Suicide-se,por favor!
O centro da cidade do Rio de Janeiro é um lugar ímpar. São tantos rostos, tantos carros e tanta coisa para se observar diariamente, que às vezes presenciamos coisas que antes, só havíamos visto no cinema. Às vezes vemos assaltos. Às vezes brigas de meninos de rua. Às vezes até mini-shows dos artistas que se reúnem por toda a extensão do Largo da Carioca até a Rua Uruguaiana nas proximidades do camelódromo.
Esses shows geralmente são pessoas com algum talento incomum querendo ganhar alguns trocados em cima disso. São pessoas que fazem embaixadinhas com qualquer objeto. Pessoas que pintam quadros psicodélicos com spray e pessoas que brincam de “onde está a moeda?”. O centro é um emaranhado de situações e destinos que impressiona.
Enfim, há também os shows involuntários, e é sobre um “show” desses que vou falar À vocês. Pois há uns dois meses eu presenciei uma cena que seria cômica se não fosse trágica. Um suicídio. E um suicídio dramático. De um jovem de dezenove anos, funcionário de uma loja de informática. Segundo fontes do local, o rapaz que não lembro o nome, queria se matar devido as alucinações que vinha tendo de uns tempos para cá. Muitos que o conheciam dizia que ele via coisas devido ao consumo de cocaína. Outras diziam que a namorada dele havia o deixado por outra mulher. Mas como onde tem muita gente, também tem muito boato. Fui dar uma de jornalista e me dirigi até a loja onde o rapaz trabalhava. Mas isso não é importante. O importante é que, durante os minutos que o rapaz ficou no parapeito de um prédio na Rua Almirante Barroso, eu pude ver como o ser humano é um bicho interessante.
Era uma segunda-feira e chovia fino no Rio. Como sempre fazia, eu descia do ônibus um ponto antes para poder comprar algo para comer. Não costumo conseguir comer algo assim que acordo. Comprei alguns pães-de-queijo e atravessei a rua segurando o saquinho com dois dedos. Assim que atravessei a Avenida Rio branco, pude reparar uma multidão mais a frente olhando para o alto de um prédio. Curioso que sou, fui até lá saber do que se tratava.
Nem precisei perguntar. Logo notei que alguém estava no parapeito da janela de joelhos e ameaçando se jogar. As pessoas estavam chocadas. O rapaz gritava algumas coisas e quase todo momento inclinava seu corpo para frente ameaçando se jogar. Cada vez que ele inclinava algumas pessoas se contorciam para não ver a cena. Os celulares estavam todos apontados para cima. Ao meu lado, uma moça de uns dezoito anos ainda narrava os fatos. Pelo que pude ouvir durante os gritos, ela dizia que um corno podia estar tentando se matar e que seria legal se ele pulasse. Disse mais algumas coisas sobre colocar o vídeo no Youtube.
Fui me aproximando para aonde estavam os policiais. Um deles, bem gordo e suado, de tempo em tempo levava seu celular até suas orelhas como se ouvisse ordens.
-Senhor, fique calmo! Estamos providenciando a ajuda dos bombeiros para tirar o senhor daí. –dizia o policial gordo.
-Eu não quero ajuda.-Disse o rapaz que tinha a voz muito fina. –Não sou um gatinho que subiu no telhado! Essa não é a vida que eu quero. Ninguém vai sentir falta de mim.
Eu estava ficando angustiado com aquela situação. Cheguei um pouco para trás temendo que quando o rapaz pulasse, fosse cair justamente em cima de mim. Eu sempre atraí problemas constrangedores. Certa vez, fui a uma festa de quinze anos. Estava com uma blusa social branca e calça jeans,(sempre adorei essa combinação). Depois do parabéns, eu tomei coragem e chamei uma garota chamada Flávia para conversar comigo lá fora. Sentamos debaixo de uma amendoeira. Conversamos, conversamos. De repente, senti algo acertar meu ombro esquerdo, depois o direito, depois a “coroa” de minha cabeça e por fim, meu peito. Sabe o que era? Cocô de morcego! Quem nessa vida pode dizer que já levou uma metralhada de morcegos? Já levaram de passarinhos, mas de morcego eu duvido.
Levando em consideração a história do morcego, me afastei para não ser acertado por aquele cara. E as pessoas cada vez mais se amontoavam. Algumas sorriam, algumas ligavam para casa para informar o que acontecia. Do meu lado ouvi um rapaz avisando por celular a alguém em seu trabalho que chegaria atrasado por que estava tendo um tremendo tiroteio nas proximidades de sua casa.
-Senhor, se afaste da janela! Não tem porque o senhor fazer isso! – pedia o policial gordo que aparentava estar preocupado com o desenrolar daquele fato.
-Não me dê ordens. Cansei de receber ordens. Me matar é a primeira decisão que tomei sozinho...Quer dizer, na verdade foi o monstro caolha que morava debaixo de minha cama que me sugeriu isso.- informou o rapaz causando algumas gargalhadas em sua “platéia”.
Eu permanecia sério. Aquilo não era brincadeira. Mas as pareciam encarar o fato como uma simples cena de filme. Dois moto boys que estavam do meu lado estavam apostando cem Reais se ele se jogaria ou não. Um vendedor de binóculos apareceu do nada e fazendo promoção, como se adivinhasse que aquilo ocorreria. Aquele clima estava me dando uma baita agonia. E a rua foi ficando cheia de gente.
Me afastei um pouco mais e parei ao lado de um vendedor de bala que conversava com uma estudante uniformizada.
-Isso aí é falta de Jesus. Camarada não aceita Jesus. Quer ter vida mundana, olha no que dá. É um perigo. E ainda atrasa a vida de todo mundo.
Eu tive a impressão de ter escutado algo. Mas achei que fosse coisa da minha cabeça. Ninguém seria tão frio. Mas aí, alguém de novo. Eu não acreditei. Outras pessoas gritaram.
-Pula!
-É pula!
-Eu preciso ir pro trabalho,meu bom! Tem como agilizar essa “parada”?
Segurei o riso. Aquilo não devia ser engraçado.
Um carro de reportagem se aproximou do local. De dentro dele uma repórter muito bonita e um operador câmera negro e mais baixo que um pacote de Fandangos saíram e foram cortando pela multidão até chegar na porta do prédio. Um grupo de pessoas se locomoveu e parou bem atrás da repórter. Ficaram sorrindo, fazendo poses, tirando fotos e alguns até filmavam com seus celulares.
Cinco moto boys pararam do meu lado. Todos ergueram seus celulares e começaram a filmar.
-Vou gravar isso e colocar num DVD. Se esse otário pular eu vou ganhar uma grana preta.- disse um deles.
-O cara quer arrumar confusão logo de manhã, né não? Podendo fazer isso hoje de noite. Pior que escolhe logo uma segunda-feira! Tá de sacanagem!- comentou outro.
Mais pessoas gritavam. Eu continuava calado devorando meus pães de queijo.
-Pula logo! Eu tenho que ir trabalhar, meu camarada!
-Vai pular, depois não morre eu quero ver.
Dois carros da polícia chegaram ao local. A repórter começou a filmar nesse instante.Parecia que ia entrar ao vivo no meio de algum telejornal.
-Bom dia, Renata. Estou aqui no centro da cidade onde um homem identificado como Robério ameaça pular do prédio aonde trabalhava. Segundo amigos do rapaz, Robério é dependente químico e se queixava de ser perseguidos por rãs pedófilas e carros que se transformavam em robôs.
Robério? Se eu tivesse um nome desse eu também me suicidaria.
-A polícia acaba de chegar ao local, e irão tentar impedir que esse rapaz pule do prédio.- informou a repórter prometendo voltar ao vivo assim que tivesse novidades.
Um helicóptero ficou planando sobre o prédio. Não pude identificar se era da polícia ou de alguma emissora.
-Cem Reais que ele vai pular!-gritou um ambulante.
Por mais que algumas pessoas reprovassem aquela atitude fria, muitas topavam a aposta. Eu não sabia o que fazer. Já devia estar uns vinte minutos atrasado, mas um suicídio não é uma coisa que vemos todos os dias. Vemos atropelamentos, cães de apenas duas patas e até assassinatos cruéis estampando jornais do povão. Mas não um suicídio. Todos estavam ligados aquele rapaz. Não o conheciam, mas se estavam ali queriam ao menos saber como aquilo terminaria. Era um filme de suspense qual o final ninguém sabia dizer de certo como seria.
Nesse instante me lembrei do caso do ônibus 174. Quando um menor de rua chamado Sandro do Nascimento, manteve alguns passageiros de um ônibus reféns, e que no final acabou coma vida de Geísa e do próprio seqüestrador. Lembro que assisti toda cobertura do acontecimento pela televisão. Estava ansioso para ver no que aquilo daria. Será que ele mataria os reféns? Será que conseguiria fugir? No final, todos estavam exaustos naquele dia dos namorados do ano de 2001. Porém fora uma tarde cinematográfica. E a situação se repetia. Um rapaz perto da morte e a televisão se aproximando para divulgar mais tragédias logo pela manhã. Uma manhã de segunda-feira.
Passaram-se quase quarenta minutos e o rapaz continuava lá no alto, e parecia estar chorando. Os bombeiros já haviam chegado e interditado o prédio. Mais jornalistas chegaram, e tinham informações que eu não sabia de onde haviam tirado. Haviam acabado de chegar e sabiam de tudo. Minhas pernas doíam e meus ouvidos também. As pessoas faziam piadas. Muitas sobre suicídio. A que mais gostei dentre as tantas que entraram por meus ouvidos foi a de um português vai tentar o suicídio. Um vizinho chega à casa de Manoel e o encontra amarrado com uma corda na barriga. Ele pergunta por que o português está com a corda na barriga. Manoel avisa que vai se suicidar. Com certa curiosidade, o vizinho pergunta por que se suicidar com uma corda amarrada na barriga. E Manoel responde: - “Pois é! Eu coloquei no pescoço, mais começou a me faltar o ar!” foi a única vez em que não consegui segurar o riso.
O tempo passava, os bombeiros gritavam e as pessoas continuavam se aproximando curiosos. Faixas estavam aparecendo com mensagens de incentivos positivos e negativos. Frases como “Não faça isso, Jesus te ama!” , “Quem vai fazer faz, não avisa!”, “Deixe sua mulher pra mim!” ou “Você não voa.Nem o Batman voa.”. Eu fiquei impressionado. A gente reclama tanto de tragédias, mas quando acontece uma, achamos até graça. De repente, lá em cima, o rapaz pareceu soltar uma das mãos que segurava antes na janela. As pessoas urraram juntas, como quando uma bola passa próximo ao gol adversário. Eu urrei sem querer. Muitos levaram as mãos à cabeça.
O tempo passava e eu querendo ir embora, mas não podia. Estava preso aquele desfecho. Não se sai do cinema antes que o filme acabe. Mas, para encurtar, quando um dos bombeiros conseguiu chegar até o rapaz, ele se assustou e pulou. Caiu em cima de um fusca amarelo. O sangue espirrou em algumas pessoas que ainda xingaram o suicida. Outras aplaudiram como se tivessem acabado de assistir um espetáculo teatral.Assobiavam a todo pulmões e batiam fotos do cadáver.Faziam até poses para depois colocarem a foto em seus Orkuts. Alguns também resmungavam do tempo que perderam ali, pois o final de tudo não correspondera as suas expectativas. Eu sai com um aperto no peito. Imaginando como seria se suicidar. O que acontecia depois de tirarmos nossa própria vida. Será que íamos mesmo direto para as profundezas do inferno? Será que voltaríamos em outra vida como um aleijado ou coisa parecida? Será que voltaríamos argentinos ou vascaínos? São perguntas como essas que eu me pego fazendo. Onde estaria a alma do rapaz suicida? Sinceramente eu fico curioso com isso. Mas deixa isso pra lá! Por causa desse rapaz naquele dia levei uma bronca enorme da minha chefe. Me chamou de fofoqueiro, irresponsável e por aí vai. Mas vou te contar até que foi engraçado. Não sei até hoje o que levou o cara a se matar, não vi jornal nesse dia.Tudo foi um filme real de suspense. Um final surpresa e duzentos Reais a mais no meu bolso, pois havia apostado que o cara ia pular. No fundo eu quase estava pedindo para que ele pulasse também.
Como diz o ditado: “Que se dane o Abreu, antes ele..."