Viagem infernal...
Viagem infernal...
Poet ha Abilio Machado.
“O sonho pela riqueza fácil levou um homem a aprender que não se deve embarcar em qualquer aventura... Assim era Sinhô, um aventureiro, sobrevivia com pequenos biscates, mas sempre que sabia ou desconfiava de algum local, que lá poderia ter alguma panela de ouro, abandonava o trabalho e ficava dias cavando. Voltava para casa sempre alimentando seu sonho...”
E naquela tarde resolveu parar no boteco, dar um dedo de prosa e limpar a garganta. Assim ouviu uma conversa que o deixou esperançoso.
__É como eu to dizendo a vóis mecê. Ele encontrou foi um punhado de patacão, tudo de ouro, ali no barrancão, pertinho da plantação de feijão.
A sua noite foi de completa arrumação e planejamento, e ao dormir seu sonho foi recheado de brilhantes moedas. Mesmo antes de o sol nascer Sinhô já estava no local cavando seu el dourado, nada encontrando no momento resolveu alternar suas procuras com o horário de trabalho, e quase todas as tardes retornava ao plantio, cavando e revirando pedras e barrancos.
Logo o desânimo tomou conta e sabendo-se sozinho gritou:
__Já me chamam um louco, se for preciso, venderei minha alma pra ficar rico!
A noite cai sem que perceba, um ronco ensurdecedor arranca-o de seus afazeres. O velho estranhou, pois a rodovia BR-277 restava muito ainda a fazer para ser usada. Ainda assim, não se assustou com o enorme caminhão que parou ao seu lado. Foi ter com o motorista:
__Perdido moço?
__Não meu velho. Meu patrão manda-lhe um convite para que venha até sua casa. Hoje já estou cheio de convidados, mas na próxima sexta-feira, esteja aqui neste lugar e não conte sobre este convite a ninguém.
Então como surgiu ele desapareceu na escuridão. Logo depois apareceu uma pequena cachorrinha, toda branca, Sinhô deu-lhe o que restou de comida e o animal adotou-o e começou então a seguí-lo por onde fosse. A semana estava passando, os amigos de boteco estranharam as atitudes do velho, que quase não era visto escavando, e aonde ia divertia-se com as brincadeiras da pequena cachorrinha.
Finalmente chegou o grande dia, na sua ansiedade não percebeu que aquela sexta era dia treze, sem lua. Ao entardecer chegou e ficou aguardando o tal caminhão. As horas passavam quando ouviu o ronco estrondoso, olhou em seu relógio de bolso que marcava serem dez minutos para o meio da noite, zero hora, o horário do nada.
A pequena mascote de sinhô desaparecera como por encanto, ele embarcou, viu que havia outras pessoas, não reconheceu nenhuma, ninguém falava, nem mesmo quando tentava uma aproximação, puxar assunto, apenas um cheiro inebriante de enxofre, tentou uma olhada pela janela e só se via escuridão e alguns lampejos de tempestades e luzes avermelhadas no horizonte. Era um sobe e desce e horas que pareciam intermináveis e repentinamente parou. E todos foram convidados a saírem...
Frente a um grande portão, um homem atarracado organizava filas e todos seguiam os seus mandos formando algumas pequenas comitivas de pessoas seguindo alguém, quando veio-lhe a vez o homem falou:
__Este é nosso convite especial, siga por este portão!
Um pouco amedrontado acompanhou o seu guia, logo se viu diante de uma mansão, a qual estava em festa, risos, música e algazarra. Foi de pronto levado ao seu interior, uma sala grande revestida de ouro e pedras, as cortinas doíam-lhe os olhos de tanto que brilhavam, um homem bem trajado parecia ser o anfitrião e sorrindo lhe dirigiu a palavra:
__Aproxime-se sim?! Ainda lhe resta uma dúvida quanto ao seu pedido e `a sua oferta?
__Não, não senhor. – Respondeu-lhe sinhô.
__Então meu caro ali está... Acredito que é suficiente para que aproveite seus últimos dias em pleno conforto e se acaso estiver se esvaziando é só lhe cantar na bpca da botija as palavras que ensinarei, basta apenas agora assinar um contrato comigo e sua alma será minha, virá para mim assim que sua vida findar. Dê-me aqui sua mão esquerda, a que corre o sangue do coração.
Sinhô via diante de si, sobre uma mesa de cristal uma botija repleta de moedas de ouro e jóias. E o outro num movimento rápido lhe segurou o braço e agarrou com força e suavidade com dedos delicados, macios e frios. Com extrema precisão cortou a ponta do dedo mínimo de Sinhô.
__Agora assine, não pode mais recuar, pense só nas riquezas que vai possuir, e antes de ir ainda vai festar comigo e com algumas moças lindas e digamos quase virgens... – falava agora com mais firmeza, a voz não era rude, mas mais firme e desafiadora.
Em silêncio Sinhô pediu socorro: Senhor meu Deus perdoa-me!
Em seguida o latido se fez ouvir, a cachorrinha branca vinha ao seu encontro, meio trêmulo o velho acolheu o animal que lhe fazia festas, lambia e latia. Neste momento viu a verdadeira face de seu anfitrião que irado esbravejou:
__Insolente! Como ousou trazer para meus domínios um anjo? Um anjo escondido aqui?!
O homem perdeu sua elegância, não era mais o mesmo. Sua face tornara-se rude, de sua fronte brotou um enorme par de chifres, a mesa deu lugar a um poço incandescente de onde se ouviam gritos e lamentos, as paredes queimavam.
__Vá embora daqui... Leve esse ser luzente carregado de agradecimento e amor daqui, agora! – Bradou que se fez ecoar. - E vê lá velhote que até seu fim não tome meu nome de novo, pois da próxima talvez não conte com uma ajuda de tamanho poder e proteção. – Sua voz soava como a um trovão e seus cascos estrondavam no chão.
Em sua saída Sinhô sondou a casa que antes estava em festa, agora tudo ardia em chamas e no lugar de músicas e risos, eram agora ouvidos gritos desesperados, lamentos e pedidos de socorro... Instantes depois o velho encontrava-se sentado numa grande pedra à beira da rodovia 277. Olhou ao relógio que marcava sete minutos depois da meia noite, da zero hora, o horário do nada havia passado. O tremor ainda se fazia presente e num gesto de emoção abraçou forte a cachorrinha e foi para casa, com parte de sua roupa chamuscada pelo fogo.
No outro dia chegou a contar o que tinha lhe acontecido, ninguém lhe acreditou...
Porém não podiam explicar a falta da ponta de seu dedo mínimo em sua mão esquerda...
É amigo leitor cuidado com o que pede, pois quem sabe seu pedido não será atendido, numa noite dessas qualquer, numa destas ruas escuras e cheias de cantos escuros... Ehim?!
(Publicado pela primeira vez no Jornal Campo Cultural ano II nº. 04, coluna Folclore de Nossa Terra, pg. 02, fevereiro de 1997).