O Caso da Porca Solteirona
A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem - Arthur Schopenhauer
O acordo já ia bem adiantado – graças a Deus! - quando alguém teve a lamentável idéia de comentar num tom um pouco mais elevado que talvez a leitoa estivesse mesmo grávida. Afinal – concluíra o infeliz - jamais fora vista uma porca tão extraordinária quanta aquela nas redondezas!
Aquilo fora o bastante para fazer com que o reclamado – certo senhor Barnabé - desse meia-volta na proposta que havia feito e marcha-a-ré na palavra que empenhara há pouco.
Voltara tudo à “estaca zero”. E para quem não sabe, estaca zero significa retornar ao início, ao ponto de partida, reiniciar tudo literalmente do “zero”. O caso é que havia ali um acordo trabalhista em curso e no qual parte do pagamento a ser efetuado ao reclamante José Alfredo, redundava nada mais e nada menos do que numa leitoa. E das grandes!
- E não é para me gabar não – insistia eufórico o reclamado – mas essa é de fato a leitoa mais gorda e rechonchuda que já se viu nesses arredores, parruda como nenhuma outra! A bicha tem um porte tão majestoso que mais parece uma rainha desfilando a sua graça e formosura por entre as plebéias do chiqueiro.
Segundo o proprietário, aquela leitoa devia estar pesando entre cento e noventa e duzentos e dez quilos e era a porca mais robusta e descomunal que alguém já avistara nessas Minas Gerais, sentenciara ele cheio de orgulho.
Entretanto, acabara de surgir aquele importante “porém”, um verdadeiro impasse na negociação. Mas o que se viu em seguida foi a ocorrência de um novo rebuliço quando um outro sujeito rebatera a idéia e a dúvida de que talvez a leitoa não fosse mesmo de fato tão provida de carnes e toicinhos quanto o Barnabé viera insistindo em dizer e querendo fazer meio mundo acreditar. Pelo menos não com as carnes e gorduras dela própria. Era possível sim! – insistira o homem - que a bichinha estivesse grávida de alguns bacorinhos como normalmente costuma acontecer com todas as mamães-porquinhas desse ou de qualquer outro mundo.
Mas se fosse esse o caso – afirmou o senhor Barnabé com muita precisão e encurtando a conversa definitivamente – se fosse esse o caso, decerto que o valor da Cremilda haveria de chegar às alturas! E em sendo assim – concluiu – eu não posso permitir que ela continue a fazer parte dessa negociação.
- Decerto – sintetizou sabiamente o advogado do senhor Barnabé – se o meu cliente mantiver a sua Cremilda como parte do pagamento ao reclamante e ela estiver de fato prenhe, o valor da leitoa teria que ser duplicado, triplicado ou quadriplicado, tudo conforme a dona porca venha a dar a luz num tempo futuro a dois, três, quatro ou mais filhotes. Agora: uma vez que o acessório segue o principal e que não é possível por enquanto separar o referido acessório do supracitado principal, se a Cremilda continuasse a fazer parte do presente acordo, o reclamado estaria dando a sua implícita aceitação de que os bebezinhos da mamãe-porquinha fazem igualmente parte do negócio. Há não ser que estipulemos uma cláusula especial a esse respeito. Mas então já seria uma outra história e aí...
Naquele momento tornara-se de fato um tanto complicado e inviável dar prosseguimento no negócio. Afinal – pensaram todos - como ter alguma certeza à respeito da pretensa gravidez da Cremilda? E – caso viesse a ser efetivamente confirmado o seu estado gravídico – como saber quantos bacorinhos haveria de por para fora a nossa feliz porquinha?
Como conclusão de toda aquela barafunda e pendenga, se o reclamado mantivesse a proposta original do acordo, era agora o reclamante quem praticamente se tornara seu devedor, pois decerto que a mamãe Cremilda e seus prováveis sucessores e descendentes orçariam juntos um valor que ultrapassaria em muito a dívida do reclamado para com aquele. Se bobeasse, dava até sobra e devolução. Então...
Novo zum-zum-zum interrompeu pela terceira vez o prosseguimento da audiência. Alguém perguntara como seria possível em termos práticos e científicos que todos viessem a ter uma confirmação à respeito da gravidez da Cremilda.
- Só se fosse feito na leitoa um exame ginecológico ou um ultra-som abdominal, respondera o juiz. Mas nesse caso – concluíra - teriam que convocar o veterinário da cidade, pois somente ele se encontra apto e preparado para constatar a veracidade daquela situação...
Isso, no entanto, demandaria um gasto excessivo de tempo e dinheiro, duas coisas de que normalmente não dispõe a Justiça trabalhista.
- Afinal, senhores – lembrou o meritíssimo com muita argúcia e perspicácia - os dois mais importantes lemas dessa Justiça continuam a ser a celeridade e a economia processual!
Solicitara, então, que todos agissem com bastante cautela e prudência naquele momento. E – finalmente – dirigindo-se em particular a cada um dos presentes, interpelou-os gravemente:
- Não haveria alguma outra maneira de conduzirmos a atual situação a um final feliz?
Foi só então que o senhor Barnabé surgiu com a idéia mais simples que poderia ter naquele momento:
- Olhe seu juiz, estava eu aqui agorinha mesmo matutando umas coisinhas: esclareço primeiramente que o que eu puder fazer para por fim de vez nesse negócio, decerto que o farei. Ocorreu-me então o seguinte pensamento: no lugar da Cremilda vou oferecer ao Zé Alfredo outra das minhas porcas. Esta com certeza não há de ser uma leitoa tão prodigiosa e elegante quanto aquela ofertada no início, mas bem servirá para que possamos por um ponto final nessa questão. E há de ser de preferência – continuou o reclamado - uma porca solteirona virgem e cheia de graça, que é para não causar tanta celeuma e rebuliço!
Amigos e leitores: foi exatamente dessa forma que tudo aconteceu e se passou naquela sala. Marcada a continuidade da audiência para daí a alguns dias, incluiu o nosso Barnabé nos termos do acordo uma leitoazinha puritana e chinfrim designada pelo simpático nome de Maria Jordana. Aquela era de fato uma porca virgem e impoluta, exatamente como o reclamado afirmara que haveria de ser.
Ao concluir o presente caso, deixo com vocês uma questãozinha de nada feito aquela amorinha vermelha que daqui eu consigo avistar tranquilamente no pomar da casa do nosso ilustre Barnabé: como é que o danado daquele homem podia ter tanta certeza à respeito da solteirice e da virgindade das suas porcas?
Quem tiver uma explicação razoável e plausível para o fato que se apresente: se estabeleça ou se cale para sempre!
E vamos pra frente que atrás vem gente...