A benzedeira

Fevereiro de 1959. Há mais de um mês que a menina vinha apresentando aquele quadro de enfermidade contínuo, sem que os médicos conseguissem encontrar a cura para o seu mal. Febre de quase 40º, vômitos constantes e diarréia. Aquilo já não era mais um ser humano. Assemelhava-se mais a um cadáver, que qualquer outra coisa. Ela tinha apenas quatro aninhos e na época a medicina não tinha tantos recursos como nos dias de hoje.

As famílias, em sua maioria, quase sem condições alguma de consultar-se com um médico particular, que era algo comum entre as famílias abastardas da época, tinham como alternativa apenas os Sanatórinhos.

Dona Benedita levava a criança quase toda a semana para passar pelos médicos e nada dela melhorar. Já haviam feito vários exames e não conseguiam diagnosticar o mal que dizimava lentamente a pobre criança.

Depois de mais de um mês nesse vai e vem constante, sem conseguir resultado algum, um dos médicos entregou uma guia a Dona Benedita encaminhando a menina até a Santa Casa de Misericórdia.

----Olha Dona Benedita; o que nós podíamos ter feito, nós fizemos. O caso está fugindo ao nosso controle. É melhor a senhora levar a menina até a Santa Casa. Eles possuem mais recursos que nós.

A situação realmente agravava-se dia a dia. Dona Benedita já não tinha nem mais coragem de banhar a menina. Quem fazia isso era Dona Sebastiana, sua irmã, tia da pequena Maria Izabel.

----Parece um esqueleto. Não tenho mais coragem de vê-la sem as suas roupinhas. Ela vai morrer a qualquer instante. --Dizia, aos prantos, Dona Benedita.

Na sexta-feira, ela e o sogro levaram a menina até a Santa Casa. Após um exame superficial, um dos médicos entregou-lhe outra guia e pediu para que retornassem na segunda para passarem por um especialista, e já avisou que a menina talvez ficasse no isolamento, pois o caso dela parecia ser grave. Estava com jeito de ser alguma doença contagiosa.

Voltou para casa completamente arrasada. Um descaso sem proporções por parte dos médicos. A menina as portas da morte, e ao invés de a internarem imediatamente, pediram para que voltassem na segunda, pois não havia um especialista competente para que autorizasse a sua internação.

Seu coração de mãe parecia dizer-lhe que a menina não suportaria. Quase não havia mais vida naquele pequeno corpo, mirrado e esquelético.

Dona Edwirgen, que morava em frente, viu quando Dona Benedita chegou com aquele quase nada embrulhado em um cobertor e, chorando copiosamente, entrou em casa.

Depois de alguns minutos Dona Edwirgwen apareceu na porta daquela humilde moradia e cumprimentou a Dona Benedita.

----O que os médicos disseram? --Perguntou ela.

----O caso dela é grave! Mandaram a gente voltar na segunda e já me avisaram que ela vai ficar no isolamento!

----Mas porque já não internaram a menina hoje mesmo? --Indagou Dona Edwirgen.

----É que não havia um especialista para assinar a internação.

----Ué, primeiro vão esperar a menina morrer pra depois internar ela?!!!

----E o pior é que o meu coração parece dizer-me que ela não vai agüentar até segunda-feira. --Disse Dona Benedita, apoiando a cabeça sobre os joelhos tentando abafar o choro.

Dona Edwirgen entrou e pegou a menina no colo. Sentou-se na beirada da cama e a desembrulhou. Franziu a testa ao ver o estado deplorável da menina.

----Essa menina não vai agüentar muito tempo não. Você não quer levar ela em uma benzedeira que eu conheço lá na Vila Ivegê? --Perguntou Dona Edwirgen.

Dona Benedita baixou a cabeça e não respondeu nada. Na verdade ela não acreditava naquelas coisas.

----A mulher tem uma força espiritual muito grande. Já curou muito gente com suas rezas. Além do mais você não tem nada a perder, pois pelo estado em que se encontra a pequena Izabel não acredito que tenha muito tempo de vida não.

Seu sogro, que se mantivera calado até então, resolveu entrar na conversa.

----Se a Benedita não quiser ir, pode deixar que eu vou! Se for em nome de Deus que essa benzedeira cura, eu é que não vou entregar a menina pra diabo nenhum de médico que até agora não fizeram nada.

----Tá bom! Se vocês querem ir então vamos. Não quero passar o resto de minha vida carregando essa culpa. --Desabafou Dona Benedita.

Pegaram o ônibus e foram embora. Depois de quase quarenta minutos desceram em um lugar, que na época ainda estava começando a ser loteado. Quase não havia casas construídas. Desceram por uma rua de terra batida, como eram quase todas as ruas da periferia de São Paulo em 1959. Chegaram em frente a um portão, de onde se avistava, lá no fundo do quintal, uma casinha rodeada por um pomar, que sombreava todo o terreiro em volta daquela humilde moradia. Um senhor os atendeu e pediu para que entrassem. Várias pessoas permaneciam do lado de fora da casa esperando para serem atendidas. Dona Benedita espiou por uma das janelas e avistou uma senhora sentada em um banquinho, vestida toda de branco e envolta por uma densa fumaça produzida por incensos colocados em vasilhas a sua volta. Naquele momento ela estava benzendo uma moça de aproximadamente uns vinte e cinco anos.

Havia ali umas quinze pessoas esperando para serem atendidas. Depois de mais ou menos uns vinte minutos de espera a menina começou a estremecer, virou os olhos e ficou completamente largada dando a impressão que havia morrido. Dona Benedita entrou em pânico e começou a gritar:

-----Minha filha morreu! Minha filha morreu! Eu sabia que ela não ia agüentar!

Lá de dentro da casa a benzedeira gritou:

---- Ela não está morta não! Traga ela aqui para mim!

Rapidamente um dos tarefeiros da casa tomou a menina nos braços e a levou de imediato até a benzedeira. Ela apertou a menina levemente junto ao peito e começou a orar. Depois de uns quinze minutos de oração em voz baixa pediu para que a mãe da menina entrasse.

----Pode ficar sossegada que ela não vai morrer não! A senhora faz o seguinte: Assim que chegar em casa faz um chá de canela e dá pra menina beber com uma cibalena inteira. Amanhã a senhora faz um chá de hortelã e também da pra menina beber novamente com uma cibalena, e depois no outro dia a senhora torna a dar para ela o chá de hortelã com cibalena outra vez. No quarto dia a senhora compra um vidro de licor de cacau e vai dando pra ela uma vez ao dia. Pode ficar tranqüila que com o passar dos dias esse mal que se acercou da menina irá embora da mesma maneira que chegou. E não se esqueça de rezar sempre à noite, antes de dormir, junto ao seu bercinho, pedindo a Jesus que tome conta dela.

Assim que voltaram para casa, Dona Benedita, apesar de sua incredulidade, fez tudo conforme a benzedeira havia recomendado. E como que por um milagre, no fim do terceiro dia, a febre da menina havia desaparecido. No outro dia cedo acordou com a menina chamando por ela, pedindo mamadeira. Dona Benedita não conteve o pranto. Depois de mais de um mês ouvia novamente a voz da filha. Ela preparou uma mamadeira bem reforçada e deu para a menina, esperando que, como das outras vezes, ela fosse vomitar novamente, pois nada parava em seu estomago. Só que dessa vez ela não vomitou. Dona Benedita pediu ao sogro que fosse comprar o licor de cacau. Nos dias que se seguiram a menina pôs para fora, através de suas fezes, uma quantidade enorme de lombrigas. Em pouco tempo estava recuperada. Hoje a menina que foi desenganada pelos médicos e salva pela benzedeira da Vila Ivegê, zona leste de São Paulo, já é avó. A ela, que infelizmente, nem sabe o nome dessa santa mulher, resta apenas o compromisso de orar, todas as noites, em agradecimento há quem um dia lhe salvou a vida sem lhe cobrar um tostão sequer, pois era assim que agiam, naquela época, as benzedeiras que hoje não existem mais, pois a modernidade e as religiões dos dias atuais não permitem, pelo menos nas grandes metrópoles, a existência dessas pessoas.

Esse caso aconteceu há 50 anos atrás e tanto Dona Edwirgens, como a Benzedeira, que infelizmente não tenho registro do seu nome,

já faleceram, porém caso alguém esteja a procura de alguma benzedeira é favor entrar em contato com Dona Tuca pelo e-mail abaixo:

e-mail: tucareina@hotmail.com