58 horas

58 horas – Parte I

Decidi ir, não me importando para onde, apenas ir, IMPRETERIVELMENTE SÓ.

Rumo à linha de chegada desconhecida, mas seguindo as estradas do coração e essas costumam oferecer opções muito além da malha rodoviária brasileira.

Montar a mala foi bem fácil... não estava certa se chegaria ao campo ou às montanhas. Como fazer a mala?

Sexta-feira:

7:00 a.m. – Coloco na mochila três confusas mudas de roupas, um livro e um caderno em branco.

7:45 a.m. – Sigo para o trabalho.

6:00 p.m. – Preparo a trilha sonora da viagem- Jason Mraz, Turkish Groove, Móveis Coloniais de Acaju, Trilha de Quem quer ser o milionário, Chico Buarque e Ney Matogrosso.

07:00 p.m. – Desligo o celular, tiro o chip dele, passa a ser apenas um pequeno aparelho de som.

07:02 p.m. – Pego a revista Rolling Stone do meu amigo de baia - leia-se big boss -, coloco na bolsa.

07:30 p.m. – Passo na faculdade para dizer Oi e Tchau.

07:40 p.m. – Entro num táxi rumo ao metrô mais próximo. Bato papo com o motorista. Dekassegui, chegado de volta a São Paulo há 4 meses, após uma temporada trabalhando no Japão.

07:55 p.m. – Saio do táxi com uma cantada e com o primeiro contato dessa viagem. Ele anotou telefone, e-mail e nome, Fabio, caso eu quisesse marcar algo... UMA CORRIDA COM O TAXÍMETRO DESLIGADO E DESTINO INCERTO? Apenas sorri.

08:30 pm – Passagem nas mãos. Destino: PARATY. Horário:11:30 p.m. Poltrona: 07.

Nunca foi tão gostoso passar três horas esperando por algo.

Vaguei por todos os cantos da Rodoviária do Tietê, de tanto beber água de coco tive que seguir para o banheiro. Foi nessa hora que me veio à mente a Lã - minha amiga diva, de olhar penetrante e frases de efeito - dizendo:

― Sim, existe banheiro gratuito no Tietê e é tão limpo quanto o pago, só não é sinalizado.

Na ocasião, eu até perguntei onde era, porém é óbvio, não lembrava. Andei de um canto ao outro e ACHEI.

Cheguei a pegar o celular, achar o telefone da Lã na agenda, para como sempre, darmos risadas das minhas trapalhadas. LC QUERIDA, VOCÊ DECIDIU QUE A PALAVRA DESSA VIAGEM SERIA SILÊNCIO, LEMBRA? Tudo bem, nem queria mesmo, tenho a vida inteira para contar essa história.

Cansada de vagar pelas lojinhas, em busca de presilhas de flores – meu vício para enfeitar os cabelos -, sentei, ouvi música, li metade da revista e sorri muito.

Na reportagem de capa, U2; eu lia The Edge para lá, The Edge para cá, e pensando que em inglês isso é mais ou menos como: A Puta, O Vizinho e O Monstro – e nesse texto vos apresento A Mente, ela é quem fala em letras garrafais uma frase inteira. Peguei o telefone para dar chilique com minha revisora querida Carol. Posso ter meus personagens com A, O e o que mais eu quiser, se o U2 tem o The Edge.

NÃO VAI LIGAR MERDA NENHUMA, RESPIRA.

11:20 a.m. – Entro no ônibus, um rapaz bonito entra também, torço para ele sentar ao meu lado, ele não senta, aliás ele nem olha na minha cara.

11:32 a.m.– O ônibus se movimenta, então LÁ VAMOS NÓS.

O caminho todo foi de cochilos pingadinhos. A cada abertura de olhos, eu via pela janela algum lugar cheio de lembranças. O lugar na estrada onde sofri um acidente com a família, e depois fiquei durante três meses com uma fratura a me perturbar; o restaurante onde um paquera comprou vários chocolates para eu escolher o que mais gostava; aquele bairro onde morei um ano ainda casada; HUMMMM, a padaria do posto de gasolina, onde tem o pão mais maravilhoso do universo...

01:30 a.m – Para o ônibus:

― Quinze minutos para uma água e esticar as pernas – diz o motorista.

Eu fico lá pensando, quem gostaria de esticar as pernas há essa hora? VOCÊ SUA ANTA. E SE NÃO USA O BANHEIRO DO BUS, É MELHOR USAR O DESSE LUGAR. SÓ PARA LEMBRÁ-LA TRÊS PALAVRAS: Á-GUA DE CO-CO. E lá vou eu para um pipi básico.

01:45 a.m. – Voltamos à estrada.

Vejo o lugar onde amigos e família compramos um cacho de banana para comer no carro de Ubatuba a São Paulo; o primeiro hotel de praia onde fiquei hospedada na vida; Praia do Lázaro onde tem aquele moço lindo de alguns carnavais.

E DE REPENTE, tudo começa a ficar novo, nunca tinha passado por aqueles lugares, não havia NADA do que me lembrar. UM NOVO MOMENTO, ALGO NOVO PARA VIVER.

04:25 a.m. – O ônibus estaciona em Paraty.

Haviam me falado da existência do ponto de táxi 24hs ao lado da rodoviária. Realmente o ponto era 24, só não tinha táxi nele.

Eu e mais uma pessoa esperamos algum carro ou cavalo aparecer, mas NADA. Começamos a conversar.

04:45 a.m. – O táxi chega, um só táxi e duas mulheres para o mesma avenida, apenas alguns números de distância...

04:55 a.m. – Ela desce do táxi.

Essa foi a Cynthia, uma mineira linda que vive São Paulo há 5 anos e veio encontrar com o namorado também mineiro, morador de Minas Gerais.

04:58 a.m. – Eu desço do táxi.

Papelzinho na mão e a lembrança da moça do hostel me dizendo:

― O quarto fica na casa ao lado do hostel, fica parada ali na frente e vai ver a sua direita – ou ela falou esquerda? – uma casa com varanda em cima, é nessa casa.

Eu não queria ficar em um quarto coletivo, no Brasil, diferentemente da Europa, ainda há muito preconceito nesse sentido e sou parte dos babacas que acham que isso é meio zona, então fiz questão de um quarto só meu, mas só a vizinha tinha o tal quarto e eu usaria o espaço social do hostel.

05:00 a.m. – Eu paralisada olhando para direita e para esquerda.

Casa varandada de um lado e do outro. AAAAAAAAAAAAAAAAAA.

Pensei de novo na moça dizendo:

― O portão estará aberto, assim como o quarto, basta você entrar.

SE MEXE PLANTA, FICAR PARADA NAO MUDA NADA.

Ouvindo as ondas do mar, eu fui para a esquerda.

Portão aberto, quarto 3 também aberto, entro e lá vem a lembrança:

― Léia, o quarto é bem simples, é uma casa de uma senhora de idade, mas é só para você dormir e tem um banheiro só seu.

Olhando em volta, eu tiver certeza: LUGAR ERRADO.

05:10 a.m. – Na rua novamente e rindo feito uma hiena.

Fiquei lembrando de ter comentado com a moça do hostel:

― Por favor, caso troquem de quarto me avisem no celular – que celular? – pois imagina a cena de eu entrando em um quarto escuro, sentando na cama e um casal pelado pulando e gritando: SOCORRO, ASSALTO.

CARACAS, COMO VOCÊ É LESA, NÃO PODERIA PEGAR TODAS AS INFORMAÇÕES?

Tinha o telefone, pronto é só ligar e resolver isso com a tal da Dona Neide, mas eu decidi fazer essa viagem sem telefone... e agora?

MINHAS NOSSA SENHORA DAS ANTAS, DEIXA DE SER MANÉ PEGA ESSE CHIP, ENFIA NESSE TELEFONE E LIGA AGORA. FICAR NESSA SUA SEM SABER PARA ONDE IR, TENDO UM NÚMERO PARA CHAMAR E UM CELULAR NÀO É DETERMINAÇÃO, É BURRISSE.

Bastaram duas palavras para Dona Neide sair na rua do lado DIREITO e me receber com um abraço e um bafo tenebroso de quem acaba de acordar.

LINDINHA, QUERIA ELA TOMADA BANHO E ESCOVA ÀS 5 DA MATINA PARA RECEBER VOCÊ?

05:23 a.m. – Entro no quarto, jogo todo conteúdo da bolsa e da mala em cima de duas camas pequenas.

05:30 a.m. – Tomo banho.

05:45 a.m. – Me jogo em uma cama de casal com 5 travesseiros murchos e ouço o barulho do mar.

A história continua no próximo post, o Sol já terá nascido. Muitas coisas aconteceram com Sol e tantas outras sem ele...

A trilha sonora começa com O Sol nascerá (Cartola na voz de Ney Matogrosso)

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Em: www.simplesmentedevaneios.blogspot.com

a história está completa e cheia de links para ficar mais legal de ler. Quem quiser visite e não comece pelo fim hein (rs)

Bjim