O Boto da Flórida
Tem esse amigo meu, o Du, que sempre aparece com uma história inacreditável. Poucos pescadores ou caminhoneiros teriam tantas histórias para contar quanto o Du, que não escolhe hora nem lugar. Ele é capaz de parar um trabalho que esteja fazendo e, de rompante, sair com a famosa: - Já te contei a história de ... e difícil é não parar para escutá-lo. Essa se passou com o próprio e é verídica - ele garante.
Era um dia comum, de final de semana, quando ele, seu irmão, a mãe e uma das duas irmãs estavam em casa, aproveitado um raro momento em família. De repente tocou o telefone. Do outro lado, a voz de outra irmã:
- Você não vai acreditar!
- O quê? Conta! Dizia Du.
- Acabei de ver um peixe andando no meio da rua.
- Um peixe!?!
- É! Está andando na calçada! Repetia a irmã, ela mesma incrédula diante do que via.
Imagina então o Du, em casa, do outro lado do telefone? Pagava tudo para ver a cena e foi ai que veio o pedido:
-Traz para casa!
Ele queria conferir de perto as habilidades da criatura.
E assim fez a irmã do Du. De pronto laçou (ou içou?) o peixe e o levou para casa.
Do outro lado da cidade a expectativa era grande. Como será esse peixe? Por que será que ele anda? Será que ele fala também? Se falar a gente pode fazer uma grana com ele! De repente achar uma “bôta” (diz a lenda amazônica que o Boto era uma peixe que caminhava à noite) e casar os dois. Conjecturava ele.
Quinze minutos depois chega ela, com o peixe a tiracolo, para satisfazer a curiosidade de todos.
À primeira vista, nada demais. Era um peixe como outro qualquer. Grande, bonito e bem pomposo com suas cores laranja e preto, é verdade. Mas nada demais. E a primeira iniciativa do Du foi colocá-lo no chão e ordenar:
- Levanta-te e ande!
O peixe nada. Nadinha!
- Anda, ô peixinho.
Implorava a irmã do Du, já com medo de ser desmentida em frente a todos, ela que jurava de pé junto ter visto a criatura dando passinhos pela rua.
Mas o peixe continuou impassível.
Diante da teimosia do Escamoso (assim ele foi apelidado), a família resolveu relaxar e esperar. Quem sabe ele estava cansado? Talvez já tivesse andado o dia todo e as nadadeiras já não agüentavam mais! Talvez estivesse assustado! Talvez, talvez ...
Muitos “talvezes” depois sem nenhuma conclusão todos foram dormir e o Escamoso foi colocado para descansar em berço esplendido: um lindo aquário no qual a família já mantinha outro peixe e uma lagostinha. Lagosta, aliás, que é uma historia à parte. Um dia, ao acordar, todos se deram conta que o crustáceo tinha perdido uma das patas. E detalhe: a pata não estava dentro do aquário! O peixe que dividia o espaço com a lagosta foi o principal suspeito, à primeira vista, mas também acreditava-se que a própria lagosta tenha entrado num processo auto-antropofágico. Mas esse é outro conto.
Voltando ao Escamoso, ele foi deitado em berço esplendido e passou a fazer companhia para o peixe suspeito e a lagosta “despatada”. Todos pareciam se entenderem bem. E logo caiu a noite e todos foram dormir.
Eis que no meio da madrugada o Du ouve um barulho estranho. Não soube identificar de imediato mas parecia que alguém estava batendo na janela. Levantou, acendeu a luz, olhou por entre as persianas e não viu ninguém. Resolveu voltar para o quarto mas antes parou para tomar água. Ao saciar a sede e dar a volta notou algo estranho. Algo estava diferente na sala de estar. Olhou uma vez, duas e na terceira olhada – já mais desperto- se deu conta que um lugar estava vazio no aquário que imperava no canto da sala. A lagosta manca dormia tranqüila, de um lado, e do outro o peixe decepador, com cara de sonso. E cadê o Escamoso? Nada! O Du olhou para cá, olhou para lá, e nem sinal. Até uma olhada mais firme para o peixe decepador, para ver se ele se denunciava, o Du lançou. Mas de nada adiantou. Já entristecido e confuso com a situação, se perguntava o que teria acontecido quando ouviu um barulho por detrás das persianas. Foi lá na janela, outra vez, e dessa vez conseguiu divisar um vulto no batente da janela, por trás do aquário. Era o Escamoso!
O Du quase não acreditava no que seus olhos viam. O peixe saíra do aquário que tinha mais de 60 cm de altura e estava tampado!?! Mas como?! Que ele andava todos já sabiam, mas ele também seria acrobata? Ainda passou pela cabeça dele a possibilidade dos companheiros de aquário terem expulsado o novo habitante do aquário. Mas como?
Preferiu deixar os questionamentos para depois e voltar para cama. Colocou outra vez o Escamoso no aquário, se certificando de que a tampa estava bem colocada, e foi dormir.
No dia seguinte acordou logo cedo porque queria contar a todos o que tinha se passado. Mal chegou à sala notou uma certa consternação nos irmãos e na mãe, que olhavam confusos para o aquário. Escamoso já não estava mais lá! E diante dos relatos do Du sobre o que tinha acontecido à noite, aumentou a confusão.
-Bem, fazer o quê? Consternava-se Du, que acabava de perder sua chance de ganhar dinheiro fácil. Achara nos EUA um peixe que andava – assim como o boto, sendo que este era real- e não conseguira mantê-lo nem por um dia. Que azarado que era! Lamentava-se.
E a partir daí o Escamoso jamais foi visto em qualquer aquário, ou lago, ou avenida, ou parque.
Diz a lenda que Escamoso seria na verdade um peixe com tendências suicidas que, deprimido por não conseguir se tornar um bailarino buscava uma forma de dar cabo à sua vida quando foi encontrado pela irmã do Du. Ainda segundo a lenda, ele teria se encontrado com a morte em plena Sample Road com Federal Hway, num fim de tarde de sexta-feira, na ora do rush. Chovia a cântaros e ele, que não conseguiu caminhar rápido, morreu afogado em uma poça profunda. Pobre coitado!