Atentado em Praça Pública

O sol se punha no horizonte, o reflexo dos raios avermelhados era visto entre as nuvens e no grande rio que cortava a cidade. Sobre uma ponte um casal namorava observando o rasante dos pássaros em busca de peixes. A ponte levava a uma praça decorada com bancos de madeira rústica colocados entre árvores centenárias que proviam sombra, muita sujeira e um abrigo perfeito para mosquitos.

Um mendigo dormia em um dos bancos da praça, completamente alheio ao universo. Ele virou-se agitado em seu sono roncando sonoramente, o bolso de seu casaco esfarrapado virou-se deixando cair dele uma pequena caixinha dourada, que provavelmente roubara de algum lugar.

No lado oposto da praça um bando de jovens bebia, vodka barata, batidas de frascos plásticos e outras bebidas de baixa qualidade encontravam-se espalhadas entre o grupo. A risada alta de um deles ecoou após uma piada.

O mendigo assustou-se com a risada caindo no chão, despertando de seu sono. No desespero chutou a caixinha dourada para longe e ela perdeu-se no meio das folhas mortas e secas.

Ele amaldiçoou o bando que gargalhava de vê-lo espatifar-se no chão, e voltou a deitar no banco duro da praça, virando-se e caindo no sono amortecido pelo álcool que bebeu durante todo o dia.

Um dos rapazes do bando levantou-se do chão onde estava sentado escorando-se à perna de uma moça loura, e ao erguer-se trouxe consigo uma das garrafas de vodka.

- Quem quer brincar um pouco? – ele riu enquanto caminhava trôpego pela praça.

Três rapazes e duas garotas o acompanharam, rindo e tropeçando no caminho. Eles pararam em frente ao mendigo, que em seu sono pesado nem percebeu a aproximação do bando.

- Segurem-no! – ele comandou, e dois dos meninos seguraram o mendigo pelos braços mantendo-o firme no banco.

Os olhos esbugalhados de sono e susto do miserável eram suplicantes nesse momento, ele sabia que nada bom restaria daquilo tudo. Uma das garotas apanhou a garrafa da mão do rapaz e virou-a na boca do mendigo, que apesar de assustado preferia embriagar-se a pensar com clareza. Ele nem percebeu quando ela afastou o líquido molhando-lhe o cabelo, a face e as roupas.

A última gota caiu no exato momento que o rapaz mais velho riscava um fósforo para acender seu cigarro. Os garotos soltaram o mendigo enquanto ele tomava a garrafa da mão da moça, já embriagado tentando sorver alguma última gota do líquido sagrado. Eles caminharam alguns passos para longe do mendigo, o fósforo aceso descrevia uma rota em pleno ar, não havia brisa ou vento que pudesse apagá-lo, e ele caiu nos cabelos emaranhados do homem inflamando o álcool que ali havia sido derramado.

O mendigo sentiu o calor principiando próximo ao seu pescoço, a bebida barata continha mais álcool do que o previsto, e era muito mais inflamável que a vodka normal. Ele então soube que ardia em chamas, seus instintos lerdos e sua pouca inteligência não o colocaram em ação, e ele continuou parado, pasmo, enquanto sua roupa e sua pele começavam a arder em chamas.

Seu desespero ficou visível quando apalpou o bolso do casaco, não havia ali algo que ele procurava.

- Me devolve! – ele berrava em fúria.

- Cara doido! – um dos garotos riu enquanto tacava um fruto estranho na cabeça do mendigo que caiu de joelhos no chão e começou a cegamente tatear procurando sua caixinha.

- Eu prometi para mamãe! Me devolve! – ele falava, agora suplicante.

- Ai! Ele prometeu pra mamãe! – uma garota caçoou dele virando-se para partir.

- Espera, vai perder a melhor parte! – o líder comentou puxando-a pela cintura para perto dele.

- Qual parte? – ela perguntou.

- A que ele berra e geme de dor, e você fica excitada assistindo a cena.

- Não sou maluca como você! – ela retrucou.

- Não, provavelmente não, mas não se preocupe, darei um jeito de deixá-la excitada! – ele falou enquanto apalpava um dos seios dela, e com a outra mão erguia sua saia jeans.

- Sai! Me solta seu imbecil! – ela berrou desvencilhando-se.

Os outros apenas riram, caçoando dela, os berros do mendigo eram ouvidos a distância agora. O casal que namorava na ponte ligara para a polícia informando dos meliantes, mas eles não pareceram com pressa de ajudar o mendigo. A namorada afligiu-se ao ver a moça começar a ser assediada.

- Deus, ele vai estuprá-la! – ela falou choramingando.

- Ela pediu por isso. – o homem comentou abraçando a garota. – Venha, vamos embora, você não precisa assistir isso. – ele a abraçou envolvendo-a com o braço musculoso.

- Como você consegue? – ela questionou desapontada.

- Consigo o quê? – ele retrucou irritado.

- Não fazer nada, não se importar. E se fosse eu, se fosse sua irmã, ou alguém que você conhece não faria nada também? – ela desvencilhou-se do abraço parando a um passo de distância dele para observar sua expressão.

- O que você imagina que eu possa fazer? Eu sou forte, mas apanharia fácil para seis. Já chamamos a polícia, logo eles chegarão e a situação ficará sobre controle.

- Mas até lá aquele pobre homem e aquela garota estarão mortos ou muito mal.

- Ai você, me mete em cada enrascada! – ele falou enquanto virava-se para ir para a praça. – e você vá para aquele café e me espere lá!

O homem forte caminhou a passos rápidos retirando no caminho seu casaco de couro. Aproximou-se do mendigo e golpeou o fogo com o casaco ordenando ao velho que se tranqüilizasse e rolasse no chão, o mendigo pareceu entender e rolou como um bêbado louco procurando a salvação.

O bando percebeu o homem que aparecera, e riram do seu ato heróico. O líder parecia concentrado em manter-se dentro da garota que chorava, mas mesmo assim encarava com ferocidade o estranho.

- Solte-a! – o homem ordenou ao rapaz.

- Quem? Essa vagabunda? – ele puxou o cabelo dela fazendo-a chorar – por que você se importa com uma coisinha dessas? Ela não fará falta nem para a família dela! Vadia, bêbada e drogada!

- Não, eu realmente não me importo com ela, mas alguém que eu conheço se importa muito com o que acontecerá a essa garota! – o homem falou pensativamente.

Um segundo depois dois garotos voaram em direção dele com grandes galhos nas mãos, outro vestia um soco inglês e o quarto esbofeteava a garota.

O homem sabia que nada bom sairia daquela luta, então tratou de tentar se afastar para longe dali. Os garotos batiam-lhe nas pernas, braços e costas quando ele não conseguia esquivar-se ou defender-se. Ele deu mais um passo para trás e tropeçou no mendigo, batendo a cabeça na quina do banco duro e caindo desacordado no mesmo instante.

O som das sirenes não demorou a chegar à praça, o bêbado rolava louco no chão, a garota fora atirada indefesa em um canto, e o homem estava caído desacordado. O bando de arruaceiros desceu a rua correndo, entrando em becos onde não seriam encontrados.

“Homem estupra garota e incendeia mendigo na praça durante a noite passada! Preso em flagrante pela polícia local!”

A manchete circulava na cidade enquanto a moça chorava pelo namorado injustamente preso pela justiça.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 07/05/2009
Reeditado em 07/05/2009
Código do texto: T1580999
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