Agora é com Zé

 Nunca fui adepto a magia negra, tampouco quaisquer crendices que “ressuscite” e manifeste espíritos que outrora descansam em algum lugar do além. Confesso que sou um tanto medroso a qualquer “aparição” que não provenha de nosso mundo, meus livros e filmes prediletos certamente não têm em seu enredo vampiros, fantasmas ou algum sortilégio de natureza macabra. Mais foi um fato desses que me impressionou ainda menino, e não esqueço jamais. 
  
 Primeiro por sua encenação dramática, carregada de gestos e ritos espirituais, depois pelo desfecho, não sei se por ainda não levar as coisas a sério, chorei de tanto rir ao ver o fim daquela cerimônia sobrenatural.
  
 Era mês de fevereiro, o ano não me recordo bem, mas acho ser oitenta e seis ou sete; estava em Olinda vendo carnaval de rua. Aquela época moravamos em Paulista e combinamos com a gurizada então de ir ver o pessoal do frevo e maracatu.
  
 Lá pelas tantas, já não recordo às horas, mas lembro que estava anoitecendo, formou-se uma roda e ao longe avistamos aquela mulher se contorcendo. Corremos em disparada e nos infiltramos em meio ao povão para ver do que se tratava. Confesso que jamais havia visto “baixar” espírito em nenhum mortal, mas naquele dia presenciei aquela senhora manifestando uma legião deles. 
  
 Carregava uma boneca nos braços e cantava canção de ninar. Ouvi alguns dizerem que se tratava de Êre, como não sabia de quem falavam preferir sorrir ao espetáculo dado naquela tarde. A dona brincava como criança ao ganhar seu primeiro brinquedo.
  
 Em seguida chamou um camarada da platéia e disse conhecê-lo. Falou algumas coisas aos seus ouvidos e depois em voz alta disparou a incitar o pobre rapaz. Logo ele estava em prantos, escutei alguma coisa sobre sua companheira e que ela não lhe queria bem, o pobre moço saiu de nosso meio arrasado. 
 
 Naquela altura do campeonato, eu e meus amigos, aplaudíamos a “feiticeira”. Ela vez ou outra mudava o tom de voz do grave ao agudo como que se houvesse um amplificador em suas cordas vocais e não estava nem aí para aquele bando “caçoadores”.
 
 Finalmente ela tira um charuto da bolsa, acende e começa a cirandar de um lado ao outro, contorcendo-se em uma balada circular. Entre um trago e outro, aquela dança nos deixava eufóricos. 
 
 De repente, entra na roda um rapaz negro e começa a praguejar contra a dançarina dizendo que iria dar um jeito na tal “Pomba Gira”. Entreolhamo-nos temendo o que seria feito por aquele homem, ele dirigiu-se até ela e segurou-lhe os braços, e como se tomasse um choque de 380 volts, foi arremessado ao chão. 
 
 Aos poucos, ele recobra a consciência e levanta-se lentamente. Novamente vai a direção a mulher, toma-lhe o charuto e diz ao público, agora é com Zé.
 
 Alguns estarrecidos comentavam o tal Zé Pelintra, e dizia que ela havia invocado-lhe para fazer companhia. Naquele instante não nos contentamos e gargalhávamos sem saber se houvera ou não perigo aquela aventura. Nunca soubemos se aquilo era alguma peça ensaiada ou realmente uma passagem do outro mundo. Enfim ficara na memória o pavor de espíritos e aparições do além.

 
Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 04/04/2009
Reeditado em 17/05/2015
Código do texto: T1522720
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