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O Gato Morto
 
Era um gato preto e estava ali, morto no meio fio, mortinho da silva, com os olhos esbugalhados, a boca entreaberta e pescoço quebrado. A língua metade para fora e caída no canto. Havia hematomas sérios na cabeça, sinais evidentes de ossos quebrados e dilaceração tanto no quarto dianteiro como no traseiro. As unhas ainda estavam um pouco expostas e o rabo ainda dava impressão de ter os pêlos ligeiramente eriçados, indicando morte recente.
O estado geral era deplorável. A feição horrenda de quem enfrentou o momento final em luta desesperada pela vida.
Eram sinais claros de que de fato, ele lutara muito antes de partir desta para outra e que o inimigo era deveras poderoso.
“Terminator”, o doberman negro da rua de traz, havia feito o serviço. Isto era obvio para Eduarda, a Duda e Tália, as duas irmãs que moravam na casa em frente aonde o pobre gato fora abatido.
Elas já conheciam o ódio do cachorro pelos felinos. Volta e meia, aparecia um gato estraçalhado pelo bairro.
Chegando de viagem na pequena Andradina, por volta das 2.50hs da madrugada, elas identificaram o pobre animal e traçaram imediatamente o diagnóstico acima, quando imbicaram o carro em frente ao portão da casa 371.

Desceram e foram dar uma olhadela no estado do pobre animal, ainda curiosas com a cena. Tália desistiu momentaneamente do gato e apressou-se para abrir o portão, temendo ficar ali na rua parada àquela hora da manhã.
Poderia ser perigoso, pensou ela . Duda ficou mais um pouco mais ali contemplando a morte cruelmente estampada na cara do pobre animal.
-Vamos Duda, guarde o carro, ordenou a irmã. Duda obedeceu mecanicamente.
Ao estacionar na garagem apertada, desceram e Tália rumou para fechar o portão, porém na cabeça de Duda, um plano diabólico já se maquinava.
Num salto, sem segurar o riso alto, ela segurou a folha do portão de folhas duplas que Tália tentava fechar e disse:
- Hei..hei..espera aí ... este gato me deu uma grande idéia !! Não vamos perder esta oportunidade para aprontar uma brincadeira usando este gato morto.

Tália não pareceu gostar muito da idéia.
- Em que você está pensando Duda? Já é tarde!!
-Espera aí que já lhe mostro, não vai demorar muito.
-Num átimo de segundos, ela abriu o porta-luvas do carro e tirou de lá uma caneta e uma folha de papel em branco com o timbre da NOSSA CAIXA, onde seu marido trabalhava há muitos anos.
Tália continuava não aceitando, mas conhecendo o poder de imaginação da irmã, ficou curiosa e começou a anuir ao plano, mesmo não concordando 100% com ele.
Entre risos de galhofa, Duda, colocou o papel em branco no vidro traseiro do gol e com a mão firme de professora, escreveu a frase: “ZÉCÃO , SEUS DIAS ESTÃO CONTADOS” ! Com um pedaço de barbante que estava por ali, amarrou a nota no pescoço do gato morto. Foi aos fundos da casa e voltou, com dois sacos de lixo, destes de plástico preto. Com o saco de lixo na mão feito uma luva, para evitar contato de sua mão, com o corpo do animal, ela introduziu o mesmo no outro saco.
Feito isso, ela fechou a boca do saco torcendo ligeiramente a extremidade e disse a irmã que ainda estava sem entender o que a traquina da Duda tinha em mente.
-Vem , disse Duda, tirando o carro da garagem de volta para a rua.
– Vamos colocar isso na frente na casa do ZÉCÃO.
-Na casa do Zecão? Perguntou Tália desentendida. – Estás louca, não é?

Duda deu de ombros. – E daí? Vamos assustar eles.
O Zecão é meio sonso. Ele nunca vai perceber que fomos nós que fizemos isto. Zécão era o novo namorado de Verônica, irmã mais velha delas. O namoro deles ainda não tinha completado três meses. Verônica estava descasada fazia mais ou menos uns dois anos. Na realidade, o novo casal já estava meio que morando junto. Verônica com 32 anos, tinha casa própria que herdara do casamento anterior e Zécão costumava passar algumas noites lá sempre que voltava do trabalho. Naquela madrugada de sábado, não foi diferente. Ao sair da casa de Show em que trabalhava como segurança, lá pelas 2.30hs da madruga, ele rumou para seu novo ninho de amor e lá passou o final da noite. Duda e Tália rumaram para a casa da irmã Verônica.
Duda no volante e Tália com o vidro aberto, segurando o saco com o gato morto do lado de fora.
A cidade já de pouco movimento, àquela hora estava completamente deserta. Não havia nenhum cristão na rua , como dizem os seus moradores, para justificarem a tranqüilidade e o baixo número de habitantes do lugar.
Rapidamente elas chegaram nas imediações da casa da irmã, que ficava num bairro aonde a maioria das ruas ainda eram de terra. Com o saco na mão, elas adentraram o portão, que tinha apenas uma pequena corrente segurando-o fechado , sem qualquer cadeado ou fecho.
Duda, então arrumou cuidadosamente o gato, morto com a ajuda de um tijolo de modo a deixar o corpo do animal morto, como se estivesse em posição de espera de alguém, com a cara voltada para a porta da casa, meio que sentado nas patas de traz, com as patas da frente retas apoiadas no tijolo.
A cabeça do bicho que insistia em pender para o lado, fora apoiada por uma pequena forquilha escorada no chão e ficou alinhada com o resto do corpo. Com isso, colocaram o bilhete sinistro num lugar de modo a ficar bem visível para quem abrisse a porta da casa. Cuidadosamente, elas fecharam novamente o portão e voltaram para o carro segurando o riso com a mão antevendo a reação do cunhado e da irmã, quando de manha abrissem a porta da casa e se deparassem com o animal morto ali na porta, com aquele ameaçador bilhete pendurado no pescoço.
Ao entrar no carro, elas se esborracharam de rir. Cada uma tinha uma interpretação diferente e cômica das possíveis reações do casal e riam sem parar de cada uma delas.

Combinaram ir lá depois do almoço no dia seguinte para conferir o resultado da arte, depois que Zécão já tivesse deixado o local.
O dia amanhecera apenas, mas o sol já se despontava alto, naquela região oeste do estado de São Paulo, mostrando a sua força.
O termômetro da pracinha indicava 27 graus, quando Verônica, saiu da cama e se dirigiu para a porta de entrada da casa 986 onde morava. Era uma rotina para ela, abrir a porta bem cedo, pegar o litro de leite que o entregador deixava no muro de divisa da casa deles com o vizinho. Normalmente o leiteiro deixava lá dois litros todo dia. Um do lado do outro.
Um para Verônica que tinha uma filha de cinco anos do primeiro casamento e outro para o vizinho barbeiro e sua mulher, um casal de aposentados.
Ainda sonolenta, Verônica abriu a porta e ..de repente soltou um grito aterrador:
-Aiiiiii Meus Deus...Zé corre aqui..Meus Deeeuusss !!
Zécão ainda de pijama curto sem camisa, assustou-se e precipitou–se em direção à porta, de onde vinha o grito de sua mulher.
Verônica estava pálida e gesticulando. Abraçando o companheiro, trêmula, apontava em direção da rua.
-Veja lá, bem ! Tem um gato morto bem ali! Um gato preto!! Acho que fizeram macumba para nós. Macumba brava!
Ainda meio atônito, tentando acalmar a mulher , Zecão encaminhou-se da porta para o portão e deparou-se com a cena insólita. Ele notou que havia um bilhete no pescoço do gato, coisa que sua mulher com o susto nem havia reparado.
-Cuidado, disse Verônica. Não se aproxime muito. Essa coisa de Macumba pega!!. Com certeza, foi coisa daquela bruxa da sua ex-namorada. Eu sei que ela ainda anda atrás de você.
Aquela dedução incomodou Zecão momentaneamente mas ele não respondeu e aproximou-se do gato para ler o que estava escrito no bilhete preso no pescoço do animal. Ao lê-lo, teve um sobressalto. Virando-se para a namorada disse, meio amarelado.
-Sabe.. isto é uma ameaça de morte ! Acho que alguém quer me matar ! Está escrito aqui que meus dias estão contados.

Verônica empalideceu. Quem poderia ter escrito isso? Trêmula, ela segurou o papel nas mãos. Zecão disse que deveria ser algum inimigo dele, mas ela não se deu totalmente por vencida. -
_A..acho que isso é macumba, sim, só pode ser!
Zecão tratou então de ser prático e de se livrar o imbróglio logo. Decidido disse que ia jogar tudo no lixo. Mas assustada , Verônica o segurou pelos braços e replicou:
- Calma Zé, você deve pegá-lo com a mão esquerda, dar três passos para trás e jogar esse bicho por cima do ombro para desfazer a macumba.
Já me contaram que isto funciona e que é a única maneira de quebrar o encanto ou o efeito pretendido.

Sem saber direito se entendera o ritual descrito por Verônica, Zecão mais parecia preocupado com a mensagem do que com a possível feitiçaria.
Mesmo assim, ele decidiu fazer exatamente o que lhe dissera sua companheira. Então, com a mão esquerda, agarrou o rabo do gato, deu três passos para traz e num movimento brusco de sua pesada mão, lançou o animal por cima do ombro esquerdo. A força foi tanta que o gato e o saco foram parar no terreno baldio do outro lado da rua, cujo mato alto, indicava abandono.
Preocupado enquanto lavava as mãos, o enorme Zecão de quase 1.90M de altura, passou a pensar seriamente na ameaça e já nem ligava para os comentários enciumados que aquela cena renovara em sua companheira. Decidido disse a ela:
– Olhe só, vou falar para o Raúl, o investigador, ou melhor, para o Valmir que é amigo dele e meu chapa. Vou falar com ele sobre isso.
Esta ameaça pode ser séria e é bom deixar isto registrado. Se acontecer alguma coisa comigo, a polícia vai saber que eu estava sob ameaça e poderá investigar melhor e quem sabe, pegar quem estiver me ameaçando.
-Pare de falar bobagem, que nada vai acontecer com você, replicou Verônica ainda não recuperada do fato, enquanto tentava raciocinar, sobre quem poderia ter feito aquela coisa com eles.
-Eu sei, disse o companheiro, mas é bom avisar a policia. Pode ser que algum daqueles bêbados arruaceiros que meti para fora da boate, esteja querendo se vingar. Também andei enfiando a mão na cara de alguns vagabundos e um deles bem que pode estar me ameaçando agora.

A menção deste fato desconhecido então para Verônica, deixou-a insegura e fez com que ela deixasse o ciúme de lado e se preocupasse com a segurança do seu novo companheiro.
-È benhê..é melhor ir na delegacia mesmo e falar com eles. Quem sabe eles não pegam o canalha que está te ameaçando. Pode ser que o cara seja perigoso. Vai saber.
Por via das dúvidas, antes de sair para a delegacia, Zecão foi a cômoda do quarto e checou o revolver calibre 32, cabo niquelado que havia comprado há alguns anos atrás de um seu ex-patrão seu.
A arma ficava constantemente carregada, mas Zecão decidiu conferir novamente, esvaziando o tambor e recarregando-o de novo.
Guardou-o de volta na cômoda e de posse da velha bicicleta, partiu para a casa do Valmir disposto a se aconselhar com ele e se fosse o caso, registrar uma ocorrência.

Uma hora mais tarde a “Baratinha”, como são chamados os velhos fuscas da policia no interior, parou em frente a casa de Verônica. Com ajuda do casal, rapidamente localizaram o gato no terreno vazio da frente e levaram-no para delegacia, tomando cuidado de reconstituir o papel do bilhete que havia perdido um pedaço, quando atirado com violência por Zécão.
Naquela manhã, Tália e Duda acordaram por volta das 10.00hs. Tinham ido dormir tarde, como se sabe. A mãe delas, Dona Valmira, já tinha saído para o trabalho na creche, aonde atuava como voluntária levando consigo o pequeno Augustinho, que fora adotado há alguns meses atrás. Depois do café, elas planejavam passar na casa da irmã Verônica.
Ainda discutiam na cozinha a melhor estratégia para conferir o efeito da brincadeira, sem despertar suspeitas.
Não foi preciso decidir, enquanto falavam e riam, o telefone tocou. Do outro lado da linha, estava Verônica, ainda atordoada pelo acontecido e procurando apoio para melhor se restabelecer-se psicologicamente.
À medida que Verônica descrevia o acontecido Duda, repetia expressões de espanto e incredulidade e esforçava-se para não rir, tentando mostrar-se séria e solidária, mas esmiuçando os detalhes para mensurar o impacto que a brincadeira havia provocado.
O riso que se desenhava e aguardava o final da ligação para explodir, com o efeito da arte, porém, transformou-se em preocupação, à medida que Verônica mencionou a presença da policia na casa dela e do boletim de ocorrência no episódio. Duda empalideceu-se ligeiramente e a partir daí, não conseguiu dizer palavras confortantes para recompor o espírito catatônico de Verônica, naquela manhã.

Ao desligar, um tanto quanto perturbada, contou para Tália que a coisa tinha tomado um rumo inesperado.
- Tália, disse ela. Acredite, eles foram para a Delegacia, fizeram um boletim de ocorrência e mais a policia foi à casa deles e ainda levaram o gato para a delegacia!
- Nossa. Precisava tudo isso? E agora... ? Que será que vai acontecer? Perguntou Tália visivelmente assustada.
-È melhor contar para eles que foi tudo brincadeira, asseverou Tália, senão a gente vai se ferrar!
Lembrando a si mesma, com um pequeno laivo de arrependimento, que desde o início, apesar de ter compactuado, no fundo não queria muito fazer aquela brincadeira.
O almoço não foi dos mais tranqüilos para as duas irmãs. Em silêncio, comeram e foram ao cinema à tarde para esquecer o problema que haviam criado. Na cabeça delas, apareciam já alguns questionamentos e desdobramentos dos quais não conseguiam se livrar, sobre o rumo que a coisa poderia tomar. A preocupação já era, às vezes, maior do que alegria pelo sucesso da peça pregada ao cunhado e a irmã. E se fossem chamadas na delegacia? Pensavam. Será que teriam que depor? O medo de ter de ir a delegacia e falar com o delegado as apavorava.
Ter que explicar que tudo fora uma brincadeira deixavam-nas, ainda intranqüilas.

- Estamos ferradas, costumava comentar Tália, a mais medrosa! Talvez seja melhor contar tudo e logo de uma vez.
-Não ...de jeito nenhum disse Duda enfaticamente. Vamos pensar melhor. Talvez eles não levem isto adiante. A coisa pode cair no esquecimento. Ademais, como irão descobrir que fomos nós?
Também quem vai se interessar por um gato morto? Mais tarde ainda vamos rir muito da situação e da cara do Zecão..você vai ver!
Na segunda feira, enquanto trabalhavam as irmãs não escondiam alguma preocupação e curiosidade com o desenrolar da situação. À tarde resolveram ligar para a casa de Verônica para conferir.
Ela confirmou para as irmãs que a policia estava investigando o caso, mas que ela não tinha muitas novidades.
Tália então tomou o telefone da mão de Duda e resolveu contar tudo para Verônica. Que na verdade fora apenas uma brincadeira e que o gato já estava morto quando elas chegaram. Pediram que Verônica não contasse nada a ninguém, principalmente ao namorado Zecão , pois elas temiam alguma reação dele, já que não o conheciam tão bem.

Verônica ficou furiosa, execrou a atitude das irmãs, atirou-lhes vários nomes feios, ficou irritadíssima e com uma voz severa e grave, disse iria contar para a mãe e que elas iriam ter que ir à delegacia e contar tudo para o delegado e ainda pedir a sustação do boletim de ocorrência. O Marido de Duda, Roberto funcionário da caixa, foi o próximo a saber da autoria. Ficou possesso.
De posse de um emprego estável, numa cidade, onde arranjar empregos não é uma tarefa fácil, temia pelas conseqüências do fato, principalmente pela exposição de sua mulher no episódio e porque o bilhete no pescoço do gato fora amarrado com um papel timbrado da NOSSA CAIXA.
Aos gritos ele atacou a mulher:
-Você é uma completa irresponsável!! Se eu perder este emprego, vou te matar. Isto é o mínimo que posso fazer com você. Sua cara vai ficar pior que a do gato.
-Você jamais deveria ter usado o nome da CAIXA nas suas brincadeiras, sua besta, sua...e continou esbravejando, enquanto Duda, para não escutar os impropérios, trancou-se no banheiro. O corolário de reclamações parecia não ter fim..e a violência dos adjetivos aumentava.
- Cascatana. ..e agora? Se a coisa estourar, poderei ser despedido e ainda por justa causa, sem contar que ainda posso sofrer um processo por denegrir o nome da CAIXA! Você pensou nisso sua paspalhona????
..e se eu perder o emprego, aonde vou achar outro emprego igual nesta cidade?
Toda aquela pressão do marido deu enxaqueca em Duda, que saiu de casa para não ouvir mais broncas. O marido a partir daquele dia não mais falou com ela e passou a dormir no sofá.

À noite, Verônica ligou para elas e pediu que elas falassem com Valmir amigo do investigador que cuidava do caso. Ele poderia ajudar a sustar tudo e encerrar o assunto. De quebra ele poderia contar ao Zecão que tudo não passara de uma brincadeira, quando fosse a hora propícia. O Zecão gostava muito do Valmir e a coisa poderia morrer sem maiores conseqüências.
O Valmir era também conhecido delas e muito amigo dos policiais e investigadores da cidade, tendo prestado a eles, muitos favores, com seu táxi.
Sem pestanejar, as irmãs ligaram para o Valmir para contar tudo o que tinha acontecido e pedir a ajuda dele para resolver a questão junto à delegacia
Valmir demonstrou grande surpresa. Disse que o caso era sério, mas que ia ver o que poderia fazer. Mais tarde, Valmir relatou para as assustadas irmãs, que o investigador que cuidava do caso, havia chamado a sociedade protetora dos animais para identificar a causa-mortis do gato e um grafólogo para identificar a escrita.
Isto as deixou completamente petrificadas. Segundo Valmir, queriam saber se quem escreveu o bilhete, foi a mesma pessoa que estrangulou o gato.
-Duda se entregou dizendo. -Imagina, o gato estava morto já. Valmir fingiu não ouvi-la.

-Meu Deus! Estamos mesmo ferradas, disse Duda para a atarantada Tália! Agora a coisa fedeu mesmo!
-A investigação continuava a pleno vapor e eles iriam tentar identificar o autor do bilhete pela letra!
-Minha nossa, disse Tália, sem muita convicção do que fazer a respeito. Os dias seguintes, foram de martírio total para as irmãs de Andradina. A cada ligação para o Valmir uma novidade aterradora.
Valmir dizia que anda não havia achado uma brecha para contar o caso para o delegado, que era muito bravo e que esperava o momento certo ou quem sabe esperar que os policiais engavetassem o processo, antes de remetê-lo ao delegado.
Dizia também que os investigadores estavam tentando pedir ajuda para o serviço de inteligência da policia civil de São Paulo para ajudar nas investigações dos supostos autores da ameaça de morte e que Zécão provavelmente teria que ir depor para o delegado para dar maiores informações sobre suas atividades no passado.
Disse que a policia temia haver envolvimento do PCC.
A cada revelação de Valmir, mais medo se acumulava nas irmãs. Duda e Tália já não se falavam e frequentemente discutiam sobre de quem era a culpa por tudo aquilo e às vezes, discutiam pesadamente, mesmo na frente ma mãe, que dizia enfaticamente que tinha lavado as mãos e que elas é que se virassem.
-Quem sujou a sala que limpe, costumava dizer.

Naquela sexta feira, o dia parecia interminável, na classe na escola em que Duda dava aula para os alunos da 4ª ‘serie do primário. A classe estava barulhenta. Mas Duda parecia não se sintonizar muito bem com a atividade dos alunos, preocupada que estava com a situação do caso do gato morto e rezando em silencio para que tudo terminasse bem.
Mais tarde, ela se dirigia para a cantina, para um rápido lanche quando o telefone tocou. Era o Valmir de novo com noticias nada positivas.
Em conversas com o investigador, ele apurou que o caso seria remetido para o delegado ainda na segunda feira e que havia falado com o investigador sobre a “a brincadeira”, mas que ele não levou a coisa muito a sério e disse que se isto fosse verdade, as irmãs teriam que pagar caro por terem brincado com a policia.
O delegado certamente iria querer ouvi-las e certamente iria encerrar o inquérito, mas também era certo, que pediria a abertura de um processo por contra elas por desrespeito a autoridade e esbulho do poder público, que teria levado o estado a gastar com investigações, boletins de ocorrência etc...
O Estado iria certamente tentar para obter o reembolso da quantia gasta na investigação. Isto eram favas contadas. Alem disso, havia a questão da morte do gato, que teria de ser esclarecida para não haver implicações junto a sociedade protetora dos animais.

A novidade deixou Duda sem fala e sem apetite. Nem ela sabe como terminou a ligação, foi desligando meio que sem querer, meio querendo. Depois da aula foi para casa, disposta a reunir toda a família e pedir ajuda para enfrentar a nova situação.
Chamou todos, inclusive o casal Zecão e Verônica, a mãe, o tio Enrico , Tália e todos os demais parentes e alguns não parentes, e amigos como o Valmir e outros. Convidou-os para uma pizza na casa delas naquela noite, com o intuito de abrir o jogo e pedir que todos, principalmente o Zecão e o Valmir a ajudassem-na a sair daquela enrascada. Já não agüentava mais segurar o rabo de foguete que tinha nas mãos.

Depois da pizza repetiu a estória para todos e pediu ao Valmir que dissesse a ela, o que, ele achava que poderia acontecer com ela, dali por diante. Dramatizou, chorou disse que estava muito arrependida da brincadeira que havia feito, que não fizera por mal e que já tinha sofrido tudo que podia, mas que agora a coisa poderia mesmo tomar um rumo incerto e perigoso, mas mesmo assim, ela estava disposta a lutar para acabar com a estória e enfrentar as conseqüências.
 
Ela realmente deixou todos impressionados com o tom dramático da sua retórica. Disse que iria precisar constituir um advogado e que não tinha noção de quanto gastaria, mas certamente precisaria da ajuda de todos para ajudar a pagar os honorários. Depois de consolada pela ala feminina da família, ela parecia afundar-se no sofá sem coragem para fitar ninguém.
Valmir tomou a palavra e pediu que os homens mais algumas mulheres mais experientes, saíssem um pouco para fora para confabular. Precisariam afinal, pensar no que fazer e que voltariam dentro de alguns minutos com uma posição. Disse que Duda e Tália deveriam esperar na cozinha, preparando um café para todos.
Saíram todos da sala e rumaram para a porta que dá para a rua, enquanto as irmãs foram para a cozinha preparar o café. Depois de um tempo que pareceu interminável, para as irmãs que já haviam colocado o café fresco nas duas térmicas, finalmente eles adentraram na sala liderados por Zecão, Valmir e Roberto, marido de Duda.
Todos tomaram uma posição na sala. Ninguém olhou para as térmicas com café.
-Bem começou Valmir., acho que a situação é mesmo muito séria e por isso vou passar a palavra ao Zécão. Afinal, ele foi o que mais sofreu com esta situação toda e passou o maior vexame na delegacia e somente ele quem poderá resolver o caso.
- Fala aí Zé. O que vamos fazer? Você tem alguma sugestão?
-Bem ponderou Zecão com a voz estranhamente calma.
-A coisa está preta, acho que a coisa está muito preta. Diria que a coisa está pretíssima para estas duas, apontando para as irmãs, que pareciam sentir todo o peso daquelas palavras como um martelo nas suas cabeças. Mas amanhã vou falar diretamente com o delegado e abrir o jogo com ele. Vou dizer que tudo não passou de uma brincadeira e pedir que ele não leve o caso para adiante e que eu me responsabilizarei para que minhas cunhadas não façam mais nenhuma traquinagem.
O Valmir e o Roberto irão comigo para testemunhar, se for o caso e evitar outras conseqüências. Espero que isto funcione, disse com ar de desabafo. Mas, para falar a verdade, estou com medo, pois me falaram que o delegado novo é uma fera.
Agora, disse batendo uma mão contra outra, proponho que a gente tome um café e esqueçamos esse fato e que depois voltemos para nossas casas, afinal, ninguém se machucou, ninguém perdeu nada, foi apenas uma brincadeira de mau gosto, aliás põe mau gosto nisso. Olha que cheguei a ficar preocupado pensando que realmente alguém queria acabar comigo. Vocês de fato me pegaram nessa ... !
 
Zecão só parou de falar para tomar o café. Despediram-se todos. Duda e Tália mais uma vez tiveram problemas para dormir, mas confiavam que o cunhado pudesse resolver a bronca com o delegado.
O outro dia amanheceu igual a todos os outros dias. Sol quente, calor e muita luz na cidade.
Tália já estava no trabalho na fábrica e Duda estava no meio da aula com a criançada. Às 11.30, o telefone de Duda tocou. Era Verônica com a voz alegre:
-Du...., o Zecão ligou. Ele acabou de sair da delegacia. Advinha? Ele convenceu o delegado a parar o caso de vez. Vocês tiveram sorte, muita sorte mesmo. O delegado concordou em encerrar o caso. Estou orgulhosa do Zé. Ele foi muito bacana e corajoso, falando com o delegado.
Duda soltou um grito de alegria e começo a sapatear ali mesmo. Que bom! Que bom! Hurra..Meu deus, que alívio, nem te conto, o que estou sentindo agora. Os alunos não entenderam nada, mas ela nem ligou para a reação deles.
-Vou contar para a Tália. Fala para o Zécão que eu vou dar um presente para ele. Fala para ele escolher o que ele quer ganhar. Duda estava felicíssima.

-Espera aí, pêra aí...obtemperou Verônica. Nem tudo são flores, minha nega. Tem uma coisa que o Zecão me falou. O delegado quer que vocês paguem um castigo por três meses, para compensar o que vocês fizeram. Não vai sair de graça, não.
-Castigo? O que teremos que fazer? Não vai me dizer que teremos que dar cestas básicas, não ? Pegou a mania do Lula?
-Muito pior, disse Verônica. O delegado disse que vocês terão que limpar a casa nossa, por três meses seguidos, todos os sábados.
O Zecão ficará encarregado pelo delegado de conferir a limpeza. Após a limpeza o Zécão vai dar um recibo para vocês comprovando que a casa foi mesma limpa.
Quando vocês juntarem doze recibos, então vocês terão que levá-los à delegacia e aí o caso será definitivamente encerrado. Apesar do alívio pelo fim do caso, Duda ficou p.. da vida.

-O quê? Limpar a casa de vocês todo final de semana por três meses? Este delegado é louco? Porque tanto tempo? Fala pro Zecão me dar logo os recibos, como seu eu tivesse já limpado a casa de vocês, ué ! . Não vou limpar porcaria nenhuma!
-De jeito nenhum. Replicou Verônica. Vocês vão limpar a nossa casa sim senhora. A ordem é do delegado, se vocês não acatarem, o Zé disse que não vai perdoar e vai entrega-las. Aí vocês terão que explicar a polícia porque desrespeitaram uma ordem  deles.
Duda ficou fula de raiva. Tália também se irritou, mas no próximo sábado, por volta das 9.00hs da manha, as duas estacionaram o carro na frente da casa da Verônica e Zecão com vassouras, rodinhos, sapóleo, pano de chão , sabão em pó e baldes em punho.

Os donos da casa não esperaram por elas. Tinham ido ao Shopping na cidade vizinha, mas deixaram um bilhete, para que não quebrassem nada, não tirassem as coisas do lugar e não tomassem bebidas da geladeira, limpassem a gaiola do canário e não comessem a comida que estava no fogão. Duda mordeu-se de ódio e esbravejou:
-Miseráveis!!. Ainda fazem exigências. Pensam que somos empregadas deles. Pode? Ah mas isso não vai ficar assim. Não vai mesmo.
Acho que eles estão aproveitando de nós. Disse Duda raivosa.
-Cala a boca e limpa. Não foi você que arrumou toda esta confusão? Agora agüenta! Pontificou Tália resoluta.

Meio dia em ponto, mortas de fome, elas estavam prestes a terminar a árdua tarefa, quando o telefone tocou. No outro lado da linha, era Zecão querendo saber se já haviam terminado o serviço.
-Sim, já limpamos tudo, chefinho! Disse Duda com boa dose de ironia na voz.
Minutos mais tarde, após guardarem os baldes na casinha do fundo as duas se preparavam para sair da casa, quando do lado de fora encontraram parados no portão a turma toda. Zécão, Roberto, Verônica, Valmir, a mama, Tio Enrico, enfim toda a família, escangalhando-se de rir das duas.
Duda ficou surpresa e desconcertada.
- Estão rindo de quê, seus palhaços? Perguntou ela. Nunca viram uma pessoa limpar uma casa? Só estamos aqui por causa da ordem do delegado. Pode ir me dando o recibo aí !!

-Recibo? Ah vais ter que passar no meu escritório. Zecão nem conseguia falar de tanto rir.
-Tália desconfiada vociferou:
-Seus cachorros, não vão me dizer que era tudo mentira de vocês?
- Claro, que era mentira, sentenciou Verônica.
-Suas patetas! Pegamos vocês..... ah..ah..ah.! Vocês caíram como duas patas mancas! O processo nunca existiu, nunca falamos com delegado algum, fizemos isto só para pegar vocês suas bobocas!
A gargalhada era geral ...Ah.Ah..Ah..AH..AAHH.AH..
Zecão não se continha, estava radiante com o trôco dado e ria por todos os cantos, enquanto examinava a limpeza.
-Hum...deixa ver se limparam direito..! -Opa...tem sujeira por aqui,...reclamava..zombeteiro ao checar os cantos da casa! Não vai ganhar recibo, não!!

As duas irmãs se entreolharam e imediatamente partiram com rodinhos e vassouras em cima do cunhado, irmã, marido e amigos, que se defendiam como podiam. Até hoje contam por lá que a casa do Zecão está sempre limpa e que as duas cunhadas ainda trabalham de graça para ele.
Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 21/03/2009
Reeditado em 12/10/2016
Código do texto: T1498451
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