Bárbaras baratas de Barbara
Era uma vez uma criança. Está bem, não era nada, é.
Nasceu.
Testes feitos, resultados de gente normal, corpo de menina.
Registraram com nome de mocinha, Barbara.
A carinha era de bebê, o choro também, as melecas produzidas por aquela bundinha diziam serem coisas comuns feitas por recém-nascidos, mas será? Que seja.
Crescendo, seguiu a vida. Princesa para o pai, brinquedo para a mãe, tormento para os irmãos.
Barbara, um serzinho de saia de pregas iguais a todas as meninas da escolinha, se não olhada com atenção passaria por mais uma.
Porém aqueles olhos de jabuticaba escondiam algo que o nariz de Narizinho tentava ocultar.
Tirando frases chocantes ditas vez ou outra, como: ― Papai não seja inconsequente – repreendendo assim uma brincadeira com fósforos entre o pai e o irmão, apenas dez meses mais novo, ela se comportava como uma criança de seis anos.
Mas um belo dia, em pleno recreio, cometeu o ato mais assustador que uma doce menininha poderia cometer.
Era a primeira série, com escrita e leitura perfeitas nos primeiros dois meses de aula, chamou bastante atenção por aquelas redondezas da capital. Mas algo ainda ia levantar mais frisson na escola primária.
Todos lanchavam tranquilamente, até começar uma correria alucinante. Todas as meninas, sentadas num banco comprido, levantaram em disparada para o outro lado do pátio e começaram a gritar. Os meninos, ao invés de ajudar, só olhavam e riam apontando para uma baratinha que saltitava pelo banco.
Barbara só queria terminar de comer o sanduíche de queijo e para isso, teve que tomar uma atitude drástica. Levantou de sua mesinha no canto, onde todas se amontoavam naquele momento, pisando duro como um touro, chegou até a barata, arrancou o tênis conga do pé e a amassou com uma só congada. Voltou como se nada tivesse acontecido- para ela não aconteceu mesmo- sentou e terminou o lanche. “Hum gostoso.”
Nem se deu conta do silêncio de toda a escola.
Com a popularidade em alta, era normal ser odiada ou amada.
Na intensa adolescência, o ato mais tenebroso não foi exatamente matar baratas, o que para os amigos já era bem comum, o assustador mesmo era a frase dita a todos os pretendentes:
― Você precisa de terapia, vai se tratar e depois vemos esse assunto de namoro.
Isso não a impediu de ser um sucesso entre os meninos, eles apenas não a levavam para conhecer as famílias, preferiam tê-la como um troféu no campinho de futebol. AH, claro, ela batia um bolão.
Quando saía, não era nenhuma caminhoneira, muito pelo contrário, era a princesa idealizada pelo pai. Bem vestida, perfumada e com maquiagem cor de rosa.
Ao ver uma barata, a reação era sempre a mesma; olhava com cara de pena para a bixinha, mas sabia que iria precisar dar um fim no inseto, antes que todo o ambiente ficasse em polvorosa. Matava do jeito mais rápido possível. Usava guardanapos, copos, panos de chão, até cigarro aceso usava. Meninas matadoras de baratas podem ser assustadoras para a humanidade e isso ela não queria, então a munição era sempre de manuseio rápido e discreto.
Cansou de tanto mandar meninos para a terapia e virou uma doce encantadora de meninos, mas em pouco tempo os mandava embora e os quilos de problemas que os seguiam; foi quando se deu conta disso que resolveu mudar de atitude com os seres baratescos. Assustando ou não as pessoas ela faria suas próprias vontades, assim como deixou os meninos serem loucos desequilibrados e problemáticos, um dia ela suportaria um e vice-versa.
Passou a não matar mais nenhuma barata, nenhumazinha mesmo, em todas as bolsas dispunham de um apetrecho básico, de tamanho variado, para melhor acomodado ficar, nos variados modelos dos acessórios da moça.
Frequentadora assídua da Lapa às sextas-feiras, causou um tititi tremendo quando usou pela primeira vez o potinho mágico tirado da bolsa de zebra.
A barata estava na parede, mal dava para ver, por isso gritos não se ouviu, mas ela viu e vendo, agiu. Sorrateiramente, encostou o pote e com um cuidado usou a tampa para empurrar para dentro aquele ser de duas antenas, asas estranhas e sei lá eu quantas patas. Quem entende desse bicho é ela, não eu.
Esse foi só o primeiro de muitos resgates. Ninguém sabia ao certo o destino das baratas, mas todos viam aquela cena e montavam versões diversas. Eis que um dia, Barbara é pedida em casamento. Nesse dia, lembrou-se de não mandar o fulano para a terapia, mesmo ele tendo mania de pintar a unha do dedinho do pé, só essa. Aceitaram ceder daqui e de lá. Ela não comeria mais alho inteiro; ele não cutucaria a orelha com a tampa da caneca; ela não tiraria mais o sutiã em público cada vez que se sentisse apertada; ele jamais usaria meias furadas no dedão.
Regra dela era ele só conhecer o quarto quando cassassem. Chegaram da lua de mel e o maior desejo do moço era ver o quarto decorado por ela, sem chances de palpites dele.
Ele entrou no quarto, olhou e gritou:
― JESUS.
Desmaiou.
Na parede da cabeceira da cama tinha um aquário, mas sem uma gotinha de água sequer. Tudo que se via era um emaranhado de baratas cor de rosa de todos os tamanhos. E não me pergunte como elas ficaram rosa, eu não sei.
Após um mês no hospício, porque nenhum médico acreditava na história absurda do homem, ele foi liberado e na porta da clinica, Barbara o presenteou com um potinho e assim viveram felizes para sempre, ou até um certo carnaval em Porto Seguro, Barbara, o marido e as baratas.
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No meu blog esse conto temuma linda ilustração, visitem:
http://simplesmentedevaneios.blogspot.com/2009/02/barbaras-baratas-de-barbara.html