A saga de Macuíra

Macuíra nascera em Quixeramobim, numa quarta feira de cinzas cujo ano não vem ao caso. Macuíra teve o nome dado pelo pai, era uma mistura de Macunaíma, livro de Mário de Andrade com Curupira, forte lenda que assombra as regiões até hoje. Sua cidade natal possui o mais belo pôr-do-sol do sul do equador, porém, o rapaz não admirava apenas o brilho das panelas refletindo o sol que morria; Macuíra gostava do brilho de um colar que a sua avó carregava com dificuldade em seu pescoço. Ele gostava de brilho, para ele brilho era essencial. A comida precisava brilhar, os dentes, os olhos e os corpos, mas o ouro... O ouro era o seu brilho favorito. Macuíra vinha de boa família, entretanto, nasceu com má índole, daí o nome que fez jus. Quando a sua avó morreu, seu corpo foi velado na sala de casa. O rapaz não arredou o pé da sala até que todos fossem dormir. Quando o silêncio valsava pela casa o rapaz se levantou da cadeira de três pés e foi em direção ao corpo inerte, abriu a blusa da velha e sem nenhum ressentimento puxou o colar com força. Pronto, segurava agora o fruto de sua cobiça, mas ele queria mais. Enfia a mão na boca da velha e a força para baixo, estava difícil de abaixar o maxilar, daí Macuíra pega um tamanco da mãe que estava pelo chão e usa de alavanca para abrir a boca da avó. Tampa o nariz e procura atentamente por um brilho de ouro. Nada. Ao tirar o tamanco a velha não fechava mais a boca, Macuíra se apavora e faz a força ao contrário. Tenta fechar de outro jeito, apóia a cabeça da velha no estômago e puxa a mandíbula com toda a força. Consegue. Macuíra vai esconder o colar dentro do sapato para ninguém desconfiar. Ao olhar para a velha vê sua boca abrindo lentamente. O rapaz dá um grito de pavor que acorda a todos na casa. Mulheres se benzem e homens fingem controlar a situação. Coisa que acontece. Ninguém deu por falta do colar, o rapaz havia se dado bem e a sua avó foi enterrada de boca aberta com um véu sobre o rosto para não impressionar os familiares.

Macuíra não era um mal rapaz, apenas tinha ambição. Gostava de brilho e do poder que ele trazia. Um colar pesado e reluzente no pescoço, vários dobrões no bolso, anéis, relógio reluzente e até mesmo uma Magnum .44 era um lindo brilho de poder.

Também adorava um belo rastapé de sábado à noite. Religiosamente tomava um banho demorado no sábado de tardezinha e depois se sentava na beira da janela para polir as unhas, pois elas tinham que estar brilhando. Quando a noite aparecia tímida seu coração palpitava, Macuíra penteava os cabelos e punha o relógio do pai, também colocou o colar de ouro da avó e fechou a camisa para ninguém de casa descobrir. –No forró eu abro a camisa. pensou. Pegava o 38 do pai que estava numa cartucheira antiga, limpava e colocava na cintura. Só pelo brilho, Macuíra era covarde igual a um cachorro sem dono. Só faltava uma bonita morena para a noite ser perfeita, e ele era bom nisso, tinha a pele morena e os dentes lisinhos e brilhantes. Despediu-se dos pais e saiu pela porta exalando a colônia à pouco usada.

Caminhava pelas ruas tranqüilas de Quixeramobim em direção ao salão de bailes da cidade, o rapaz não reparava nos detalhes comuns, apenas nos brilhos que lá estavam e como as coisas mais brilhantes do lugar eram as estrelas, era pra elas que Macuíra olhava.

Ouvia as sanfonas do local e já entrava com um largo sorriso no rosto. Os cabelos brilhavam como crista molhada. O rapaz sentou-se no balcão e pediu uma cerveja para admirar o local, tinha uma morena muito bonita dançando com vários rapazes, ela jogava a cabeça para trás e abria um sorriso reluzente. –Essa aí é minha hoje! pensou novamente com certa maldade. Macuíra se levanta do balcão e puxa uma moça qualquer para dançar. Ele faz questão de entrar na pista segurando a mão da moça só para sentir o cheiro daquela morena. Chega perto dela e treme ao sentir um cheiro de água de colônia. A pele dela brilhava como pedra preciosa, seus cabelos presos acima da cabeça expunham uma nuca lisa e brilhante. Tinham também as coxas, duras e grossas coxas. O rapaz dispensou a parceira no final da música e convidou a morena para a próxima. Ela sorriu como fez para todos os outros, Macuíra nem se importou. Passou o braço direito pela cintura carnuda da morena e com a mão esquerda apoiou a sua pequena mão. –Prazer, meu nome é Macuíra.

-Macu o quê? perguntou a morena. O rapaz sorriu e respondeu mostrando os lindos dentes: -Nada, me chame de príncipe. a morena gargalha enquanto Macuíra observa seus dentes bonitos. –Sabia que você é linda? –A éh?! Sabia sim. Todos que dançaram comigo me disseram a mesma coisa. –Mas eles não eram tão bonitos como eu. –Convencido! –Convencido eu? Que nada princesa, só estou à sua altura... Os dois sorriem e se esfregam no Baião pulsante. Quando a música acaba Macuíra vê outro homem pedindo a morena pra dançar, ela responde: -Obrigada, já estou acompanhada. o rapaz não pode acreditar no que ouve. Abraça-a fortemente e começa a próxima música. O rapaz não agüenta mais de alegria e convida a moça para sair. Os dois terminam a música e saem correndo de mãos dadas pelo salão, cruzam a porta e correm para longe. –Vamos para o lago? pergunta Macuíra. –Como assim? Eu nem te conheço! –Macuíra, muito prazer! E qual é o seu nome? a moça abre um sorriso e diz: -Bianca. –Lindo nome... Bianca, branca igual seu lindo sorriso. O rapaz puxa a moça pela mão e caminha apressadamente pelas ruas iluminadas de Quixeramobim. Chegam em uma estrada de terra onde a moça aperta o seu antebraço, Macuíra não agüenta mais... Andam calmamente até chegarem no lago. –Nossa! Que lago grande, não dá nem pra ver o final dele! disse a menina se fazendo de ingênua. O rapaz tira o revólver da cintura, a camiseta e a calça. Bianca se envergonha, mas ele nem liga. Corre e pula no lago frio e com o brilho da lua, como se ele fosse pegá-lo. –Vem Bianca! Pula também! a menina se encabula e se senta na beirada da lagoa, jeitosa para arrumar o vestido de maneira educada e juvenil. –A água ta uma delícia! Anda mulher! Pula logo! Bianca olha para os lados, morde os lábios inferiores, sorri e se levanta. Pega o vestido com as duas mãos e passa-o pela cabeça, Macuíra olha aquele corpo embasbacado enquanto a moça entra cuidadosamente no lago. Quando seu corpo pequeno entra, a lagoa produz anéis com brilho de lua que crescem e tocam o rapaz como flechas em brasa. Macuíra nada até ela e a pega no colo: -Sorria pra mim, por favor! a menina sorri e eles, sem muitos rodeios, se pegam num beijo quente que contrasta com o gelado da água. O gosto da boca da menina era a poesia que acompanhava a música da noite, a lua presenciou o momento calada e calma. Os dois se mordem e se esfregam animalescamente pela noite. Transam do lago até o caminho de terra, cada pausa era uma suadeira, muitos beijos e peitos arfantes. Macuíra se apaixonara pelo brilho dos olhos da morena. O rapaz acompanha a moça até a porta de casa e vai embora feliz da vida.

No outro dia pela manhã acorda assustado. Batidas na porta do quarto e o medo se apossando do rapaz. –Vai ladrão! Sai daí! Canalha! eram várias vozes de familiares, inclusive a de seus pais. Macuíra não pensou duas vezes. Arrumou algumas mudas de roupa numa mochila e saiu fugido pela janela. Corre em direção a casa de Bianca, ao chegar bate renitente na porta. A moça sai despenteada e com a cara branca de sono. –Bianca! Pega as suas roupas e vamos embora daqui! –Que papo é esse Macuíra? Ta doido, éh? Acabei de acordar... –É o seguinte, você gosta de mim? –Sei lá... A gente se conheceu ontem, e... –Então casa comigo! a moça balbuciou algo sem sentido e bateu a porta na cara dele. Macuíra de mãos atadas sentou-se no batente e procurou se acalmar. Depois de um tempo a porta se abre, Bianca está penteada e com o sorriso penetrante. –Eu caso! –Beleza! Ta com as malas prontas? Bianca estende o braço para trás da porta e pega uma mala enorme. : -Sim, está tudo aqui! os dois se beijam e correm em direção à rodoviária. –Mas pra onde a gente vai, Macuíra? perguntou a moça –Sei lá, na hora a gente vê. –Você ta maluco? Que papo é esse? –Escuta, se você me ama você vem comigo! Querem me matar e só! os dois chegam na rodoviária. Bianca diz para o rapaz que tem uma irmã que mora em Serra Pelada, lá eles podiam se arranjar. Macuíra põe Bianca sentada na mala e vai para o Guichê. : -Me vê duas inteiras para Serra Pelada. procura nos bolsos e não encontra dinheiro. : -Escuta, eu tenho só esse colar de ouro que foi presente da minha avó, o senhor aceita? transação feita e o rapaz sai com as duas passagens na mão.

No ônibus Macuíra assiste saudoso a sua cidade fugindo da janela, e acaricia levemente os cabelos de Bianca que dorme em seu ombro. A vida do rapaz de vinte e poucos anos mudou de repente. Macuíra era covarde, mas estava pronto para seguir impertérrito ao lado de sua amada que dormia calmamente.

Ao chegarem em Serra Pelada Bianca acorda belamente e dá um estalido de lábio no pescoço do rapaz, os dois pegam a sua bagagem e correm para um orelhão. Bianca conversa um tempo e chega ao lado de Macuíra que temeroso não cansa de arrancar fiapos da mala da moça. –Fica tranqüilo amor... Eles já estão vindo nos buscar. –Mas a sua irmã não ficou brava? –Que nada! Ela até gostou!

Passa o tempo, a moça permanece sentada na mala enquanto o rapaz anda de um lado pro outro. –Pára com isso Macu! Ta me irritando! Vai dar tudo certo! –Sei não... Nunca saí de casa, e... um barulho de motor corta a fala de Macuíra. Era uma picape novinha e enorme, dela desce uma moça branca cor de leite que corre pra abraçar Bianca. –Má, essa é a minha irmã Paloma! –Muito prazer, Macuíra. –Muito prazer. Anda gente vamos entrando no carro, vocês devem estar com fome!

O casal entra naquele portentoso veículo abraçando a bagagem firmemente. Macuíra estava bestificado com os olhos brilhantes e esverdeados de Paloma, também se apaixonara com seu antebraço lotado de jóias; o carro então engrandecia nosso herói sem nenhum caráter. –Escuta dona Paloma, a senhora é casada? –Não me chame de senhora Macuíra, tenho quase a mesma idade que você! –Desculpe... –Sim, eu sou casada com um coronel. Macuíra detestava a polícia, afinal já tivera problemas com ela. Não foi por roubo e nem nada, foi por vadiagem o que é pior. –Nossa! Não sabia que a polícia daqui ganhava tão bem! exclamou o rapaz. Paloma responde sorridente: -Que nada, não ganha tão bem assim... O meu marido também é dono de umas terras onde se garimpam à procura de ouro. nesse momento Macuíra se abrilhantou. Sabia que era uma oportunidade única de enriquecer e sem mais delongas perguntou: -E é lá que eu vou trabalhar? Paloma mais uma vez sorri belamente: -Que nada! Lá o pessoal ganha muito pouco e trabalha muito. Vamos achar alguma coisinha melhor para você! –Que chato Macuíra! Cara de pau você, hein? disse Bianca envergonhada com o oferecimento. –Mas meu amor, viver dependendo dos outros é o que eu nunca gostei de fazer! –Concordo, e acho isso muito bonito de sua parte Macuíra. respondeu Paloma colocando os óculos escuros.

Depois de uns vinte minutos de viagem o carro cruza uma porteira grande de madeira, um homem negro e sujo abre-a sem rodeios com a cara fechada e um cigarro no canto da boca. –Paloma, esse aí é o seu marido? –Por que a pergunta Macuíra? –Nada. Achei que ele fosse um pouquinho mais claro! –Macuíra! exclamou brava a sua esposa, Paloma mais uma vez de modo simpático lhe responde: -Que nada, esse é o nosso porteiro. Meu marido é um galego de olhos verdes. –De olhos verdes iguais os seus? disse o rapaz. -Não, os meus são mais bonitos, não acha Macu? –Bom, prefiro me calar para não apanhar da Bianca. –Relaxa meu amor, ela é minha irmã! Bianca diz amistosamente.

O carro para diante uma casa grande com uma piscina enorme e uma churrasqueira que suava cheiro de carne boa. –Pessoal, vamos descendo para conhecer o meu marido. Também pelo cheirinho o almoço já saiu! os dois saem do carro um pouco envergonhados pelos trajes sujos e amanhecidos. Um homem alto e louro estava diante da churrasqueira com um espeto de picanha sendo tostado. –Moacir! Esta é a minha irmã Bianca e esse é o marido dela que eu falei. o loiro estendeu a mão amistosamente com sua barba suada e cheia para os dois visitantes que acabaram de chegar. De um jeito meio cafajeste abraçou Bianca e com seus dentes dourados beijou sua face. –Sentem-se pessoal! O almoço ta na mesa e vocês devem estar com fome! disse Moacir com uma voz rouca e cheiro de uísque. –Você bebe alguma coisa Macaíra? –Macuíra senhor! Meu nome é Macuíra! –Claro, Macuíra... Aceita um uísque meu rapaz? –Uísque? Que é isso? –Nunca bebeu? É divina! Coisa de gente rica! disse Moacir com certa superioridade. Já que é coisa de rico, Macuíra bebeu a tarde inteira e adormeceu num quarto preparado para os novos hóspedes.

No outro dia às cinco e meia da manhã o rapaz já havia levantado. Estava um dia fresco onde o sol ainda não acordara, Macuíra se dirige para a sala onde o recepciona a cozinheira: -O senhor é o Macuíra? Sente-se o café já será servido. Macuíra já estava se acostumando com a mordomia. Chegam os três de banho tomado, Bianca com seu sorriso apaixonado, Paloma de vestido azul claro que marcava o quadril e Moacir de camisa aberta que expunha sua volumosa barriga. Paloma já se adianta em dizer:- Nossa Macuíra! Já está de pé? Isso que é vontade de trabalhar! –É que eu me acostumei, acordo cedo, mesmo quando não precisa de nada fazer. –Vamos trabalhar comigo meu rapaz? disse Moacir amigável. –Claro! Eu sei muito bem manusear uma picareta! Macuíra responde prontamente. –Que nada! Sem essa de trabalho de peão, você vai trabalhar monitorando os meus empregados. de tanta insistência por parte de Macuíra eles resolvem ceder. Mal sabiam da ganância por brilho que tinha o rapaz, ouro era o seu brilho preferido.

O rapaz vai de carro até o local de trabalho, era uma distância tão curta, cerca de dois quilômetros, que Macuíra se incomoda com a falta de exercício dos patrões. Chega numa pedreira enorme com uns cinqüenta homens. –Desce aí Macuíra que o pessoal te ensina o que fazer. Bom trabalho. despediu-se Moacir e saiu calmamente com o seu cigarro na boca.

Macuíra anda na direção de um casebre vermelho de terra, entre barulho de tratores e maquinário pára diante um caboclo magro e suado que lhe apresenta o enorme local de garimpo. Era marrom e ocre o que a sua vista conseguia alcançar, era da pele dos trabalhadores até o chão que ele pisava. O caboclo lhe entrega um tacho de garimpo, feito de bronze muito fino que lhe iluminava a face com brilhos de sol. Macuíra estava feliz com aquele brilho no meio dos tons quentes e escuros e prontamente se põe a trabalhar. O seu local de trabalho era numa pequena esteira que passava com grandes pedaços de terra e rocha, a esteira dava para uma grande banheira com água enegrecida. O seu papel era pegar as terras e dançar os anéis de água para procurar algum farelo dourado no fundo do tacho.

O rapaz bem que tentou, pegou água de todo jeito e terra de todas as maneiras, nada adiantou.O céu enegrecendo mostra para ele que seu trabalho não rendeu nada, apenas dores nos cotovelos e nas costas. Naquela noite Macuíra nem consegue dormir de tristeza, até tentava se convencer que estava se fazendo de besta aos olhos do patrão e que lá não tinha droga de ouro nenhum. Apenas terra. O rapaz tenta dormir com Bianca de um lado e a sua ganância em seu abdome.

No outro dia Macuíra estava confiante, calçou a calça da maneira mais rápida possível ao acordar pela manhã. Tomou o seu café com rapidez e correu para o trabalho sem nem mesmo esperar o patrão acordar.

Ao chegar reencontra o mesmo local bronze e ocre, com os mesmos trabalhadores cabisbaixos e silenciosos. O rapaz vai em direção ao seu tacho que está pendurado em um muro de tijolo de barro, arregaça as mangas e se posiciona defronte a banheira de água negra. Trabalha insistente sem nem mesmo parar para aparar o suor do bigode. –Vai com calma aí parceiro, você não recebe mais se trabalhar que nem um doido não! disse um negro que estava ao seu lado. Macuíra nem se dá ao trabalho de responder. O sol frita as orelhas do rapaz quando soa o sino do almoço. Todos largam automaticamente as suas tarefas para o tão esperado almoço, menos Macuíra, afinal, ele sabia que o que ganhasse entre aquela hora de almoço, fumo e prosa seria só dele e de mais ninguém. Começa então uma frenética oscilação nas águas negras da banheira, as pedras vão descendo e o rapaz como um louco a peneirar a água. Com os olhos ardendo não mais que os ombros ele fita um brilho diferente no fundo do tacho. Um metal do tamanho de uma unha de polegar, achatada e tudo, pega-a com os dedos e dá uma limpada na barra da camisa... -Ouro!!! Macuíra dá um grito estrondosamente silencioso e comemora quieto para ninguém mais saber o que ele havia encontrado. Gananciosamente coloca o metal embaixo da língua e volta a trabalhar confiante, pouco tempo depois encontra mais duas de tamanhos semelhantes. –Isso deve dar para uns dez anéis preciosos! pensou vibrante.

Quando os trabalhadores voltam calmamente do almoço, percebem que o rapaz está calado e nem mesmo aceita um cigarro oferecido por um colega. –Gente! Que te aconteceu me jovem? Quer conversar? Ta chateado? Macuíra solta um olhar flamejante para o curioso que se cala rapidamente. Brincando com as pepitas na boca ele trabalha até o sol esfriar um bocado. Perto da hora de ir embora, quando ele pendura o tacho no prego ouve um dos chefes gritar: -Inspeção surpresa! Todos venham aqui no celeiro. o rapaz se desespera, olha para os lados e a única coisa que encontra é uma cabra que pasta calmamente perto dele. Não pensou duas vezes. Enfiou o ouro no orifício traseiro da cabra que não ligou muito para o ato de Macuíra.

Todos são conduzidos à um celeiro e despidos um a um. Dois homens armados revistam os rapazes em todas as posições possíveis. O rapaz se sente humilhado, mas agüenta a humilhação sabendo da recompensa que havia ganhado naquele dia.

Moacir vai buscá-lo para ir para casa e o rapaz não dá conversa. Quer saber apenas de ir embora e encontrar sua linda esposa. Ao chegar no sítio encontra uma mesa farta e sua linda cunhada e esposa à mesa. - Boa noite meu amor! Que cara é essa? pergunta Bianca. –Sei lá, ele veio assim o caminho inteiro. Relaxa Macaíra, nem sempre a gente sai feliz do trabalho. diz Moacir antes de gargalhar com seus dentes dourados na boca. –É Macuíra senhor. Macuíra. enquanto eles comem passa um rebanho de cabras pela janela. -Que é isso? Essas cabras são do senhor? pergunta o rapaz preocupado. –Que nada, esse é um amigo nosso que leva o rebanho dele para amolecer a terra. Só acontece uma vez por mês. Macuíra nem termina de ouvir Moacir, larga os talheres e sai pela janela como se a casa estivesse incendiando. O rapaz corre atrás da cabra branca com mancha marrom na pata direita, lá está ela a uma corrida de distância. Macuíra corre e pula em cima da escorregadia escondedora de ouro. –Macuíra volte já aqui! Que vergonha! grita Bianca em vão. O rapaz não desiste e insiste em agarrar a bichinha, nem mesmo liga para as gargalhadas dos empregados do sítio. Corre, pula e rola no barro, nem percebe que o ouro já foi depositado em um monte perto dele. Quando Macuíra se ajoelha para tomar fôlego olha para o lado direito e vê o brilho que o felicita. Avança sobre as fezes do bicho com ansiedade, esmaga-a entre os dedos e encontra as três pepitas de ouro. Põe a mão no bolso e volta para a casa como se nada tivesse acontecido, mas ao chegar na casa encontra Moacir na porta impedindo sua passagem: -Doido não entra aqui não. Anda! Pega as suas coisas e some daqui! gritou o gordo enfurecido vermelho como um dedo-de-moça. Macuíra olha para dentro da casa e vê sua esposa chorando e saindo pela porta dos fundos. –Bianca! Não me deixe aqui sozinho! ela sai da casa.

Acho bom dizer que esta foi a última imagem que Macuíra teve de sua amada, o que está por vir não é nada tão perverso quanto o que lestes até agora.

O rapaz se enraivece e pega o socador de um pilão que enfeitava a porta da frente. Avança em Moacir e tenta entre rugidos arrancar os dentes do chefe. Conseguiu dois, até tentou pegar mais, mas foi impedido pelo caseiro do sítio e um trinta e oito cano curto. Também a última imagem do rapaz quem viu foi o porteiro com o cigarro no canto da boca.

Esse foi Macuíra. Dizem por aí que é uma lenda como o Curupira, até mais famoso. Não tem os joelhos ao contrário, e sim a vida ao contrário. A sua última imagem era a de um homem sujo dos pés à cabeça de merda e barro, ainda assim sorrindo como poucos. De vez em quando ainda ouço falarem dele, de seus sorrisos de estrelas, ou de cabras que descomem ouro. Não sei se devo acreditar, mas que existem acho que sim. Seus olhos estão apregoados nos sorrisos brilhantes de belas morenas e sua ambição... Essa está em todos os seres presentes da face da terra, vivos ou não todos desejam brilhar, dos anéis de água de uma lagoa nunca encontrada até o olhar de um recém nascido. Que fique registrado:

-Macuíra é a lenda que sempre nos iluminará, seja pela simplicidade ou pela filha da putice do ser humano! Neles, Macuíra sempre estará.