JEREMÃO E SUA MOTOCA
O Jeremias, sujeito grandalhão, mais conhecido como “Jeremão”, montado em seu jumento, mesmo visto de longe, era imediatamente reconhecido, pela figura desajeitada, alta e magra, a empunhar constantemente sua Violinha, com a qual se distraía, afim de não se impacientar com a lentidão dos passos do animal.
Diáriamente se dirigia ao povoado vizinho carregando em balaios a produção de sua horta, plantada e cuidada com o conhecimento de quem viveu , desde sempre, dedicado às coisas da terra.
O caminhar preguiçoso do jegue, misturava-se num descompasso rítmico com o som da Viola que sempre entoava melodias absolutamente desconhecidas de todos, mas que o Jeremão parecia conhecer muito bem, visto que, em alguns momentos, se punha a estufar o peito numa demonstração de profunda inspiração ou emoção ao tocá-las.
Mas ninguém se atrevia a perguntar-lhe que música era aquela, bastava-lhes ouví-los, ele seu jegue e sua viola, para saberem que estavam chegando, e assim todos correrem às portas ou janelas para comprarem suas mercadorias.
O Jeremão vendia de porta em porta, e não se retirava sem antes prosear bastante com quem lhe permitisse, o que não era raro, até porque ele era bom de papo, e sempre se aproveitava, durante a conversa, para tomar o café que sempre lhe era ofertado.
Este foi um cenário previsível e imutável durante anos, até que um dia...
...O Jeremão trocou o velho burrico por uma motocicleta, o que resultou, para espanto geral, num ruído mais agressivo que o pisotear do antigo asno, mantendo mesmo assim, o conjunto desajeitado de sempre, a motoca sob o motoqueiro parecia mais um pequeno velocípede, a assustar os pássaros nas margens da estrada, provocando alvoroço nos cães, outrora pacatos do vilarejo.
Após a surpresa inicial, as pessoas começaram a se acostumar com a nova figura do velho conhecido Jeremão agora com sua motoca, seus balaios...e sem viola, já não precisava mais dela para se distrair, a motocicleta se deslocava muito rápido, e além do mais, ele necessitava das duas mãos no comando daquela máquina.
Assim as coisas seguiam para o orgulhoso vendedor, montado num meio de transporte moderno, sinal de realização pessoal e profissional, tendo a clientela como sempre comprando as verduras e frutas, deixando o antigo jumentinho bem como a Violinha, em casa, guardados, aposentados.
Certa manhã, ao chegar em frente à casa de Dona Chiquinha, antiga moradora da vila que sempre adquiria os produtos que ele vendia, estacionou a motoca, se dirigiu à velha senhora e cumprimentando-a perguntou orgulhoso:
-E aí D. Chiquinha, gostou do meu novo veículo?
Ela fitou-o com um olhar grave de desaprovação, pensou... pensou...e respondeu meio desapontada:
-Ô menino, não me leve a mal não, mas eu não gostei.
Justamente agora que eu estava para descobrir que diabo de música era aquela que voce tocava!!!
O Jeremão engoliu algo inexistente, fez menção de retrucar, sorriu amarelo, entregou-lhe as couves, abraçou a motoca com suas longas pernas e lá se foi dando de ombros, enquanto pensava remexendo no baú de memórias querendo descobrir “ afinal de contas que música era mesmo aquela???!!!”
Um grande abraço à todos e até a próxima,