Narciso
Criou mil maneiras de driblar a vida prosaica e quando aquele sonho quase nem existia mais em seu pensamento a realização caiu como uma bomba. Nascido na favela do Rio de Janeiro cujo nome nem é conhecido até pelos próprios cariocas, o menino cresceu com a cabeça nas nuvens. A mãe contava que Ele era doente desde que nasceu. Dormia pouco e acordava aos gritos, contava inclusive sobre o medo terrível que um pequeno lápis preto lhe causava. Naquela casa o lápis deveria ter outra cor Pra não assustar mais o menino. Enquanto ele crescia lentamente, sempre O menorzinho da turma e de casa, quase ninguém ali percebia sua peculiaridade no modo de se comportar. Ora, história de terceiro é difícil ser verdadeira, mas tenho fé nas pessoas e o que repasso é sim a pura verdade. Frequentou escola, trabalhou de carteira assinada, e até fez faculdade. Diz que olhando de fora é a pessoa mais perfeita do mundo, mas uma curiosidade tem de ser dita: Cadê seus amigos, aqueles que todo mundo faz pela vida a fora e tem orgulho de dizer as qualidades? Diz que esta criança já deve ser hoje um adulto de uns... quarenta e cinco anos, e não é de assustar que ele viva como se não tivesse passado? Tudo indica que ele desistiu de sonhar e que nada no mundo mais lhe interessa. A dizer a verdade, acho que Um sonho que durara quase quarenta anos fora redescoberto em outra moldura, e tudo ficou mais claro que nem o próprio sonho permanece idêntico a si mesmo. Seu tio, cabra sem estudo e mais inteligente que muito Doutor, arremata a história dizendo que: A única identidade que Narciso possuía certamente era com esse sonho que por miséria da vida agora se realizou. Tão afastado que está de seu antigo sonho de ser Doutor em Humanidades, que jura de pé junto sobre jamais ensinar outra pessoa as mentiras que aprendeu.