O PADRE ROLIM
No quesito “ser religioso e engraçado”, não se tem notícia nas freguesias de Fortaleza de outro sacerdote que tenha dado quinau no padre Rolim. Este foi, verdadeiramente, um camarada que – sem jamais sair de seu status de homem de batina – fazia coisas bem engraçadas.
Flanei e cresci, no Monte Castelo, ouvindo dos mais velhos que ele era “um dos nossos heróis brasileiros”, pois, na condição de ex-capelão não sei de qual das três armas, estivera nos campos da Itália, junto com as tropas expedicionárias, durante a Segunda Guerra Mundial. Diziam que, em casa, o padre ostentava na parede da sala uma bela e dourada espada de prata, que era um colosso de peça ornamental.
Muito tempo havia que oficiava missas na paróquia de São Gerardo, quando a Av. Bezerra de Meneses, via na qual a igreja fica situada, não era ainda a atual suntuosidade em trânsito, lojas, shoppings, edifícios e alamedas arborizadas.
Na mesma avenida, esquina com a rua em que morei, fica a Sociedade de Assistência aos Cegos, onde, vez por outra, aos domingos, o padre Rolim também celebrava missa na ermidinha ali existente, a fim de atender espiritualmente àquela comunidade de pessoas especiais e à população da circunvizinhança, em geral. Minha mãe, dado aquele pé lá e outro cá, era freguesa frequente dos atos religiosos sob a batuta do pároco oficial de S. Gerardo.
Por tudo quanto era canto desta Loira Desposada do Sol, de ônibus, você via o padre Rolim, sempre metido numa batina rota, ora de cor bege-cinza, às vezes preta. Na igreja, menos, mas o ônibus era justamente o local ideal para a prática das travessuras daquele divertido cura. E uma das traquinagens prediletas dele era dar chulipas na orelha de um vivente.
Podia ser um garoto ou menina a vítima, mas na falta destes o padre sapecava uma chulipa na orelha de uma velhinha distraída, ou que fosse mesmo na de um marmanjo barbudo. A pessoa eleita pela chulipa olhava para trás ou de lado, furiosa, às vezes. Quando via o religioso se disfarçando, caía na risada. Mas o padre continuava na dele, sério como um frade de pedra. Tão corriqueiro tornou-se esse proceder brincalhão do vigário que não consta haver-se lavrado qualquer ocorrência policial ou que ele tenha tomado, por conta, algum safanão. A brincadeira era sempre levada na flauta.
Fui morar junto ao portão-sul da Base Aérea, já cursando uma faculdade. De novo, por destino, lá vem o padre Rolim no meu itinerário. Ele ia “dizer” a missa lá dele, na paróquia de Aparecida, e, de volta, a pé, passava pela nossa porta. Eu o via arrastando a batina, tirava-lhe a terreiro. Saía-me sempre com esta: “– Olá, padre Rolim. Ô padre rico!” E ele retrucava, por cima do lombo: “– Ora rico!”
Segundo minha mãe, outra vez freguesa das homilias conservadoras dele, nessa dita igrejinha de Aparecida, por rebeldia o vigário não admitia, nem por hipótese, missas em português. Tinha que ser missa rezada em latim, pois ele, padre Rolim das quantas, ex-combatente na guerra, não iria embarcar nas tais modernices de um Concílio do Vaticano, realizado no oco do mundo.
A chalaça que eu lhe jogava de “padre rico” era uma alusão à chácara do padre, propriedade bem cuidada e bucólica, ali nas proximidades. Quase uma quadra de terreno com muro alto, a casa montada no meio do arvoredo, tudo só plantas frutíferas. Um meu amigo, que era contador, vizinho do padre, certa vez foi comprar carambolas no pomar. Não havia quem subisse no pé da árvore, o próprio freguês foi autorizado a ir colher as frutas. O meu amigo, lá no alto, comia uma carambola e jogava outra para ser computada na conta. Padre Rolim, que não estava morto, perguntava assim: “– Seu Antônio, tem algum passarinho aí comendo e jogando as cascas?”
No trecho em que morávamos, duas linhas de ônibus cobriam o transporte urbano de dois bairros conjugados: Montese e Itaoca. Um dia, no ônibus deste último bairro, o padre Rolim vinha todo pimpão, sentado perto da porta dianteira. E lá vai subir no ônibus uma senhora bastante idosa. Eu, em cadeira mais atrás, via e ouvia o cinema dos acontecimentos, já esperando por mais alguma nova do nosso irreverente “herói brasileiro”.
Claro que a senhora idosa deu a maior mão de obra para adentrar ao coletivo. O batente era alto e as forças da macróbia não na ajudavam em nada. Também já anoso, o padre não aluiu uma palha para socorrer a anciã. Quando ela conseguiu aboletar-se na primeira cadeira, padre Rolim foi categórico no conselho evangelizador: ”– Minha velhinha, não saia mais de casa, não. Você já está boa é de morrer!” A velhinha danou-se e mandou o petardo de volta, na rosca do nariz do vigário metido: “– Quem tá bom de morrer é o senhor!”
Após esse diálogo dos dois “coroas”, todos riram e gargalharam a um só tempo. Até mesmo o condutor do veículo riu às bandeiras despregas com a hilariante cena, envolvendo o ex-capelão das Forças Armadas, com patente de oficial e tudo. Só quem não riu nem achou nada engraçado, certamente crente de ter cumprido com a sua missão de piedade cristã, foi o velho sacerdote, que se manteve incólume no seu assento.
Fort., 05/02/2009.
P. S.: Ao garatujar as linhas acima não quis, de propósito, botar aqui um fato hilário que se deu com o nosso padre-herói. Mas, pensando bem, vou agora contar o caso como o caso foi, num bauniário, lá onde uma escola monacal realizou piquenique com uma récua de jovens estudantes, todas só mulheres.
O padre foi ao piqueninque, tudo bem. Já era mesmo um coroão considerável. Afinal, ele "dizia" missas na instituição religiosa, de vez em quando, fazia a Páscoa, além de proferir palestras, etc., para a estudantada, vez ou outra.
Meio à diversão da patota jovem, à beira da piscina, linda manhã de sol. E, de calção-sanfona, feito um cancão, o padre se deixou ficar mal sentado, pernas bem abertas e nem sabia que ali um olho curioso o fotografava.
Uma garota meio marota olhou, olhou bem, fitou bem o volume do padre e viu... viu, afinas de contas, as vergonhas do padre. Depois, já na segunda-feira, de volta ao batente das aulas, a guria comentou para a colega: - Neguinha, eu acho errado o nome desse padre Rolim, que vem muito por aqui, de vez em quando. Pelo que vi dele, ontem, quando estava de mal jeito, lá no piquenique, não devia se chamar Rolim, não. Mas outra coisa... e no aumentativo.
A outra garota riu às bandeiras despregadas. Pois entendera bem a coisa. E bateu com a língua nos dentes. Fez isto até não poder mais. Com o ti-ti-ti da menina a notícia se espalhou e virou troça em todas as classes da escola, que era dirigida por freiras, não sei de que ordem religiosa.