UM COMEDOR DE BARATAS
Com toda fé de verdade, você, aí, que me está a soletrar, neste instante, vai sentir asco. Nojo. Você – este é um fato lamentável, sinto muito – vai sentir nojo ao longo do causo que lhe passo a debulhar agora.
Antes, porém, uma boa dúvida: algum dia você já saboreou algo exótico, ou estapafúrdio, assim dos tipos da jia, rã, cassaco, escargô, formiga tanajura? Ou, por outra, gato de mato, guaxinim, albacora, punaré? Enganado por um safardana – que a Providência de Cima o tenha – euzinho, aqui, não nego. Já comi gato do mato, o tal gato maracajá. Eca, que repugnância!... Mas a carne do bicho parecia bode.
Não é peta de debulhador de causos, não. Eu vi, por diversas vezes, no patamar do balcão de meu pai, um homem descascar e deglutir baratas. Ele as trazia, no bolso da camisa, embrulhadinhas em papel. Sim, o De Deus mastigava e deglutia uma inteira barata descascada.
João de Deus, este o nome do camarada comedor de baratas. Alcoólatra, o cristão de Deus. Embora nunca o tenha visto inteiramente chumbado, justiça seja dita, também nunca o vi em sã consciência. De Deus era, na diária, chegado a umas pingas doidas.
O rapaz vinha de classe média. E não era de todo um tipinho de as moças o botarem na lata do lixo. Até de olhos esverdeados, aloirado, o sujeito. Também não passava por precisão. De jeito maneira. Tinha pai que era metido a sebo.
Mas por que diacho o De Deus fazia aquela doideira de passar baratas para dentro? Minha teoria é a de que a sinhazinha, vale dizer, a abrideira, no curso de seu uso e abuso, cotidianamente, zera o bom-senso de qualquer um. E De Deus não só tomava água-que-passarinho-não-bebe; ele a comia com farinha. Corrijo meu dizer em falso: ingeria a branquinha, às pampas, e tirando o gosto com barata. No entanto, não era assim de qualquer modo. Havia uma técnica e um ritual para o gajo tirar o gosto com “cucaracha”.
O nosso herói depenava a bicha, ela ficava branquinha da silva. Em um depois, engolia apenas o miolo. Ou seja, aquela parte carnuda e esbranquiçada do inseto. A polpa da infeliz, vamos assim dizer. Sacando a capa da desventurada, as perninhas serviam de garfo. Assim, pluft, ele metia a porcaria para o bucho. Isto, claro, após a ingestão do mata-bicho.
Tendo-se por conta que o De Deus nunca ficava às quedas, de tão tosquiado de cana que andava sempre, que era filho nativo da classe média – ora, o pai tinha haveres e uma das mais arrumadas casas do bairro –; também se levando em débito que o João até possuía umas letras e era boa peça, sem entradas no distrito, conclui-se por duas, uma: ou o moço saiu de forma com o estômago de avestruz, então não batia bem da bola.
Hipótese – esta última – refutável, totalmente descartada. Porque, pelo que eu soube, tempos atrás, o cara felizmente mudou de vida. Vive, hoje, na maior boa. Só não sei se casado, amancebado ou ainda titio. Mas com farelos de bens e haveres. É... Só pode ter sido isto: o De Deus, decididamente, veio de fábrica com as vísceras do avestruz.
Fort., 06/06/2009.
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PESSOALMENTE PENSO QUE A CAROL BRITO INVENTOU OS BEM-HUMORADOS VERSOS QUE SEGUEM.
ELA DIZ QUE OUVIU DE UMA AMIGA.
MAS QUE MEMÓRIA, A DA CAROL, HEIN, RSSS?!
VC É A CRIADORA DA CANÇÃO, EU ACHO ISSO, RSSS!!!
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<Me lembrou uma musiquinha que ouvi, outro dia, uma amiga cantar:
Ninguém me ama
Ninguém me quer
Por isso eu vou
Comer barata
Barata frita
Barata assada
Sooooopa de barata
Tira a perninha
Arranque a casquinha
Joooooga o resto fora!"
Rsrrs Parabéns por seu talento para a escrita! Adoro ler seus textos! Abraços! >
Enviado por Carol Brito em 07/06/2009 15:29
para o texto: UM COMEDOR DE BARATAS (T1635596)