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A COLA

VÍRGULA: 4

Devido ao atraso do dia, ou seja, os ponteiros daquela casa não estavam empatando com os da natureza, embora todos estivessem envolvidos no último acontecimento da família, somente Gema de Lima, não participava dos "tititis" já comuns a eles. A sua responsabilidade além de cuidar o bebê Leo de Lima, ocupava-se a arrumar a casa, coisa que ela fazia com muito capricho e gosto, muito embora a sua idade pouco ultrapassava os dez anos. A casa era modesta, mas tudo estava limpo e arrumado, a cozinha com seu piso em vermelhão encerado, reluzia como se por ali fosse desfilar a felicidade. Na sua inocência a desabrochar, não percebera ainda como era invejada, não só pelas colegas e vizinhas, como

também pelas suas irmãs "falam-juntas", dupla que vivia atazanando a sua existência. Todos estavam na cozinha, Dona Das Dores entra com um ar pesado e uma cara como se o mundo estivesse pelo avesso.

- Vem cá menina, explica para a mamãe essa estória de cola viu, me explica direitinho, quero saber de tudo tudo, tudinho. Senta aqui e comece a falar. Não minta. Eu sei que é mentira, pois ontem mesmo você me deu o ponto, falou tudo direitinho, não esqueceu de nada, como é que foi colar?...

Dentro de seu vestido de pano barato, é certo não se tratar de gente abastada, tinha a tez rosada, emoldurava-lhe o rosto lindo, uma cabeleira negra e lisa, realçando com o azul e branco da sua roupa. Os lábios finos e delicados, como se tivesse a cor de uma romã de vez, estavam muito bem postos, abaixo de um nariz fino e alongado, sob dois olhos lindos, como se fossem duas avelãs aveludadas. Trêmula mais pela circunstância do momento, do que pela repreensão de seu ato condenável por todos, consciente estava que fizera algo errado, mas também porque sabia principalmente aquele ponto de cor e salteado, não só aquele, mas todos os outros que a sua classe havia estudado. Após alguns minutos de completo mutismo. Entreabriu os lábios e falou:

-Eu não colei.

-Mentirosa, berrou dona Das Dores com uma ira imensa, a filha assustada correu para o quintal, e a mãe descontrolada, correu atrás com uma vassoura nas mãos para lhe bater. Do quintal ela passou pelo cercado onde o pai ferrava eqüinos, uma das suas fontes de renda, indo esconder-se rápido na casa de uma vizinha. Conseguiu chegar na casa de sua amiga Eny, balzaquiana, sua confidente, apesar da diferença de idade, elas se davam muito bem. Não contou o que havia acontecido de imediato, notando que seria servido o almoço naquele momento. Aceitou o convite, após lavar as mãos, sentou-se a mesa. A carne picadinha afogada com pimenta cumarí amarelinha, salpicada com pimenta do reino, sal, cheiro verde e salsa verdinhas , colhidos no jirau bem no fundo da casa; o feijão roxo fumegante e aquele arroz branco, cozidinho e solto, verdadeiros atrativos da cozinha do interior. Após o almoço a sobremesa, doce de figo descascado a mão com gilete e o queijo fresco, completavam a refeição.

Dirigiram-se para o quarto da anfitriã, onde ela contou tudinho o que lhe acontecera. A amiga ficou pensativa por alguns minutos e falou:

- Vamos dar uma durmidinha, depois veremos o que fazer.

Lá pelas 15:00 horas, recompostas pela sesta, Eny resolve ir até a casa dos de Lima, para ver se as coisas já haviam acalmado, é claro deixando a sua amiga em seu quarto aguardando as novidades. Lá chegando, anexo a sala de visitas estava em sua oficina de sapateiro o Sr. Onofre, polia tranqüilo um par de "buziguins" preto, tão requisitados pelos consumidores. Ao vê-la entrado, parou o que fazia, levantou do seu velho tamborete, indo ao seu encontro na soleira da porta.

-Boa tarde moça...

-Boa tarde...

-O que você deseja? A Gema não está!...

-Eu sei, a Dona Das Dores está mais calma?

-Não, ela está querendo bater na Gema.

-Tudo bem, se ela quiser conversar com calma é só me avisar. Não se preocupe, sua filha está bem.

-Eu sei.

-Agora é bom que na hora que ela quiser conversar com a filha, que estejam presentes também o Dr. Dione e a Margarida, a fim de que o clima seja ameno. É só me avisar. Até logo.

-Até.

Ao ver a moça dobrando a esquina, fica meditando nas qualidades da filha, que ele muito embora rude, sabia de todas elas; e mais agora que eles tinham um segredo em comum. Terminou o serviço de polimento nos calçados e foi no quarto ainda fedido e escuro onde estava a sua mulher, chorando. Ao passar pela cozinha, notou tudo desarrumado, vasilhas do almoço sujas, pó de café e açúcar derramados pelo chão, no quarto das meninas sempre arrumadinho pela Gema, cobertas e cobertores pelo chão, como se fossem ali colocados de propósito, bem como a sujeira da cozinha, o neném sujo e por lavar, a De Fátima sardenta, brincando no chão. As outras duas tinham saído a fim de se inteirarem de mais alguma fofoca do enterro ou outra qualquer.

Pela boca da noite, já em sua casa as pessoas que a moça citara, pediu que as "falam-juntas" fossem chamar a Eny. Não demorou muito, reunidos então, atenciosos no que Gema de Lima falaria.

- Bem, todos estavam ainda fazendo a prova e eu já havia terminado a minha, ia até entrega-la, resolvi então dar mais uma lida percebi que faltava uma vírgula, fiquei em duvida se era ela antes do 21 de abril ou depois do 1.500, tive então a idéia de olhar no livro para ver em que lugar ficava, ao puxar o livro, nem havia o aberto, quando o Moredson gritou: - A Gema de Lima está colando, e eu não estava colando só queria colocar no lugar certo, a vírgula.

GOIÂNIA, 02 DE OUTUBRO DE 2008.

jurinha caldas
Enviado por jurinha caldas em 01/06/2009
Código do texto: T1626098
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