DONA VACA MOCOCA
Começo por me confessar um ferrenho avesso aos apelidos. Nem precisam ser jocosos. Faço pé-atrás com qualquer um deles. E, em assim sendo, agora mesmo levanto contra todos eles a minha bandeira de guerra.
O diacho é que, pensando bem e recontando os meus bois do curral, só me deparei, no caminho, com gente que portou codinomes a vida inteira. E apelidos perversos, alguns deles. Coitados dos meus heróis populares!
Decididamente, se – com licença da má palavra – eu fosse um lalau, não aceitaria que me botassem qualquer alcunha. Iria às barras do Supremo. Protestaria feio. Faria greve de fome. Até iria, por aí, feito um aluado, pelas ruas. Em passeata, navegaria por entre o trânsito, sozinho, bocó da vida.
Ora, pois então, vejam aqui: ‘Mão-Santa’. Que absurdo! Logo um senador da nossa democrática e idolatrada Nova República. Nada contra o homem, ‘data venia’, Deus me livre. Apesar de todo o mundo achar que aquele um fala pelos cotovelos.
Embora em pauta todos esses arrazoados, todos os meus nhenhenhéns de que um ledor do Alencar é acometido, passo a bola da vez à peituda senhora cuja alcunha nunca me saiu da cachola. Estou falando da Vaca Mococa, dona de uns úberes admiráveis, que bebia cachaça de homem para homem, lá no tabuleiro de balcão do comércio de meu pai.
No Monte Castelo – não o da Itália, o de Fortaleza – havia a secretária doméstica mais peituda do bairro. Por tal atributo da moça, o Orlando – que Deus o tenha, pois já se foi – botou esse apelido na mulher: Vaca Mococa. Acho que foi o Orlando quem a batizou assim, que ele era quem timbrava, de primeira mão, meio mundo e meio de pessoas por apelidos safados.
Dona Mococa apontava, lá na esquina, mais que depressa o Orlando de Seu Manuelzão fazia seresta, na maior cara-de-pau, às alturas, à moda de Orlando Silva: “A vaquinha Mococa está mugindo: – Mooonnn!...”
Era assim a vinheta do comercial do leite. Mococa, branquinha e avermelhada, baixota e até bem-apessoada, sem enfado algum na cara, nem se importava com as pulhas. Era empregada de gente-bem, para que iria ficar enfezada? Mas a ralé da rua já detonava a maior gaitada.
O epíteto pejorativo da doméstica foi extraído de um reclame comercial, amplamente divulgador, pelo rádio, de uma marca de leite. Nem sei se ainda há este leite em pó. No rótulo da lata, uma vaquinha holandesa, assim meio baé, mas pensem no volume das bolas torácicas! E num tempo em que nem se falava dessas joças carnudas de silicone que as moças da tevê injetam nos peitos.
A Vaca Mococa alisava os móveis da casa de Seu Leitão, um bom homem servidor da humanidade toda, porquanto enfermeiro bom, diligente e concorrido. E era só aquele um chamá-lo pelo fio, Seu Leitão já batia à porta do freguês enfermo para aplicar a devida ‘pica’. Isto em Portugal, porque aqui, entre nós, ainda é injeção mesmo.
Verdade seja dita. Dona Mococa, mesmo no ativo exercício do fogão, ia com frequência às quitadas do Monte Castelo e lavava a égua, tomando lapadas de pinga, bem avantajadas. Seu lado bom, no entanto, era que nunca alguém a via aporrinhada com ninguém. Ela até exibia riso largo e bonito na cara, quando percebia o zé-povo assanhado para os seus apetrechos peitorais. Sabia ela que a negrada fazia aquela festa toda era porque, sendo do jeito que Deus a construiu, tinha ela competência e muita fartura na ala do para-brisa.
Fort., 28/05/2009.