A Viagem de Trem
O Bitica ia viajar pela primeira vez.
- Quanto tempo dura a viagem? – perguntava, curioso.
- Monte de horas.
- Demora muito mesmo! – afirmavam os amigos, tentando amedrontar o companheiro.
- Mas, homem! Se precisar da casinha? Como é que faço? Tem nalgum vagão?
- Que casinha? – perguntavam os gozadores, rindo da ingenuidade do gaúcho.
- A casinha, né? Do desaperto! Do xixi e outras coisas mais.
- Que outras coisas mais? – insistiam.
- Obrar, tchê! – falava meio encabulado. – Casinha pra obrar.
- Ah! Isto existe. Na parte de trás.
- É bom que tenha! Quando viajo de carreta é só ir ao mato e pronto.
No dia da viagem, o Cascudo, peão mais acostumado com o modernismo, fazia-lhe companhia.
Por incrível que pareça o trem partiu no horário. Algum tempo depois, os vagões serpenteavam pelos trilhos, cortando rapidamente a distância. Os viventes, sentados nos bancos de madeira do vagão de segunda classe, esperavam o tempo e a viagem passar.
De repente, o Bitica voltou-se e sussurrou ao pé do ouvido do amigo.
- Tô necessitando, tchê!
- O quê? – perguntou o Cascudo, falando forte.
- Barbaridade! Fala baixo, vivente! – ponderou, envergonhado.
- Então diga lá.
- Tô apertado. Onde é a tal da casinha? Aquele lugar pra gente...
- Vai ao fim do vagão – explicou o Cascudo, apontando com o dedo.
O Bitica foi. E logo, logo estava de volta.
- E então?
- Não deu. A casinha estava com a porteira fechada. Bati e ...
- E daí?
- Gritaram lá de dentro: tem gente.
- Vamos esperar, então!
- Não dá. O sujeito que tá lá dentro avisou que ia demorar.
- Tá bom. Entonces te aperta, criatura.
- Não dá! – grunhiu o Bitica, com a cara mais desesperada do mundo.
- Como não dá?
- Não agüento mais!
- É coisa mole?
- Não, dura! Oito dias que tô trancado!
- A la pucha! Então vamos – convidou o Cascudo. – Te levo lá.
Em frente ao banheiro, os viajantes constataram que estava ocupado.
- Tem gente! E vou demorar – ouviram, ao baterem na porta.
- Não falei? – avisou o Bitica.
- Vais ter que esperar!
- Compadre, não agüento mais – repetiu o Bitica. – Tô carecendo...
Foram olhar no último vagão e notaram que existia um gaúcho aboletado num banco, dormindo tranqüilamente. Campearam daqui, procuraram dali e não acharam nenhum banheiro. Foi aí que o Cascudo teve uma idéia.
- Pode desapertar aqui neste vagão.
- E aquele gaudério lá à frente?
- Tá dormindo. Não vai ver nada.
- Onde é que vou obrar, compadre? No chão?
- Claro!
- Bah! Fica chato, não é, compadre? Não fica bem.
- Então faz na janela.
- Na janela, tchê? Como?
- Fácil! Abre o tampo e coloca a recavém nela.
- Recavém? Que...
- A bunda, tchê!
- Ah!
Dito e feito. O Bitica agarrou-se num banco, colocou o traseiro na janela e começou a aliviar-se.
Num certo momento, o comboio passou em Vila Velha. Na estrada que cortava a linha férrea estavam postados o doutor Policarpo e o Coronel Lindório. Enquanto esperavam, observavam o correr muito rápido dos vagões. Quando o último estava passando, o coronel olhou a janela e exclamou:
- Barbaridade, compadre! Olha na janela do trem.
- O que, vivente?
- Aquel careca de rosto grande?
- O rosto e a careca não é nada! – completou o médico – Mais admira é o enorme charuto que ele tá fumando.
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