A tricoteira e a surda
Onorinda passou a manhã toda tricoteando em sua cadeira de balanços. Já era quase meio-dia quando Antônia chegou. Cumprimentou Onorinda e sentou-se no sofá, do outro lado da sala, com uma revista nas mãos.
----Antônia! Você melhorou do ouvido? -Indagou Onorinda, cabisbaixa, sem desviar a atenção do seu trabalho.
Antônia não respondeu.
----Antônia! Você melhorou do ouvido? -Perguntou novamente, erguendo a cabeça e parando momentaneamente o que estava fazendo.
Antônia continuou calada. Onorinda perdeu a paciência e berrou a todo pulmão:
----Antônia!!!
Antônia ergueu a cabeça lentamente, olhou por debaixo dos óculos e perguntou com a maior cara de sonsa:
----Você me chamou Onorinda?
Onorinda olhou para ela com descaso, permaneceu em silêncio por alguns segundos, e depois respondeu:
----Não Antônia... eu não te chamei não!
E enquanto Antônia mantinha-se compenetrada em sua leitura, indiferente a tudo e a todos, Onorinda continuou com o seu tricô. Vez ou outra dava uma paradinha e olhava penalizada para Antônia, sua irmã mais velha, que completara 78 anos a menos de uma semana. A infeliz estava completamente surda.