Sentados naquelas cadeiras com um estofado azul esbranquiçado, eu e meus amigos aguardávamos ansiosos à chegada da diretora.
E ela chegou.
Entrou no auditório pisando pesado. Entrou acompanhado pelo seu secretário bajulador que tinha jeito de professor pedófilo. Parou em cima do palco e respirou fundo como sempre fazia antes de qualquer anúncio. Não me lembro muito bem das palavras dela, mas sei que foram mais ou menos assim:
“Alunos, conversarei com vocês e depois com as meninas, mas digo que a situação é séria. Ontem na parte da tarde, logo após a saída de vocês, um preservativo usado foi encontrado no vestiário feminino.”
Nesse instante todos ficaram boquiabertos. Eu, inclusive.
“Nós estamos muito decepcionados com todos vocês, pois quem quer que tenha feito isso, desrespeitou os costumes morais da sociedade e de nossa escola.”
Nesse momento eu sorri. Uma mulher que usa um penteado que lembra a Vera Fisher em sua mais antiga Playboy, vem falar de moral? Meu Deus, foi só uma camisinha!
“Não sei se vamos encontrar os responsáveis por isso, mas se outra camisinha for encontrada, tomaremos medidas drásticas, incluindo câmeras nas portas dos vestiários em todos...os...andares.”
A diretora tinha uma mania feia de falar as frases mais impactantes em câmera-lenta. Acho que isso daria aquele tom dramático e conclusivo que ela tentava passar. Não deu certo. Um burburinho começou na sala.
Mais tarde o recreio, após todo mundo já estar ciente do assunto, não se falava em outra coisa. Muitos diziam estarem chocados. Outros riam e tentavam imaginar quem havia feito e como haviam feito, já que as serventes da escola andavam para cima e para baixo o dia inteiro.
Outros diziam até desconfiar de quem havia sido o casal. Alguns diziam até terem visto o ato sexual, mas que não podiam revelar por não serem dedos-duros. O engraçado é que, vejam só, a escola dava aula sobre o uso das camisinhas. No mínimo, além do esporro,claro, afinal fazer sexo na escola é meio que nojento e sem noção, era parabenizar, pois pelo menos os alunos estavam se precavendo de possíveis gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Mas não. A bronca foi maior. Vários alunos tentavam entender como alguém poderia ter transado na escola.
Eu estava rindo por dentro e Marcela também. Mais tarde, no mesmo dia, ela me ligou. Contou-me tudo. Contou que colocou cuspe dentro de uma camisinha nunca usada e soltou-a perto dos chuveiros. Ela ainda disse que um dos rapazes estagiários do professor de educação física seria ouvido pela diretora como suspeito, pois arrastava asas para as alunas.
Com o tempo, outras camisinhas foram aparecendo pela escola e cada vez mais o pessoal pouco ligava. Nós somos engraçados né? Adoramos uma história. Adoramos criar histórias para mexer com o povo. Talvez essa seja a graça de ser um escritor, ou sei lá um fofoqueiro. Imaginem só se realmente tivessem transado na escola. Nunca seriam descobertos. E o que começara como uma brincadeira se estendeu com um impacto impressionante.
Devo ter me sentido como quem criou as lendas da loira do banheiro, da mulher de branco, da seringa contaminada nas poltronas do cinema.
Finalmente eu conseguira causar polêmica. Finalmente eu conseguira criar um boato. E nem precisei fazer fofoca para isso. Segui apenas o procedimento.
DACAMiSiNHA
Eu sempre quis saber a diferença entre boato e fofoca. Aí resolvi ir até o dicionário pesquisar e pude comprovar que era mais ou menos o que eu imaginava. Boato é o famoso zum-zum-zum. É aquela história que surge como um ruído e vai subindo, aumentando,vira rumor e pronto! Nasceu o boato. Um exemplo disso são as lendas urbanas.São histórias que alguém inventa para fazer polêmica e acabam conseguindo ir além da polêmica causando até mesmo o pânico. Já a fofoca, é algo que se é gerado a fim de denegrir algo ou alguém. Algo tipo um espírito de porco, geralmente uma tia invejosa ou uma avó frustada.
Certa vez, em um episódio de “Os Simpsons”, o personagem Moe, amigo do Homer, disse que fazer polêmica é um procedimento. Não disse para que, apenas que era um procedimento. Aquela frase ficou em minha cabeça. Achei que havia chegado a minha hora de fazer polêmica.
Em 2002, eu estudava em uma escola rígida. Uma escola de formação de professores, vulgos normalistas. Odiava esse apelido por ele ser mais feminino que masculino. Não gostavam quando diziam: “Nossa!Ele é normalista!”, ou “Que lindo! Ele é normalista!”. Enfim, o que interessa é que a escola era rígida e seria o palco perfeito para um bom início de boato.
Primeiro, na escola havia setenta por certo de alunos do sexo feminino. Segundo, o número de homens era muito inferior, e a lei da oferta e da procura passeava pela escola fazendo até os mais feios dos rapazes achar sua cara metade. Então, em uma escola de número maior de mulheres com certeza a fofoca iria rolar solta. Não que elas sejam fofoqueiras, mas as garotas, principalmente daquela escola tinham certo dom natural para espalhar boatos e, muito mais ainda para fazer fofocas.
Eu precisava de um ponto de partida. Como começar um boato? Como gerar polêmica? Eu fiquei dois dias querendo um estopim. Parece loucura, mas seria legal ter um zum-zum-zum na escola toda. Algo estarrecedor. Algo que fizesse nossa odiada diretora perder todos aqueles cabelos de sua vasta cabeleira de dois andares que às vezes era alvo de tiro de bolinhas de papel molhadas.
Foi então que um dia, a professora de biologia resolveu dar uma aula sobre gravidez na adolescência e sobre DSTs. Ali eu tive a epifania! Eu precisava apenas de um ou uma cúmplice. Mas achar alguém que quisesse assustar a diretora seria mais fácil do que gerar uma polêmica. Graças a Deus fui à pessoa certa: Marcela.
Marcela era uma garota muito divertida. Ela brincava com todo mundo, já havia ido parar na sala da diretora diversas vezes e, em uma dessas vezes injustamente detida com duas semanas de suspensão. Eu não andava muito com ela, mas um colega meu já havia saído com ela em uma festa da escola.
Encurtando as pontas. Eu fui até a marcela e expliquei tudo a ela. Disse que eu queria causar um estardalhaço naquela escola e que precisava de uma idéia. Na verdade, eu já havia tido a idéia. Contei a ela parte da minha e ela completou com parte da dela. No final, nossas mentes conseguiram dar origem ao crime perfeito.
Na semana seguinte, houve uma reunião com todos os alunos homens. Foi engraçado pois, digamos que apenas alguns tinham faltado no turno da manhã, todos os homens que estudavam na escola estavam dentro daquele auditório minúsculo nos fundos da escola. Sentados naquelas cadeiras com um estofado azul esbranquiçado, eu e meus amigos aguardávamos ansiosos à chegada da diretora.
E ela chegou.
Entrou no auditório pisando pesado. Entrou acompanhado pelo seu secretário bajulador que tinha jeito de professor pedófilo. Parou em cima do palco e respirou fundo como sempre fazia antes de qualquer anúncio. Não me lembro muito bem das palavras dela, mas sei que foram mais ou menos assim:
“Alunos, conversarei com vocês e depois com as meninas, mas digo que a situação é séria. Ontem na parte da tarde, logo após a saída de vocês, um preservativo usado foi encontrado no vestiário feminino.”
Nesse instante todos ficaram boquiabertos. Eu, inclusive.
“Nós estamos muito decepcionados com todos vocês, pois quem quer que tenha feito isso, desrespeitou os costumes morais da sociedade e de nossa escola.”
Nesse momento eu sorri. Uma mulher que usa um penteado que lembra a Vera Fisher em sua mais antiga Playboy, vem falar de moral? Meu Deus, foi só uma camisinha!
“Não sei se vamos encontrar os responsáveis por isso, mas se outra camisinha for encontrada, tomaremos medidas drásticas, incluindo câmeras nas portas dos vestiários em todos...os...andares.”
A diretora tinha uma mania feia de falar as frases mais impactantes em câmera-lenta. Acho que isso daria aquele tom dramático e conclusivo que ela tentava passar. Não deu certo. Um burburinho começou na sala.
Mais tarde o recreio, após todo mundo já estar ciente do assunto, não se falava em outra coisa. Muitos diziam estarem chocados. Outros riam e tentavam imaginar quem havia feito e como haviam feito, já que as serventes da escola andavam para cima e para baixo o dia inteiro.
Outros diziam até desconfiar de quem havia sido o casal. Alguns diziam até terem visto o ato sexual, mas que não podiam revelar por não serem dedos-duros. O engraçado é que, vejam só, a escola dava aula sobre o uso das camisinhas. No mínimo, além do esporro,claro, afinal fazer sexo na escola é meio que nojento e sem noção, era parabenizar, pois pelo menos os alunos estavam se precavendo de possíveis gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Mas não. A bronca foi maior. Vários alunos tentavam entender como alguém poderia ter transado na escola.
Eu estava rindo por dentro e Marcela também. Mais tarde, no mesmo dia, ela me ligou. Contou-me tudo. Contou que colocou cuspe dentro de uma camisinha nunca usada e soltou-a perto dos chuveiros. Ela ainda disse que um dos rapazes estagiários do professor de educação física seria ouvido pela diretora como suspeito, pois arrastava asas para as alunas.
Com o tempo, outras camisinhas foram aparecendo pela escola e cada vez mais o pessoal pouco ligava. Nós somos engraçados né? Adoramos uma história. Adoramos criar histórias para mexer com o povo. Talvez essa seja a graça de ser um escritor, ou sei lá um fofoqueiro. Imaginem só se realmente tivessem transado na escola. Nunca seriam descobertos. E o que começara como uma brincadeira se estendeu com um impacto impressionante.
Devo ter me sentido como quem criou as lendas da loira do banheiro, da mulher de branco, da seringa contaminada nas poltronas do cinema.
Finalmente eu conseguira causar polêmica. Finalmente eu conseguira criar um boato. E nem precisei fazer fofoca para isso. Segui apenas o procedimento.