TAUTOLOGIA DO AMOR

A tautologia é um dos vícios de linguagem. Consiste em repetir uma idéia, com palavras diferentes. O sexo é um dos vícios da humanidade. Condena-se a bebida alcoólica, o fumo, as drogas, sintéticas ou não, mas o sexo passa de largo nestas preocupações da Medicina ou da Crítica Literária. Ainda bem! Pois, que seria de nós, simples humanos mortais, sem o sexo nosso de cada dia?

Suellen era uma linda morena. Corpo escultural, desenhado com perfeição na prancheta de Eros. Esquadro, escala triangular, régua “T” e outros instrumentais de trabalho, foram usados com maestria na composição do designe erótico que deu origem a Suellen. Por onde ela passava, as pessoas voltavam seu olhar, quer fossem machos quer fêmeas, todos admirando a forma que deslizava graciosa e bela nas passarelas da vida.

Descrever Suellen era “chover no molhado”, repetir o óbvio, tergiversar sobre o que os olhos não poderiam deixar de ver nem a roupa esconder. Cada centímetro do corpo dela explodia em tesão e revelava sensualidade. Seu rosto era perfeito, apresentando lindos olhos negros, nariz empinado, boca carnuda e sensual e um sorriso safado que deixava os homens embasbacados com tanta harmonia e graça.

Seus seios eram lindos, pontudos, tamanho médio em formato de pêra, cujos biquinhos intumescidos, apresentavam-se resolutos sob o tecido fino de sua blusa, como se desejassem romper e ganhar a liberdade do vento...

Suas pernas eram longas, formando um conjunto longitudinal com seu corpo, desfilando leveza e graça. As coxas roliças e o rebolado sensual, na cadência de um corpo e de uma vida que não seriam nunca só para si, mas para a humanidade que viesse a ter a benfazeja graça de desfrutar de sua companhia.

Pois Suellen, a despeito de toda a sua beleza feminil, tornou-se uma vítima contumaz do assédio que provocava. A atração que a moça exercia sobre as pessoas, fazia com que ela fosse a principal vítima da tautologia no país. Tautologia esta que classifiquei como “tautologia do amor”, esta constante mania de se elogiar o elemento feminino, com assédios e cantadas que muitas vezes pecavam pelo baixo calão, pela falta de criatividade, pela insistência nos apelos ou, simplesmente, pela importunação descabida de quem só quer viver e existir. Em suma, ser deixada em paz.

Mas, como deixar em paz um mulherão daqueles? E Suellen sofria o fato de ser bela e desejada. Depois de tanto ouvir coisas do tipo: “Você é o elo de ligação entre um passado que não tive e um futuro que quero ter com você”; “Você é o acabamento final que Deus deu à sua Criação”; “Tenho certeza absoluta que você foi feita para mim e eu para você”; “Na soma do amor em minha vida, você é o número exato que faltava”; “Você é o prêmio extra que eu ganhei”; “Quero viver para sempre juntamente com você”; “Nós somos duas metades iguais que se juntam”; “Você é o destaque excepcional que a vida me deu”; “Há detalhes minuciosos em você que me chamam a atenção”; “A razão é porque você me cativou”; “Você fez interromper de uma vez a tristeza em minha vida”; Suellen tomou uma decisão...

Sim, depois de ouvir tantas aberrações como estas, a moça, que era professora de Português no Liceu de sua cidade, tomou uma resolução corajosa. Escreveria uma carta e a faria publicar na primeira página do hebdomadário que circulava em sua cidade interiorana.

Transcrevo, em seguida, cópia da carta que ela fizera publicar e que transcrevera, na íntegra, ipsis litteres et verbs, para não faltar com a exatidão das palavras e a veracidade das idéias.

“Queridos admiradores. Por não agüentar mais o assédio de vocês e a forma tão sofrível desse Português que me enerva e me entristece, resolvi escrever-lhes essa missiva. Com certeza existe um superávit positivo na paquera que me devotam. Sei que isso é de sua livre escolha, pois todos foram unânimes, à seu critério pessoal, em me escolher por namorada. Mas não posso conviver junto, nem exultar de alegria com esta situação. Preciso encarar de frente aquilo que considero um vandalismo criminoso com a Língua Pátria e, palavra de honra, antes de amanhecer o dia, quero compartilhar conosco uma surpresa inesperada, pois ela me deixou completamente vazia: Não agüento mais tanta Tautologia na minha vida! É comprovadamente certo, um fato real, que uma multidão de pessoas deseja retornar de novo ao Português de antigamente, idioma castiço, escorreito, que representava uma era romântica e forçava as pessoas a estudar com mais acuidade o vernáculo. Mas, sendo impossível esta volta ao passado, não quero fazer nenhuma criação nova, mas, mesmo que tenha que tomar um empréstimo temporário e voltar a freqüentar constantemente as salas de aula, por favor, o façam para que o meu desejo de amar todos vocês e ser feliz com todos vocês na cama, não me leve a irritar-me com tanta burrice e incapacidade de entender o idioma em que nasceram. Se esta minha carta ajudar a cada um a se colocar em seu respectivo lugar já estarei feliz. Devo alertá-los, porém, que esta é uma escolha opcional. Quem quiser, continua a permanecer como está. Não estou falando de um passatempo passageiro, pois atrás da retaguarda, tive que planejar antecipadamente e se preciso vou repetir outra vez: mudem de maneira de se expressar. Caso contrário, serei obrigada a buscar um sentido significativo na minha vida, até voltar atrás e desistir de minha profissão nesta cidade. Amanhã, na abertura inaugural das aulas deste ano, pode possivelmente ocorrer que eu, a partir de agora, apresente a última versão definitiva da obra-prima principal que escrevi e tenha que bradar bem alto para todos ouvirem que não mais consentirei com estas aberrações lingüísticas. Desculpem-me se estou sendo muito enfática, mas esta é uma propriedade característica minha e quem quiser comparecer em pessoa e colaborar com uma ajuda, informo com absoluta correção que nada será demasiadamente excessivo nem individualidade inigualável. Não querendo abusar demais nem exceder em muito em minhas palavras, vou terminando esta epístola, antes que algum preconceito intolerante leve alguém à medidas extremas, de último caso, e a nível de relacionamento me traga dificuldades. Obrigado pela atenção e não esqueçam de ler o anexo junto a esta carta. Até amanhã, no Liceu.”

A professora Suellen fez publicar tal calhamaço em primeira página, causando grande susto na população simples de sua cidade. No outro dia, quando transitava pelas calçadas em seu ir e vir cotidiano para as aulas do Liceu, Suellen, mais do que nunca, era alvo dos olhares gulosos de todos os homens e mulheres que passavam. Aliás, nunca a rua esteve tão freqüentada. Os moradores, que viviam escondidos dentro de suas casas, naquela manhã, na medida em que os jornais iam sendo comprados nas bancas, à notícia se espalhou célere, e o povo foi para a rua para ver a ousada professora e sua provocação tautológica.

Antes que o leitor morra de curiosidade, devo informar qual foi o anexo, que todos os leitores do jornal deveriam ler com atenção. O anexo apareceu na primeira página do semanário, em forma de post scriptum, e dizia assim: “Todos os moradores que identificarem e apresentarem em forma escrita, no prazo de 24 horas, todas as tautologias encontradiças no texto em epígrafe, concorrerão a uma noite de amor com a professora Suellen, a bela de Tautolândia. Que tal observar a lista de preciosidades cultivadas ao longo de décadas? Se vir alguma conhecida, não titubeie: cumprimente-a, dê-lhe adeus e se inscreva a uma noite de amor. Beijos!”

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 04/05/2006
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T150308
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