À dor de ser poeta
- E donde vem a inspiração?
- Ah... acho que escrevo bem mesmo na dor.
- Dor? Dor de quê?! Tipo de dente, de barriga?
- Não, não. Dor de alma. Daquelas que apertam o peito, anseiam e nem te deixam respirar direito. Dor de desilusão, de perda, de saudade... de amor de mão única, de amar sem ser correspondido, entende?
- Acho que sim... pra mim quando destas dor aí afliceta o peito, remédio bão mesmo é a branquinha! Das veiz até cochilo no barcão e o Zé Pola manda recoiê eu lá pra casa. A Preta vorta arrependida de tê brigado com eu quando isso acontece. (Risos)
- É seu Paulo... o senhor tem a Preta. Nesta vida acho que estive a maior parte do tempo fazendo companhia a mim mesmo. Algumas vieram, logo ou não tão logo, se foram. Sobrou de verdade eu e minha alma de poeta. As prosas foram surgindo assim... nestas idas e vindas.
- Mas comé dotô, o senhor nunca teve arguém que revirasse memo tudo que tá lá drento do coração? Destas pessoa assim que te dexa cas perna bamba, as mão gelada... ca barriga esquisita?
- Já tive sim seu Paulo. Um verdadeiro e doído amor todos temos.
- Mas causo de quê tem de sê doído dotô?
- Por causa que não há romance sem dor seu Paulo. A melancolia é o que dá o charme do romantismo... a nostalgia... a busca. O problema é que as coisas não são eternas... e duas pessoas nunca se amarão em intensidade igual ao mesmo tempo. Uma há sempre de estar conquistando a outra. Isto traz a frênesi de quando se consegue estar com aquele que ama. Por que achas que é tão bom, às vezes, só estar quietinho nos braços da pessoa amada?
- É dotô, acho que cê tá certo. Sabe, a Preta e eu nos primero ano vivia se catracano com esses trem de conquistá! Das horas eu curria atrais dela, das hora ela tava doidinha por eu. No finar das conta, a gente foi se trupicano e acabamo no artar!
- É seu Paulo, quase cheguei nesse tal "artar". Acontece que com a gente foi mais difícil. Ela era Marie. Bela como um pôr do sol... perfumada feito uma flor.
- Ô dotô, se era iguar o pôr do sor então era boa essa tar de Marie! Cum todo respeito.
- (Risos) Era sim seu Paulo. Era sim.
- Mai então que que aconteceu dotô?
- Bom... a história é longa.
- Ah...tamo prosiano aqui sem pressa...
- É verdade seu Paulo, é verdade. Mas o que interessa nesta história toda é que havia me perguntado de onde vinha a inspiração. Pois então, todo artista carrega consigo uma ou algumas cicatrizes. A minha cicatriz deve ser esta. Atende por Marie.
- A bela do pôr do sor e cherosa feito frô?
- Ela mesma. Acho que pra todo o sempre escreverei à ela. À dor de sua falta. Ao aperto da saudade que tenho de sua companhia... da doce imagem de seu rosto... dos lábios rosados...
- Ô dotô, tá me dexano com os óio cheio d'agua. Mai que história triste seu dotô.
- Estes meus cansados olhos também já muito estiveram cheios d'agua seu Paulo. Com o tempo, a amargura da falta vira um belo sentimento saudosista. Faz-me homem mais maduro, calejado, poeta.
- A branquinha não ajuda dotô?
- Ajuda sim seu Paulo. Só que a "minha Preta" não estará em casa à minha espera (risos).
- Num há de se nada não dotô. A Lourdes cozinha pra nóis dois. Hoje o senhor janta lá em casa!
- Tá certo seu Paulo, tá certo. Então, à nós!
- E ao amor dotô!
- Ao amor seu Paulo.