PEDRO E JOÃO

O encontro dos dois aconteceu numa loja de sapatos, localizada no badalado Shopping Praia de Belas, no centro de Porto Alegre. Fazia tempo em que Pedro e João não se viam. Pra ser exato, desde a época em que terminaram o pré-vestibular.

Estavam eles sentados de costas, esperando o vendedor trazer os sapatos, quando se reconheceram nos espelhos. Deram um pulo e saíram correndo um ao encontro do outro. Estalaram as mãos naquele toque jovial que ecoou dentro da loja como se fosse uma bombinha de festa junina. Abraçaram-se. Foi aquela alegria.

- Que tem feito todos esses anos, rapaz? – quis saber Pedro.

Trabalhei numa fábrica de calçados em Novo Hamburgo, que fechou aqui e foi para outro estado. A crise agora está sendo alimentada pela isenção do ICMS. A firma fecha num estado e abre em outro onde tem a isenção.

- Aconteceu contigo! – completou Pedro consternado.

- Aconteceu! E veja que ironia, tô nesta loja comprando sapato que eu mesmo fabricava. Mas deixa pra lá! E tu, que tem feito?

- Trabalhando na recepção de um hotel.

- Porteiro, meu? – brincou João.

- Recepcionista! – corrigiu Pedro sorrindo – mas tô batalhando uma bolsa para Engenharia Mecânica, me preparando, aprendendo alemão...

João se animou:

- Cara, tu tá com tudo! Isto dá dinheiro, meu! Oh, tenho uma prima que vive na cartomante. Ler mão dá dinheiro, rapaz!

Pedro não riu do fora do colega. Seus olhos acompanharam ligeiramente uma guria lourinha de tranças que circulava displicentemente pela loja, em meio às nuances do entardecer que penetra no recinto e ao colorido artificial das vitrines, o que tornava a sua imagem, multiplicada nos espelhos, infinitamente angelical.

João cutucou o amigo.

- Não perdeu a mania de paquerar, hein? Mas voltando àquele assunto, tu vai faturar horrores* com esse negócio de lê mão.

Nisso a lourinha, de saia longa e esvoaçante, viu os dois e sorriu discretamente, mas logo os seus olhos azuis voltaram a passear pelas vitrines. Pedro foi ao seu encontro. João correu atrás, puxando a camisa do amigo.

- Tu vai se dar bem com ela, hein? Tô sabendo!

Pedro sorriu, abraçou a guria por trás. João, ao lado dele, cochichou, disfarçando para não ser visto no espelho.

- Cara, ficou doido? Como vai abraçando assim a guria? Tu nem conhece ela.

- Não esquenta, amigo. Não disse pra ti que estou aprendendo alemão? Aqui está a minha sala de aula. Esta é Thresse, a minha namorada.

P.S. –

O que eu disse no conto NICOLLETA e em JOÃO GOGÓ, nem preciso dizer aqui: este também foi escrito em Porto Alegre.