CHUVA DIFERENTE
Naquela manhã de chuva fina havia um grande reboliço na fazenda do coronel Lindório. Alguns peões, os mais alevianados, estavam consertando o telhado da casa-grande. As telhas eram substituídas por outras, recém-chegadas da olaria. Os conchavados eram comandados pelo sota-capataz, um velho peão já alquebrado pelo duro trabalho do campo.
Na varanda, duas velhotas conversavam, distraídas.
- Bah, comadre! Como tem chovido ultimamente, né mesmo?
- É!
- Chuva da grossa. Uma barbaridade.
- Daquelas tri!
- Chuvisco também, não?
- É, chuvisco. Garoa.
- Chuva com vento. Às vezes forte.
- Lembro bem da última borrasca.
- Não, comadre, borrasca não é chuva.
- Borrasca é...
- Borrasca é quando as crianças borram nos cueiros...
- Comadre, fica quieta! Borrasca é tempestade e pronto.
- Como quera! Tá bem, se dizes...
- E chuva de gelo?
- Granizo. Já levei muito granizo no lombo. Pedra grande, pedra pequena.
- Pois te falo. Certa feita uma chuva desta caiu nas minhas paletas.
- Comadre, de já hoje me contaram sobre uma chuva de peixe.
- Peixe?
- É, peixe! Será que chove peixe?
- Em mim, nunca. Isto deve ser história de pescador.
- Não acredito. Só vendo!
- E canivete, chove?
- Não, comadre, “chover canivete” é uma expressão.
- E toró, existe?
- Sim. É uma chuva muito forte, curta e repentina. Com ventania.
- Eu, por exemplo, conheço um monte de tipo de chuva.
- Diz então, comadre!
- Chuva-criadeira é uma chuva fina que molha devagarinho a terra.
- Cuê-pucha!
- Tem outra chuva, que não tem nada que ver com água.
- Ala fresca!
- Aliás, tem três.
- Três? Quais?
- Chuva de papel picado. Dizem que é chuva, mas não tem água.
- Barbaridade, comadre! Verdade!
- Tem chuva de balas, nos tiroteios lá nos surungos do alemão Traba.
- Ai-cuna! Certo!
- Tem chuva de meteoro. Não tem água, mas uns e outros dizem que é chuva.
- É verdade, comadre. Mas como é mesmo que tu entendes tanto de chuva?
- Lendo, mulher! Para encurtar, te digo que o homem pode fazer chuva.
- A la pucha! Olha as mentiras.
- Verdade. É a chuva artificial. Jogam uns trecos nas nuvens e logo depois a chuva aparece.
Uma das velhotas olhou pela janela e verificou que a chuva persistia. Sentou-se na poltrona e, com uma olhar matreiro, perguntou:
- Chove homem, comadre?
- Acho que não. Pelo que sei... – respondeu, envergonhada e escondendo o rosto com as mãos.
Neste mesmo instante, de supetão, o sota-capataz, ao quebrar uma das telhas, varou a cobertura e caiu bem no colo de uma as velhotas. E esta gritou:
- Comadre, tá chovendo homem!
E olhando para o peão, todo sujo de picumã, jogou o dito-cujo no chão.
A outra, desconfiada, perguntou:
- Por que jogaste o vivente no chão, comadre?
A mulher, com a cara mais sem-vergonha do mundo, olhou para o velhote aplastado no chão, meio azonzado. E respondeu:
- Este sujeito aí é muito feio. Se vai chover homem pra mim, que chova um mais bonito.