ACONTECEU NO CORPO DE BOMBEIROS DO DF
"EM CASA DE FERREIRO, O ESPETO É DE PAU!
O fato que ora passo a relatar ocorreu dentro de uma instituição cujo lema é “Vidas alheias e riquezas salvar”. Quero acreditar que o ocorrido não seja mais uma constante no CBMDF, foi um triste episódio, o qual acredito não ter mais espaço dentro dessa instituição composta de heróis, de seres humanos que dedicam suas vidas em prol de outras. Assim, manterei os nomes dos personagens reais, para que sirva de exemplo, por entender que merecem a lembrança dos seus infelizes procedimentos nocivos à Corporação de Bombeiros Militar.
Maio de 1979 – 1º Grupamento de Incêndio do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, localizado no final da Av. W3 Sul.
Por volta das 18h30min, logo após o jantar, os Bombeiros que se encontravam de serviço, dirigiram-se aos alojamentos respectivos, ou seja, dos Oficiais, Subtenentes e Sargentos e o dos Cabos e Soldados.
O Cabo Rubens, conhecido popularmente como “Rubão”, encontrava-se no alojamento com os demais colegas, quando o Soldado Alencar chegou à porta do alojamento e avisou:
“- Cabo Rubão, telefone pro senhor na telegrafia!”
Neste momento, o Cabo Rubens levantou-se do velho sofá onde assistia TV com mais alguns companheiros, agradeceu ao Soldado Alencar e em seguida, dirigiu-se à telegrafia.
- “Alô... sim, é ele! Quem fala? Olá Johnson, mande as ordens!”
Neste momento, o cadete BM Johnson, que está do outro lado, lhe diz:
“- Cabo Rubens, é o seguinte, dê um jeito de vir rápido com a ambulância para levar seu filho ao hospital que ele não está muito bem.”
"- O que ele tem?"
“- Não sei muito bem, mas pelo quadro que ele apresenta, acredito que seja problema respiratório, tipo dispnéia...”
"- Ele está aí com você?"
"- Não, ele está na casa do Soldado Enfermeiro Rosivaldo!"
"- Valeu Johnson, já estou indo. Só vou falar com o Oficial de dia e providenciar a ambulância."
Em seguida, o Cabo Rubens foi até o alojamento dos Sargentos e relatou o fato ao Sargento-BM Alcir, adjunto, que após ouvi-lo perguntou ironicamente:
"- E aí, Cabo Rubens, o que você quer que eu faça?"
"- Que o Senhor comunique ao Oficial de dia e solicite a ambulância da Policlínica para buscar meu filho e levá-lo ao hospital, só isso Sargento!"
"-Só isso? Está bem, pode descer que já estou indo em seguida!"
Cumprindo a determinação do Sargento adjunto Alcir, o Cabo Rubens desceu e ficou aguardando sua boa vontade ao lado da telegrafia.
Passaram-se vários minutos e nada de o adjunto aparecer. Impaciente, em face da gravidade do que lhe fora passada pelo telefone, o estado emocional do Cabo Rubens se agravava com a má vontade do Sargento, fazendo com que retornasse até o alojamento e cobrasse uma maior agilidade do adjunto.
Deparando com o Sargento, que assistia TV no alojamento, perguntou:
“- Sargento Alcir, com licença! Estou esperando. O senhor pode ir comigo falar com o Capitão Cardoso?”
"- Pô... Cabo, você é muito chato, sabia?"
"- Como é que é? Chato? O Senhor me respeite Sargento, chato porque não é seu filho que está doente ou passando mal."
Em seguida, o Sargento foi até à telegrafia, conversou com o telegrafista e depois foi até o alojamento do Oficial de Dia, Capitão-BM Cardoso. Lá, permaneceu durante algum tempo e voltou logo para a telegrafia, onde ficou escrevendo por alguns minutos em uma prancheta de mão. Indignado com a má vontade do Sargento, o Cabo Rubens foi até a presença do Capitão e lhe disse:
"- Capitão Cardoso, com licença! Acredito que o Sargento adjunto já tenha falado com o senhor sobre o telefonema que recebi do Cadete Johnson informando que meu filho está passando muito mal e que precisa ser removido para o hospital. Tudo indica que seja grave."
"- Já sim, por quê? Você não pode esperar? Está com pressa?"
"- Capitão, não se trata de estar ou não com pressa. O problema é que meu filho está passando muito mal e tenho de ir a minha casa dar assistência a ele."
"- Ir em casa? Para que e por quê? Por acaso você é Médico?"
"- Capitão, eu nem sei o que falo pro senhor! O senhor sabe que não sou médico, mas sabe que sou pai, assim como o senhor; o senhor acha que tenho condições psicológicas para ficar aqui de serviço, dirigindo uma viatura de socorro como se nada tivesse acontecendo com meu filho? O senhor e o Sargento Alcir devem estar brincando comigo!"
"- Não! Não estou brincando. Portanto, pode se retirar e aguarde bem calminho! Não adianta você ficar nervosinho, porque não vai adiantar nada. Espere lá embaixo que o adjunto vai resolver!"
Constrangido e inconformado com a situação, o Cabo Rubens se retirou da presença do Capitão, visivelmente transtornado e sem entender a atitude e o procedimento contrário à missão de Bombeiro por parte de um oficial e do sargento do bombeiro.
Após aguardar, infrutiferamente, por mais de 5 minutos, o que lhe parecia uma eternidade, adentrou à telegrafia e solicitou, via rádio, que o enfermeiro da Policlínica viesse em caráter de urgência com a ambulância até o seu quartel, 1º GI, com prioridade 1, para transportar um paciente ao hospital.
Passado alguns minutos, chegou a ambulância com o Cabo Enfermeiro Azevedo, logo interpelado pelo sargento adjunto, que lhe perguntou:
"- Cabo Azevedo, quem mandou você vir com essa ambulância pra cá?"
"- Sargento, estou apenas atendendo a solicitação que recebemos, via rádio, para vir transportar um paciente com prioridade. Só isso."
"- Sargento, fui eu quem solicitou a ambulância." Disse o cabo Rubens.
"- Com ordem de quem?" Perguntou o adjunto.
"- De ninguém, sargento. Ou melhor, minha mesma. O senhor e o Capitão Cardoso estão achando que estou brincando, né? Eu não estou de brincadeira. Meu filho está com problema, e pelo que me foi informado, ele está mal e eu tenho que ir para casa acompanhá-lo até o hospital."
Nesse momento, chega o Capitão e diz:
"- Quem mandou você solicitar a ambulância? Com ordem de quem?"
"- Capitão, já tem mais de trinta minutos que estou esperando uma solução dos senhores, e nada; eu tenho que ir para casa prestar socorro ao meu filho e levá-lo ao hospital. Dá pro senhor entender?"
"- Prestar socorro? Pelo que me consta, você é motorista, e não médico. Dê o endereço ao enfermeiro Azevedo que ele vai levar seu filho ao hospital, e trate de não alterar-se."
"- O senhor quer dizer que não vou?"
"- Claro que não! Você está de serviço, esqueceu? E eu já te falei que você não é médico. Deixe que o enfermeiro sabe o que fazer."
"- Capitão, o senhor já me falou isso várias vezes; o senhor sabe que não sou médico, mas sabe que sou pai, e que meu filho está enfermo e não vou ter condições psicológicas de conduzir uma viatura de socorro nesse estado, sem saber o que está realmente acontecendo com ele."
"- Cabo, eu já falei que você não vai, e ponto final; e vê se para de dar alteração, senão você ainda vai ficar é preso."
"- Capitão, quer saber de uma coisa? Pode ficar com sua ambulância e faça um bom proveito dela. Eu estou indo dar assistência a minha família e ao meu filho. Estou cansado de sair daqui com o carro de socorro para tirar gato de telhado, apreender macaco, retirar pessoas presas em elevador e transportar pacientes diversos para hospitais, a qualquer hora do dia e da noite, e quando minha família precisa da minha presença, vem o senhor dizer que não sou médico? Isso é um despautério!
Tem mais uma coisa, É bom que o senhor e o Sargento Alcir rezem para que o pior não aconteça com meu filho em face dessa demora, pois, se ele morrer ,ele não vai sozinho, não!"
Em seguida, o Cabo Rubens sobe as escadas em direção ao alojamento e, completamente desorientado e consternado com a situação, retira a farda de serviço, veste a de folga e desce as escadas, passando entre o Capitão Cardoso e o Sargento adjunto Alcir, que conversavam ao pé da escada.
Nesse momento, pairou um breve silêncio entre eles, e todos os demais bombeiros que ali se encontravam presenciando aquele lamentável episódio, sem nada poderem fazer.
Por sorte, digamos assim, ao chegar ao ponto de ônibus que fica em frente ao quartel, ia passando um ônibus, em direção à rodoviária, dirigido por um amigo do Cabo Rubens.
"- E aí Rubão, tá indo pra onde?" Perguntou o motorista.
"- Meu camarada, estou indo ao Hospital de Base, ver se consigo uma ambulância para buscar meu garoto no Setor “O”, pois segundo um colega que me ligou há pouco, ele está passando muito mal."
"- É com nós mesmo. Xá comigo, negão! Se segura que vou pisar fundo. Daqui prá frente só para prá descer!"
Chegando ao início do Eixinho Sul, no ponto em frente ao Banco Central, o Cabo Rubens agradece o empenho do seu amigo motorista, desce do ônibus correndo, e no mesmo pique atravessa o Eixão, chegando rapidamente ao Hospital de Base de Brasília.
No balcão de atendimento do Hospital:
"- Boa tarde! Estou precisando urgentemente de uma ambulância para transportar uma criança que está mal, lá do Setor “O”. Com quem devo falar?"
"- Bombeiro, quem autoriza a saída de ambulância é o chefe do plantão."
"- E quem é o chefe do plantão?"
"- É o Dr. Fernando. Ele deve estar na sala dos médicos, no primeiro andar."
"- Como faço pra chegar lá?"
"- No final do corredor tem uma escada: Suba! e ao chegar ao primeiro andar, é a segunda sala ao lado direito, após o refeitório."
"- Valeu, muito obrigado!"
Chegando rapidamente ao local indicado, o Cabo Rubens depara com quatro senhores, supostamente médicos, e:
"- Senhores, boa noite! Estou precisando falar com o Dr. Fernando."
Sorrindo, um deles responde: "- Sim, está falando com o próprio. Não vai me dizer que está pegando fogo no prédio!"
"- Não, senhor. Não tem incêndio no prédio. O problema é um tanto pessoal, e pra mim está tendo a mesma intensidade que um incêndio! É que me encontro de serviço aqui na área, no quartel da Asa Sul, e acabei de receber um telefonema dizendo que meu filho está muito mal. Eu moro no Setor “O”, e tenho que buscá-lo. Como o senhor sabe, o Setor “O” é muito distante para ir de ônibus, ainda mais hoje, sendo domingo. Assim, estou precisando que o senhor autorize uma das ambulâncias para transportá-lo."
"- Cadê a ambulância de vocês? Pelo que me consta, o que não falta no Corpo de Bombeiros é ambulância!"
"- Realmente, mas não são tantas assim. Temos algumas baixadas, em manutenção, e a que atende essa área está empenhada em um socorro na estrada que vai pra Goiânia."
"- As ambulâncias aqui do Hospital de Base são só prá atender o Plano Piloto; aqueles lados de Taguatinga, Setor “P” e Setor “O” são com o Hospital de Taguatinga ou da Ceilândia, mas em todo caso vou liberar pra você. Pode descer que vou ligar para o motorista te pegar em frente ao pronto socorro."
"- Valeu Dr. Fernando. Muito obrigado! Bom plantão pros senhores e uma boa noite!"
Chegando em frente ao pronto socorro, o motorista da ambulância já estava aguardando.
"- Boa noite, meu amigo. É você que vai comigo ao Setor “O”?"
"- Sim, eu mesmo. Acredito que pela Via Estrutural é mais rápido, né?"
"- Acredito que sim. Tem menos trânsito!"
Rapidamente, chegaram à casa do Cabo Rubens, onde encontraram seu filho, Toninho, aos cuidados do seu colega, soldado enfermeiro do Corpo de Bombeiro Rosivaldo. Logo foi transportado para o Hospital de Base de Brasília, onde foi medicado e submetido a um exame de eletrocardiograma, sendo diagnosticado que se tratava de “sopro no coração”.
Após o atendimento médico, o Cabo Rubens ligou para o quartel e pediu ao telegrafista que comunicasse ao Sargento adjunto que ele se encontrava de saída do hospital em direção a sua residência para deixar sua esposa e filho, e que em seguida retornaria ao quartel.
Chegando ao quartel, por volta das 23h30min, foi informado pelo adjunto, Sargento Alcir, que daquele momento em diante não poderia se ausentar do alojamento por determinação do Capitão Cardoso, pois se encontrava detido.
Sem responder uma palavra, dirigiu-se ao alojamento, cumprindo a determinação do Sargento adjunto.
Na manhã do dia seguinte, recebeu determinação do adjunto para embarcar na viatura APS-03, um velho fusca, viatura que transportava o Comandante da Unidade, no qual foi levado ao Quartel do Comando-Geral para ser ouvido em audiência pelo Comandante, Coronel-BM Rodrigues. Esse, de posse da parte disciplinar que o Capitão Cardoso lhe enviara, perguntou-lhe na presença do Capitão Pereira que se encontrava no gabinete:
"- Pois bem, Cabo Rubens, o que você tem a dizer em sua defesa a respeito desta parte do Capitão Cardoso?"
"- Coronel, eu não tenho ciência do que o Capitão escreveu. Só posso responder após ficar sabendo o que foi participado!"
"- Está certo. Ele diz aqui que você se evadiu do quartel sem motivo, ou seja, após ele já ter determinado a ambulância e o Cabo Enfermeiro Azevedo para prestar socorro ao seu filho. Com isso, deu mau exemplo aos seus pares e subordinados, infringindo o Regulamento Disciplinar, estando incurso em artigos que qualificam essa falta como grave. Assim sendo, eu não posso te dar menos de 30 (trinta) dias de detenção."
"- Coronel Rodrigues, com todo respeito, eu gostaria de saber o que o senhor faria se neste momento entrasse um telefonema avisando que um de seus filhos estava muito mal de saúde e que sua esposa não tem condições de transportá-lo? O Senhor continuaria aqui, como se nada estivesse acontecendo?"
"-Coronel, eu estou aqui trabalhando em prol da minha família assim como o senhor. Se ela precisar de mim, esteja eu onde estiver, irei atendê-la. Nosso lema aqui no Corpo de Bombeiros é: “Vidas alheias e riquezas a salvar, até com o sacrifício da própria vida”, não é? Portanto, com minha família não seria diferente. Se minha família precisar de mim, estou pronto pra pagar o preço. Esteja eu onde estiver, irei atendê-la e, digo pro senhor, se voltasse o tempo, eu faria tudo novamente."
Nesse momento, o Cap.-BM Pereira, que estava presente, vira-se para o Comandante e diz:
"- Coronel, o senhor está vendo só como esse Cabo é folgado? O Senhor tem que puni-lo severamente. Caso contrário, como o Cardoso vai ficar perante a tropa?"
"- Certo, Capitão. Quer dizer que sou folgado. Se fosse com seu filho, o que o senhor faria?"
Nesse momento, o Coronel Rodrigues, envolvido pela controvérsia e indiretamente pressionado pela situação e pelo Capitão Pereira, vira-se para o Cabo Rubens e diz:
VOCÊ DECIDE O FINAL
Antes de ler o final, responda: qual seria sua atitude, caso você fosse o Comandante?
FINAL VERÍDICO:
- Cabo Rubens, pode se retirar. Retorne ao 1º GI e aguarde o Boletim.
No mesmo dia foi publicado no Boletim do Corpo de Bombeiros, na 4º Parte (Justiça e Disciplina),
“O Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, no uso das suas atribuições regulamentares e institucionais, em face do que consta na parte subscrita pelo Capitão Cardoso, resolve, punir com 15 (quinze) dias de detenção, o Cabo Rubens de Araújo Lima.”
FINAL OPCIONAL:
- Cabo Rubens, a partir de agora você está dispensado por 05 (cinco) dias para dar assistência ao seu filho. Fale com o motorista que o trouxe para levá-lo em casa e fique tranqüilo que vou conversar com o Capitão Cardoso. Melhoras para o seu filho. Como é o nome dele?
- Toninho: Antônio Lindemberg Matos de Araújo Lima.
Fale com o Toninho que o seu Comandante está mandando um abraço e torcendo pela melhora dele.
Muito obrigado, Coronel. Permissão para me retirar.