O Zé e as vassouras descartáveis *
* Baseado em fatos reais e publicado na coletânea Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras - Vol I.
E não e só no inglês que a gente tropeça. Tem também o espanhol. O chato é que, por achar a língua parecida com a nossa, a gente tem a impressão de que está entendendo tudo o que os hispânicos falam. E o Zé era assim. Era um tipo calado, quase não falava nada. Era o jeito dele mesmo, sempre, desde que vivera no Brasil. Tinha estudado pouco, mas não era nem por isso. Até que ele sabia juntar bem as palavras, com nomes e pronomes, sujeitos e predicados. O diabo é que quando a gente chega nessa terra tem que aprender tudo de novo. De pouca coisa valeeram as 'reguadas' que a gente tomou na escola; alguns até tomaram golpes de palmatórias para aprender “a lição” e tê-la sempre na ponta da língua. Era um tal de apanhar para nunca esquecer que 2+2 é quatro e que predicado é a ação do sujeito; e ai do sujeito se fosse omisso. Ou oculto!
E era assim no tempo do Zé, que tem pouco mais de 40 anos. Veio para a terra do Tio Sam para conquistar seu futuro e logo aprendeu que seu be-a-bá era inútil aqui. Seu primeiro trabalho foi de ajudante de pedreiro, profissão que já conhecia desde a sua adolescência em GV. Achou que ia ser fácil se dar bem, afinal conseguiu seu primeiro emprego com uns hispânicos, que o Zé sabia falarem quase parecido com brasileiros. E é parecido mesmo! Homem é hombre; trabalho é trabajo; mulher é mujer; dinheiro é dinero, ou plata; e trabajar para sobrevivir en este país es lo mismo para todos los imigrantes. E foi acreditando nisso que Zé “garrou mão” do seu primeiro trabalho na América: ajudante no brick.
O primeiro dia foi tranqüilo. Sabendo da sua inexperiência, o seu chefe, o homônimo Jose, foi paciente. Explicava tudo devagarzinho e mostrando todas as dicas do trabalho. Quando a linguagem é visual fica mais fácil, né?
Zé foi acompanhando tudo. Era um tal de “tu sacalo daqui e ponelo ala; arriba e abaja; andate, apressurate” e muitas outras palavras que Zé foi aprendendo assim, de um golpe só. Chegou em casa naquele dia cansado, mas satisfeito. Tinha “dado conta” do serviço sem muitos atropelos; com a preocupação de não se perder naquele mundo completamente novo, mas sem ter caído em incidentes. Dormiu feliz e satisfeito, confiante no seu futuro na América.
Mas o futuro lhe reservava uma primeira lição: se chamamos nosso próprio de idioma de “língua mãe” é porque os outros são madrastas.
E no seu segundo dia de trabalho Zé ouviu sua primeira ordem:
- Varre tudo e o lixo você põe lá! - disse o patrão, apontando para o final do terreno. “Lá” era uma lixeira enorme. E Zé, obediente, começou sua labuta. E toda vassoura que usava, jogava no lixo. Era um tal de varrer aqui, acolá, e jogar a vassoura fora. Teve uma hora que chegou a ficar preocupado, porque já tinha jogado três vassouras e só restavam poucas. A sujeira era pesada; era lixo de construção; a cada duas ou três varridas lá se ia uma vassoura. Mas continuou seguindo as ordens do chefe! Afinal, como já tinha se dado conta, esse tal de Tio Sam não era judeu; era um desperdiçador, que só ensinou seus “sobrinhos” a gastar e não a economizar. E quase no final do dia, quando já se preparava para descansar do árduo trabalho, ouviu os berros do seu xará:
-“Que hiciste hombre? Donde estan las escovas? Porque las botassen?”.
- Mas foi o senhor que mandou -, retrucou Zé, já nervoso e preocupado, com medo de perder seu trabalho. E começou a se explicar para o chefe:
- O senhor me disse: “las basuras ponelas alla”.
E Jose, que logo entendeu o engano, não se conformava. É que Zé, coitado, com seu português aprendido sob palmatórias e lembrando da avó sempre pedindo a alguém para “pegar a bassôra”, achava que “bassura” era vassoura em espanhol.