O Caso de Dona Faustina e do Seu Aristides
A realidade, como sempre, suplanta a ficção – Joseph Conrad
Estavam os dois ali muito calados e abatidos: de um lado a reclamante e do outro o reclamado. Aparentavam estar um tanto entristecidos e constrangidos por se encontrarem um diante do outro naquela penosa situação.
O homem e a mulher permaneciam de olhos baixos e fixos sobre o tampo escuro da mesa, num silêncio deveras singular. Nunca em seus anos de trabalho, vira o juiz um caso semelhante: aquelas duas pessoas que se encontravam na sua frente assentadas em suas respectivas cadeiras pareciam estar realmente muito incomodadas por se verem obrigadas a trazer um problema que supostamente lhes era comum e pessoal àquela instância trabalhista.
Curioso, o juiz questionou as partes sobre o que de fato estava acontecendo ali. O reclamado imediatamente ergueu o rosto cabisbaixo e suspirou:
- Bem, senhor juiz, acabei de oferecer à reclamante a reintegração ao emprego, mas parece que ela não quer mesmo voltar...
- É isso mesmo, dona Faustina?!
- Bom, começou a mulher...
- Mas eu já disse a ela, doutor – antecipou-se o reclamado antes mesmo que a mulher houvesse tido tempo de expressar qualquer pensamento – eu já lhe disse, dona Faustina, que assino a sua Carteira de Trabalho, acerto os salários atrasados e tento um acordo no INSS para colocar em dia o seu carnê previdenciário...
- É um caso para se pensar, dona Faustina, volveu o juiz. Essa me parece ser uma boa proposta, desde que a senhora efetivamente concorde com ela. Há de fato que se pagar os valores em atraso referentes às mensalidades da Seguridade Social de todo o período em que a senhora esteve trabalhando para o senhor Aristides! Quanto ao restante da dívida - ao valor propriamente dito e devido à reclamante - fica a cargo das partes e de seus respectivos procuradores combinarem a melhor forma de pagamento. O que a senhora pensa da proposta, dona Faustina?
O reclamado Aristides olhou imediatamente para a reclamante com uns olhinhos de menino que acabara de se lambuzar em doce e meneou a cabeça para frente e para trás como a reafirmar tudo o que o meritíssimo acabara de dizer.
- A princípio acho que está tudo muito bem - disse finalmente a dona Faustina, ainda que o tom da sua voz continuasse a testemunhar alguma relutância e resistência. Se for da maneira como o meritíssimo está dizendo, eu aceito sim, volto a trabalhar na casa do seu Aristides. Mas tem uma coisa - continuou ela ainda muito envergonhada e mantendo a voz num tom bastante baixo, quase inaudível mesmo - gostaria que o senhor juiz fizesse a gentileza de constar em ata que eu não sou mais obrigada a me deitar em dia nenhum com o senhor Aristides, seja durante a semana ou nos finais dela! Se isso ficar claro e bem resolvido entre nós, eu aceito a proposta sim senhor!
Agora fora a vez do juiz balançar a sua cabeça de um lado para o outro e olhar pensativo para o rosto de cada uma das pessoas que se encontravam naquela sala.
Em seguida fechou ele os olhos e se distraiu por um lapso de segundo deixando boiar na sua mente um divertido pensamento que lhe surgira do nada: imaginava se seria possível que alguém pudesse calcular mentalmente a quantidade de acordos que haviam regressado diretamente ao ponto de partida antes mesmo que houvessem tido o tempo ou a chance de verem a luz do Sol...