O Caso dos Uniformes do Cruzeiro e do Atlético
Justiça é não fazer a outrem o que não queríamos que nos fizessem
Hughes Lamennais
I
A situação era a seguinte naquela sala de audiências: o reclamante Romualdo ganhara um “balão” do seu gerente comercial simplesmente por que se recusara a vestir a camisa do time adversário.
Para quem desconhece ou não se recorda do significado popular do termo “balão”, devo lembrá-los que esta palavra guarda o mesmo sentido jurídico apresentado pela expressão “suspensão do emprego”.
O balão ou a suspensão do emprego é, portanto, uma medida de caráter disciplinar imposta pelo empregador ao empregado e freqüentemente se dá frente a alguma infração ou falta cometida por esse último.
No dito balão, o empregado não pode permanecer nas dependências da reclamada durante a sua jornada de trabalho e nem realizar as tarefas para as quais tenha sido contratado.
Como parte essencial da penalidade, deverá o empregado deixar de receber o salário referente ao dia ou aos dias em que se encontrar suspenso.
II
Em resumo, o senhor Romualdo era um torcedor roxo, apaixonado e doente pelo seu time do coração: o inigualável Cruzeiro Esporte Clube. Assim, ele não admitiria em hipótese alguma vestir-se com o uniforme da equipe adversária. Aliás: ele até evitava se expressar num tom um pouco mais elevado aquelas três palavras que designavam o seu eterno oponente e que às vezes lhe traziam tanto desgosto e dissabor: Clube Atlético Mineiro.
Assim - ao se referir ao “galo” – buscava utilizar-se sempre de um termo pejorativo. Entretanto, naquele dia 30 de abril de 2007 – o terrível dia seguinte à indescritível derrota do Cruzeiro para o seu eterno arquiinimigo pelo astronômico placar de 4 a 0 num clássico que teve como pontos altos os gols do atacante Éder Luís (este aos trinta segundos do primeiro tempo!), de Danilinho, Marcinho e Vanderlei, praticamente presenteando ao torcedor do Galo com mais um título de Campeão Mineiro – o gerente da loja exigira que o seu empregado laborasse durante todo o dia adornado nada mais e nada menos do que com a camiseta alvinegra do Clube Atlético Mineiro.
Entretanto – e diante da recusa deste último em vestir a camisa do time adversário - dera-lhe o referido balão.
Fora pelos motivos acima expostos que o patrono do reclamante entrara com aquela ação trabalhista pedindo - entre outras coisas – uma indenização pelos danos morais praticados pelo gerente da reclamada e sofridos por seu cliente.
III
Naquele momento, entretanto, as partes já haviam celebrado e selado um acordo que pusera fim ao processo e a toda a problemática ali suscitada. Aguardavam apenas que o datilógrafo terminasse a confecção da ata de audiência para se retirarem.
Foi então que o procurador do reclamante – um sujeito muito alegre e jovial - se dirigiu à juíza e solicitou que a mesma lhe autorizasse a retirar da sua pasta de advogado uma camisa novinha do glorioso Cruzeiro Esporte Clube.
Em seguida ele se voltou todo sorridente para o preposto da reclamada - aquele mesmo gerente que havia dado o “balão” em seu cliente por este não ter aceitado estampar no peito a flâmula adversária – e lhe pediu educadamente que usasse aquela belíssima camiseta azul-celeste até o final da audiência.
Rindo muito da brincadeira, o preposto desconsiderou o convite do advogado e respondeu que também ele não vestiria o uniforme do Cruzeiro por nada desse mundo, nem que por isso tivesse que perder o próprio emprego!
Conclusão: no final das contas fora muito bem recebida e compreendida por todos os presentes aquela importante lição de cidadania e respeito sutilmente apresentada na forma de uma brincadeira pelo advogado do reclamante.
Viu-se ali que a velha fórmula cristã continua ainda a ter plena eficácia e validade nos dias de hoje: devemos fazer ao outro aquilo que queiramos que ele nos faça.
Foi nesse clima de alegria e muita descontração que se deu os últimos momentos daquele acordo. Mas antes que todos saiam e a sala de audiências volte a ficar vazia, deixo para vocês - distintos leitores e leitoras que me acompanharam até o final dessa jornada quase esportiva - as minhas cordiais saudações atleticanas e cruzeirenses! É exatamente como diria o nosso inesquecível Kafunga: gol barra limpa, não tem coré-coré!
Obs.: para quem não conheceu o mestre Kafunga, informo ter sido este o apelido do eterno goleiro do "Galo", Olavo Leite de Bastos. Este apelido lhe foi dado por que apresentava imensas narinas que o faziam fungar exageradamente. Kafunga nasceu em Niterói em 07/08/14 e faleceu em Belo Horizonte em 17/11/91. Defendeu o Clube Atlético Mineiro de 1935 a 1954, em 435 jogos. Depois de deixar o futebol, tornou-se um excelente e hilário comentarista esportivo de rádio, jornal e TV. Destacou-se na televisão com o uso de jargões que ficaram famosos: “cabeça-de-bagre” (para descrever jogadores ruins), “ta no filó” (grito anunciador do gol), "isso é lá dos tempos de mil novecentos e Kafunga” (para dizer que uma coisa era muito velha mesmo) e as famosas “gol barra limpa” ou “barra suja” (definindo se o gol fora legal ou ilegal).