O Caso do Bumbum Postiço
Tais são os preceitos do direito: viver honestamente, não
ofender ninguém e dar a cada um o que lhe pertence
Ulpiano
I
Vou começar esse caso solicitando que leitoras e leitores reflitam com muita sobriedade à respeito de uma controvertida questão: saberá alguém de fato o que se passa no coração de uma mulher?
Vamos pensar juntos por um momento: se já é um tanto complicado compreender os aspectos racionais do ser humano, imaginemos o quanto pode se tornar difícil o estabelecimento do que ocorre na alma e no sentimento feminino!
Mesmo Freud – o pai da Psicanálise e um dos mestres do moderno estudo da mente humana - parece ter dado a mão à palmatória e desistido definitivamente de prosseguir no estudo de um campo tão vasto e complexo. Relegou às futuras gerações a missão de estabelecer e reunir dados mais rigorosos e precisos à respeito de assunto tão controverso.
Quem então dentre nós – eu lhes pergunto outra vez – logrará compreender o que se passa no peito de uma mulher?
Pois bem: deixando de lado todas essas importantes minúcias teóricas acerca do inefável universo feminino e do feminino sentimento do mundo, vamos dar prosseguimento à leitura da história que se segue. Talvez no caminho descubramos algo a respeito.
II
Esta história me foi relatada por uma colega de uma das Varas do Trabalho da Capital. Assegurou-me ela que o caso aconteceu realmente com uma de suas amigas. O fato é que esta referida amiga fora convocada pelo setor competente a se apresentar numa determinada data, hora e local específicos para tomar posse e entrar no exercício do seu cargo público.
A mulher imediatamente imaginou que todos os trâmites legais de sua posse se resolveriam e se dariam num mesmo dia: a entrega dos documentos e exames clínicos solicitados pela equipe médica, a assinatura no livro de termos de posse dos servidores do Tribunal, etc.
Assim, considerou sutilmente que talvez devesse se apresentar naquela ocasião ainda mais linda e charmosa do que já se achava habitualmente e como convinha de fato a uma solenidade tão importante.
Entretanto, devido ao fato de se considerar excessivamente “reta” na região dos glúteos, dos quadris e suas adjacências – desbundada, como ela mesma se acostumara a definir a sua “poupança” rasa - decidiu-se que realizaria um sonho antigo nessa ocasião tão especial: usaria uma calcinha com enchimento, dessas do tipo “bumbum extra”, apresentando-se toda “cheinha” e saliente na solenidade da posse do seu novo emprego. Finalmente – e para concluir com êxito todo o negócio - decidiu-se a moça a adquirir logo uma calcinha de tamanho grande que era para causar um efeito e um furor ainda maiores em seus espectadores.
Assim - após vestir-se com a pequenina, mas volumosa peça de lingerie – pusera-se a se mirar e a se admirar por todos os lados e ângulos e durante muitos minutos diante de um espelho. Ficara encantada com o resultado prático apresentado e com o jeito plástico com que a calcinha se encaixara perfeitamente no seu bumbum, realçando e dando origem a dois extensos montes entremeados por uma íngreme vertente. Permaneceu ali ainda por mais algum tempo a se olhar e a investigar se estava tudo correto e no devido lugar, ora virando-se para um lado e ora para o outro.
Enfim, depois de cumprir todo aquele ritual de beleza e sedução tão naturais à mulher, deixou a sua casa e se dirigiu até o local que lhe fora indicado. Ao chegar ao Tribunal, porém, logo tomou conhecimento de que as coisas eram um pouco diferentes e muito mais complexas do que havia imaginado inicialmente.
Naquele dia em específico procederia apenas à entrega dos documentos solicitados e dos exames médicos que houvera feito nos dias anteriores. Participaria ainda de uma consulta médica pré-admissional que constava de mais alguns exames de saúde física e mental.
Sua posse e a de mais seis outros servidores - soubera mais tarde – ocorreria daí a três dias e somente depois de concluído todo o processo de admissão. A referida solenidade ocorreria no prédio do Tribunal e diante de uma comissão previamente selecionada e constituída para dar posse e exercício no cargo aos novos servidores da Justiça do Trabalho. Além da referida comissão, estariam ainda presentes o Presidente, o Vice-Presidente e a Juíza Corregedora do Tribunal, bem como várias outras personalidades dos meios jurídicos e acadêmicos.
Foi então que a nossa heroína – a quem vamos chamar a partir de agora pelo codinome de “a moça do bumbum postiço” - passou a se mostrar um tanto nervosa e agitada diante dos demais colegas concursados e dos servidores que ali se encontravam, demonstrando um alto nível de ansiedade e nervosismo.
Nesse ponto eu gostaria de voltar uma vez mais àquela questão presente no início da nossa história: afinal, conseguirá alguém decifrar o que se passa no peito de uma mulher? Eu ainda não o consegui! Entretanto, se algum dos leitores se dispuser a se aventurar neste sentido, certamente que será muito bem recebido por esse autor e por todas as ciências humanas.
O caso nesse momento estava no seguinte pé: como até aquela manhã a nossa heroína ainda não havia se abastecido de suficiente coragem para sair às ruas usando aquele tipo de roupa íntima, a partir daquele momento os acontecimentos começaram a exercer uma forte influência e pressão sobre ela, tanto física quanto psicologicamente.
A calcinha lhe parecia agora um tanto grande ou volumosa demais, fazendo com que os seus quadris e as suas “curvas da estrada de Santos” se apresentassem meio que fofas e “gordinhas”. Ainda por cima aquele lingerie novo começara a pinicá-la por debaixo do vestido, produzindo sucessivas ondas de calor, sudorese e coceira que começaram a se espalhar por todo o seu corpo.
A todo o momento ela se punha a movimentar a cabeça para trás na vã tentativa de conseguir enxergar o próprio “bumbum” e tirar suas conclusões à respeito de um possível excesso de enchimento. A visão do seu bumbum tornara-se praticamente impossível. Sua “padaria” agora lhe parecia estar literalmente inchada e protuberante, fazendo com que ela inadvertidamente se lembrasse daquela espécie de formiga saúva conhecida popularmente pelo nome de iça ou tanajura.
Finalmente, começou a ocorrer-lhe também uma sensação ou uma impressão – já não conseguia saber ao certo se uma coisa ou se outra, pois começara a se tornar difícil para ela definir os próprios sentimentos - de que a maior parte das pessoas que ali se achavam presentes parecia estar olhando para ela. Ou melhor, para “ele”, para o seu bumbum “postiço” e “perfeito”!
Todos aqueles sentimentos juntos acabaram finalmente fazendo com que a mente da nossa heroína se pusesse a trabalhar ininterruptamente e em grande velocidade. Ela então começou a imaginar sobre o quê haveria de pensar a seu respeito o médico que a atenderia daqui a alguns minutos no exame admissional. Aquela calcinha volumosa – e ela não conseguia mais parar de pensar naquilo - se fazia no mínimo esquisita e desrespeitosa naquele ambiente jurídico e certamente acabaria chamando a atenção dos profissionais da saúde para a existência nela de algum tipo de descontrole mental. Com certeza – concluiu com suprema angustia – perceberiam que ela era mesmo uma “doida varrida”, reprová-la-iam no exame de sanidade e a impediriam de entrar no exercício no cargo. E aquele emprego - meu Deus! - que era mais do que bem vindo e necessário a ela naquele momento de sua vida, iria voar para o espaço e para o beleléu...
Como conclusão dessa parte do nosso enredo, devemos recordar que na época em que esses fatos se sucederam as calcinhas com enchimento ainda eram pouco utilizadas e raras eram as mulheres que se aventuravam a expor de repente nas ruas o que antes não tinham nem possuíam: um magnífico bumbum redondinho e repleto de vitalidade.
Foi então que - no auge do seu desespero – meteu-se em sua cabeça uma idéia estapafúrdia que ela imaginou pudesse ser a solução para todos os seus problemas.
III
Pois bem: decidiu-se a nossa heroína a entrar num dos banheiros do edifício onde se encontrava e aguardar a chegada de uma “vítima”, o que pouco demorou.
Logo que a primeira mulher adentrou naquele banheiro feminino, a nossa moça do bumbum postiço imediatamente se acercou da infeliz e lhe fez uma declaração e um pedido no mínimo chocantes: “você tem que trocar de calcinha comigo!”
Companheiros e companheiras: vocês não estão loucos não! Também não ouviram mal! Nossa heroína – se é que podemos continuar a chamá-la desta maneira a partir desse momento - avançou sobre a mulher e se pôs a falar todo o tipo de coisas malucas que ela acreditava pudessem fazer alguma diferença e convencer a outra a trocar de lingerie com ela. Primeiramente buscou explicar-se à respeito dos motivos daquele seu ato extremo e do seu desatinado pedido. Falava de um modo estranho – eu diria quase delirante - sobre o exame médico pré-admissional e outras coisas, tudo de uma forma muito confusa e obscura: que não podia correr o risco de ser rejeitada naquele emprego por ser considerada inapta mentalmente pelos médicos do Tribunal; que só seria empossada se fosse julgada sã da cabeça e bastante competente para o exercício do cargo; que aquela maldita calcinha com enchimento iria prejudicá-la para todo o sempre, pondo tudo a perder; e que – por tudo quanto era mais sagrado nesse mundo, dissera ela afinal - aquele trabalho era-lhe de fato muito importante, pois se encontrava desempregada há quase dois anos; e, finalmente, que assim que o seu marido soubesse que ela perdera aquele emprego por um motivo desses com certeza que ele se separaria dela. E ainda daria um jeito de lhe tomar judicialmente os filhos!
Diante daquele palavrório desconexo, absurdo e insano, a nossa “vítima” não viu outra coisa a fazer senão recolher-se no último cantinho que lhe restara no banheiro e esperar que Deus tivesse dela a devida compaixão. No entanto, juntando uns retalhos de coragem que lhe haviam sobrado, buscou ainda desvencilhar-se da “louca da calcinha”, dizendo:
- Você deve estar ficando é maluca mesmo, louca de “jogar pedra”! A Administração do Tribunal não pode e nem deve de forma alguma permitir mesmo que você venha a trabalhar conosco. Você não é o tipo de gente normal e confiável para trabalhar aqui! De mais a mais, calcinha é coisa que não se empresta, é algo muito íntimo e pessoal minha senhora! Se você pensa que eu vou colaborar nesse negócio maluco, está muito enganada! E é bom mesmo que o Tribunal não dê posse a uma mulher com idéias tão repugnantes e esquisitas, tornara finalmente a repetir.
Entretanto – e apesar de todas as negativas da mulher – a nossa moça do bumbum postiço continuou insistindo até o momento em que – concluindo afinal que nada mais lhe restava fazer e que não conseguiria realizar por bem a troca das ditas calcinhas – se ajoelhou literalmente no chão do banheiro e segurou desconsolada a mão da servidora como se literalmente estivesse agarrando a última chance da sua vida.
Deixou então finalmente escapar algumas palavras numa voz embargada e chorosa:
- Por Deus, minha senhora! Pelo respeito que você tem pela sua santa mãezinha e pelo amor e os cuidados que te inspiram os seus filhinhos (e olhem que a moça do bumbum postiço sequer sabia se a servidora ainda tinha de fato uma mãezinha ou filhos para criar), troca de calcinha comigo, vai! Dê-me a sua calcinha pelo amor de Deus, gritou ela finalmente a plenos pulmões.
O fato - gentis senhoras e formosas senhoritas - foi que exatamente naquele momento duas outras colegas de trabalho da nossa funcionária em apuros entraram no banheiro e pegaram as duas senhoras naquela estranha e constrangedora posição.
Veremos em seguida o que aconteceu.
IV
Sabemos que certos fatos ou acontecimentos se espalham como um rastilho de pólvora pelo Tribunal. Da noite para o dia uma história ou personagem adquire brilho e evidência suficientes para que seja reconhecida por todos à luz do dia.
Para finalizar a nossa história basta que confidenciemos a vossas senhorias que três dias depois - na manhã em que fora definitivamente convocada para assinar o livro de termos de posse e a entrar efetivamente no exercício do cargo para o qual tanto se esforçara e se dedicara - todas as pessoas ali presentes e, entre elas, suas Excelências o Presidente, o Vice-Presidente e a Juíza Corregedora do Tribunal, já haviam ficado sabendo dos estranhos acontecimentos ocorridos dias antes naquele banheiro feminino.
Assim – tão logo a moça do bumbum postiço pôs os pés na sala preparada para a solenidade - ouviu-se um ligeiro burburinho e um exagerado ti-ti-ti de vozes e sorrisos camuflados.
- Aquela – soprava em ouvido alheio um sujeito trajando elegante terno escuro - aquela é a tal “moça da calcinha” - e começaram ambos a sorrir baixinho.
Finalizando, podemos concluir que muitas vezes o Senhor realiza de fato as nossas vontades e desejos, mesmo que indiretamente ou de uma maneira não muito ortodoxa. É ao que nos remete aquele velho ditado que diz que “deus escreve certo por linhas tortas”.
Pelo jeito foi exatamente isso o que aconteceu com aquela nossa nova colega de trabalho: tornara-se naquela solenidade o palco geral de muitos e muitos olhares lânguidos e suspirosos. E digo isso não apenas me referindo à curiosidade natural que a sua pessoa acabara despertando nos demais servidores, mas também e principalmente em relação ao seu bumbum postiço. Todos queriam observar se ela de fato se encontrava trajando naquele momento a sua tão famosa calcinha do bumbum extra. Alguns disseram que sim, outros que não: vai lá alguém saber ao certo!
Mas a verdade – distintos leitores e leitoras – a verdade é que aquela foi de longe e com certeza a posse e a entrada de servidores em exercício mais engraçada que já se viu neste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região.