Causos de "Poliça" - 3 em 1
Operação pente fino
Saí da casa de uns amigos em Copacabana as duas horas da madrugada. Para uma Sexta-Feira a cidade estava até calma. Minha mulher esta trabalhando até as seis horas da manhã na campanha de um candidato a prefeito. Vou aproveitar para curtir a noite e rever os amigos. Adoro dirigir na "madruga". Ouvindo uma música no meu celular e fluindo no transito tranqüilo das noites cariocas. Vou bem devagar, fumando a ponta de um baseado em direção a Lapa. Uma coisa me preocupa, o fato de não ter documentos do carro e nem habilitação para dirigir. A parte isso tem em mim todos os sonhos do mundo. Janela do meu carro, de um dos muitos milhões de carros que cruzam as ruas da cidade. Será que logo o meu carrinho será parado pela cachorrada? Na duvida joguei a ponta do "beque" pela janela. O vento fresco dava o tom de liberdade. Aumentei o som e pé pra Lapa que a noite é uma criança. Nada poderá me deter. Para o alto e avante!
Antes que eu pudesse alçar vôo uma "dura" me surge como uma pedra no caminho. Havia uma pedra das grandes. No caminho uma puta pedra grande. Operação especial. A cachorrada reunida. Diminui o volume do som e fui passando bem devagar, sem dar bandeira. Nem tudo na vida acontece como queremos e eles resolveram me parar. Um Gol 90, com um cabeludo dirigindo, no mínimo é suspeito. Blitz, documento!
- Encoste ali, por favor.
Disse um policial com cara de pouco amigos e com aquela voz intimidadora. Parei meu carro e falei a primeira verdade.
- Tenho muita coisa pra explicar.
- Então encoste mais lá no fundo.
"Mais lá no fundo", era um lugar mais escuro, perto do acostamento enfrente ao instituto PHILIPE PINEL, coisa de louco. Fiz o que a autoridade havia mandado. Desci do carro como quem não acredita muito na instituição e sem medo de ser feliz. O cheiro de maconha era inevitável. Não havia como disfarçar, então relaxei. Fui direto.
- Boa noite. Não vou mentir para o senhor. Não tenho carteira e nem documento do carro.
Precisei explicar porque não tinha documentos do meu carro.
- Comprei o carro numa agência safada que me cobrou para fazer a transferência e não fez. O nome da agência é "Beth Car" em Campo Grande, que agora nem existe mais. Os donos, ladrões safados, sumiram e não compareceram a nenhuma audiência. No fim ficou tudo por isso mesmo e eles devem está roubando outro babaca por ai.
- Então meu amigo seu carro será rebocado.
Nessa hora fiquei triste. Olhei para o guarda sem palavras e baixei a cabeça num drama forçado e verdadeiro. Se rebocarem, pra tirar do depósito sem os documentos vai ser impossível.
- Será uma pena perder o carro, mas os senhores devem fazer o que é certo.
Disse isso olhando firme no olho do policial. Ele olhou pra mim, foi até seu carro de "poliça", falou no radio e voltou dizendo que havia chamado o reboque e que logo ele chegaria. Nessa hora meu coração se encheu de alegria. Quem ele estava querendo enganar. Àquela hora, reboque da prefeitura. Duvido. Relaxei total. O guarda que falou no rádio passou por mim de “cara feia” e foi para a beira da rua, abordar outros “buchas”. A essa altura eu já tinha entendido toda aquela operação. No mesmo momento outro guarda se aproximou como quem não quer nada e foi logo dizendo:
- Rapaz, que bobeira que você deu. Dirigir sem documento nenhum. Ainda com esse cheiro de maconha. Vai perder o carro. Você tem alguma droga, arma ou coisa assim?
- Infelizmente, o senhor tem toda razão. “Garotiei”. Mas sou do bem, não tenho mais nada aqui que possa me incriminar.
O guarda começou um papo de que não seria fácil tirar o carro do deposito, que eu iria gastar uma grana preta. Eu só olhava para ele e lamentava com cara de quem não vai poder fazer nada. De fato não poderia. Se o reboque chegasse era adeus carrinho. Mas estava ficando cada vez mais clara a situação. Golpe conhecido, o famoso Cosme e Damião. Enquanto um bateu o outro veio para assoprar. Nem me abalei. Normal, bastava fingir que não estava entendo que logo viria o preço. Nem demorou muito.
- Meu amigo. Vamos tentar resolver isso aqui mesmo. Nós não estamos aqui para prejudicar ninguém.
- Resolver aqui como?
Perguntei como quem não sabe de nada.
- Já te falei que você vai gastar uns quinhentos reais para conseguir tirar o carro, fora o tempo que vai levar com a burocracia. Pensa ai e me faz uma proposta que seja boa pra todos nós e melhor pra mim, claro.
Na hora eu ri por dentro, gargalhei na cara do policial sem movimentar um músculo do rosto. Então eu já não sabia, pra que esse teatro todo. O pior é que eu não sabia nem se tinha ou quanto tinha de grana na minha carteira.
- Olha amigo. Sem querer te ofender, mas eu acho que tenho quatorze reais na carteira.
- Não tem ofensa alguma. A vida é dura. Conta lá e coloca a quantia dentro desta capa aqui.
Me entregou uma capinha de documento vazia, que já fazia parte do esquema. Entrei no carro, coloquei os 14 reais, que era tudo que tinha e entreguei para o policial, que só faltou dizer "Deus lhe pague". Na hora ele me disse que eu podia ficar tranqüilo e ir embora. “Me liberou”.
Liguei meu carro e fui para Lapa com um sorriso na cara e muitas ideias na cabeça. Coitado, ter que fazer este papelão pra conseguir uns trocados.
A cidade é mesmo uma loucura.
O mundo dos espertos
Acordei cedo, peguei meu carro e fui dar aula de teatro lá em Campo Grande. O tempo de viagem é de uma hora. Até ai nada de estranho, tudo tranqüilo. Acabei de dar aula e voltei. Na Brasil de sono, dormi no volante. Cheguei a sonhar e tudo, uns segundinhos que podiam me custar caro. No susto parei o carro no acostamento e tirei um ronco. Acordei umas duas horas da tarde e continuei o retorno para minha casa em Santa Teresa. Estava com muita fome e parei para gastar meus últimos dez reais. Gastei apenas cinco. Comi um joelho (uma espécie de pão com presunto e queijo) e bebi meu suco preferido de laranja, beterraba e cenoura, o famoso três em um. Você encontra este produtos em qualquer FAST FOOD CHINÊS, experimente!
Segui viagem e estava quase chegando quando dois policiais, me pararam numa curva na subida do morro de Santa Teresa.
- Documento do carro e habilitação.
Disse o guarda com a autoridade de comandante do mundo. Eram só dois e estavam fora do carro. Percebi logo que eles estavam ali para descolar a hora extra do mês.
- Amigo, vou ser sincero. Não tenho nenhum dos dois. Sai de casa correndo e esqueci tudo.
Com uma olhar de frieza ele me disse para encostar o carro ali próximo que logo o reboque viria para buscar. A velha historia do reboque. Fiz exatamente o que o guarda mandou. Tudo que o mestre mandar, faremos todos. Encostei o carro, peguei meus objetos pessoais, coloquei tudo na minha mochila. Fechei os vidros. Tranquei a porta, coloquei a mochila nas costas e fui embora sem cerimônia. O guarda só faltou ter um troço quando me viu partindo.
- Oi, onde você vai?
Perguntou com uma voz de garoto perdido.
- Vocês vão rebocar meu carro e estou atrasado para dar aula. Preciso correr.
- Mas o senhor vai deixar o carro ai?
- Vocês não precisam de mim para terminar o serviço.
Disse está ultima frese já dando as costas e caminhando em direção ao ponto de ônibus. O guarda não sabia se rolava ou se gemia. Tentou ser o mais direto possível.
- Ei, amigo. Consegue uma grana pra gente lanchar e leva teu carro.
Respondi firme.
- Você vai me desculpar, mas a grana que tenho aqui só dá pra eu chegar me Campo Grande de ônibus. Não dá nem pra voltar. Mas eu tenho que ir que meus alunos estão me esperando.
O guarda se deu por derrotado. Disse para eu esperar um pouco. Foi na direção do outro policial, com quem falou alguma coisa. De lá mesmo, no sapatinho, disse:
- Professor, pega seu carro e vai embora.
Na hora voltei para o carro, abri, liguei o motor e parti feroz.
O mundo é dos espertos. Não sou malandro, mas me destaco do otários. Os dois cachorros ficaram a ver navios. Vai roubar de outro!
O palhaço e o “poliça”
Conto de fadas
Para ganhar a vida, além de vender drogas trabalho divertindo a criançada. Brincadeira. Eu nem sou tão divertido assim. Mas as vezes tenho que fazer uns bicos como animador de festas. Um saco animar filho de rico, mas eles pagam bem e na hora. Sai tarde da festa de aniversario do Aroldinho. Uma peste de apenas cinco anos de idade e seus coleguinhas terroristas. Os moleques passaram o dia correndo atrás do palhaço gordo, eu já não agüentava mais.
Peguei meu carro ainda de cara maquiada e fui correndo para o teatro, onde estou em cartaz com uma comédia sem graça. No caminho do Jardim Botânico até Laranjeiras tive tempo de pensar na vida de artista. O transito estava infernal e o palhaço lá, com cara de mal. Minha mãe sempre dizia que eu seria um grande artista. Tinha razão, tenho cento e vinte quilos e sou ator. Posso dizer que sou um grande ator.
Saí do Rebouças, entrei a esquerda para Laranjeiras e o transito melhorou muito. Dei aquela suspirada e acelerei. Faltava menos de trinta minutos para começar a peça. Beleza, vai dar tempo. Pensei comigo. De repente, antes que eu pudesse dizer “meu Deus”, uma dura enorme. Um policial maior que o outro. Um deles, acho que o maior de todos, olhou pra mim e mandou que encostasse. Tive a impressão que ele estava rindo quando olhou pra mim. Devia ser por conta da cara de palhaço/pinta de palhaço/foi esse meu amado fim. Encostei o carro e esperei.
- Boa noite. O senhor poderia abrir a mala, por favor.
- Vou ser bem sincero com o senhor. Se eu enfiar minha chave na fechadura do porta malas, ela vai ficar agarrada e só vou sair daqui com a ajuda de um chaveiro.
Meu porta malas estava com esse problema, só naquela semana já havia gastado uns cinqüenta reais em socorro do chaveiro.
- Documentos do carro.
Falou isso com um voz que gelou minha espinha. O que dizer para este homem se não a verdade. Não tenho nenhum documento. Vai dar merda.
- O senhor vai me desculpar mas este carro foi comprado a pouco tempo, a agencia na transferiu e o processo ta correndo.
A este altura eu já estava fora do carro, esperando o pior. O policial achou graça e perguntou:
- Mas habilitação o senhor tem?
Respondi sem pensar:
- Tenho.
Entrei no carro e fiquei pensando o que iria dizer para o pobre do policial. Saí do carro. Olhei direto nos olhos do guarda, isso sempre funciona, e falei em tom serio:
- Não vou enganar o senhor. Nunca tive carteira de motorista, este carro é da minha esposa.
O Policial falou uma frase que ficou gravada em minha cabeça de tão espontânea:
- Porra, palhaçinho!
Me olhou sorrindo.
- O que eu faço com você?
Era exatamente o que eu estava pensando. Como vou sair dessa. Só pensava na hora da peça. Não conheço nenhum um ator que tenha faltado ao trabalho. Iria entrar pra historia. O único ator a faltar uma peça. Que grande merda.
- Seu guarda, não quero ser chato. Sei que estou todo errado. Mas preciso chegar no teatro do Museu da República para trabalhar. O público não pode esperar. Com aquela cara de palhaço talvez o guarda se comovesse com meu apelo. O policial olhou pra mim e anunciou:
- Palhacinho, não quero ver você nunca mais. Pega teu carro e some, vai pro teu teatro.
Entrei no carro e acelerei sem refletir no que acabará de acontecer. Só pensava em chegar a tempo no teatro.
Ainda bem que por trás daquela farda e armas havia um artista. Obrigado!