Certo dia, ocorreu-me a idéia de desenhar a dor que me acompanhara durante muitos anos. No papel em branco traçei um esboço de um rosto já esquecido pela memória dos anos passados. Em minha mente, o que se formava, era um amontoado de expressões faciais difícieis de se definirem em alguma forma que fosse possível lembrar.
       Seria a minha dor um rosto desfigurado? Tal dúvida me angustiou tão intensamente que amassei o papel e o joguei longe. Procurei então me concentrar no rosto, o rosto que tanto havia amado e sonhado agora parecia-me distante, irreconhecível... Oh Deus...Como pude esquecê-lo? Esquecer seus traços, seu semblante, sua sobrancelha e boca...Não lembrava...de uma linha sequer...Entristeci-me por completo e uma solidão tomou-me por inteiro a alma de tristeza e decepção.
       Tentei-me lembrar das nossas palavras que naquele momento tinham pouca ou nenhum significado em minhas lembranças...Como poderia desenhar a dor? Como poderia? Mal lembrava do seu rosto....Olhei para a ponta do lápis por um momento e um medo inexplicável correu-me pelas veias revelando os recessos mais íntimos de minha alma.
       A dor havia desaparecido e eu não havia percebido! A dor não mais lá se encontrava, apenas a lembrança vaga dela que eu levara durante todos aqueles anos...Eu mesma havia metarmofoseado minha própria dor, transformado-a em uma âncora pesada e amarrado-a aos meus pés e carregado-a por todos os lugares onde havia passado. Meu estado mental era fruto de meus próprios pensamentos. Todo o desalento que havia sofrido aqueles anos eram originados em meu próprio ser.
       Não mais havia um culpado...Eu era a culpada. Tal constatação machucou-me mais ainda e agora, sem mais poder carregar a dor do passado, a dor do abandono, levava comigo outra dor, uma nova dor  recém descoberta por mim: A dor de me ser.
       Busquei outra folha em branco e traçei um rosto , agora já nítido da minha dor. Todos a reconheceriam caso chegasse a meios publicos tal retrato. Olhei atentamente para àquele rosto bem desenhado e claro no papel, eu estava um tanto mais velha pelos anos de sofrimentos e meus olhos tinham algum brilho triste....O retrato da minha dor era o meu  próprio rosto.