INQUEBRANTÁVEL

Há sujeitos que nascem naturalmente alegres. Amanhecem e anoitecem com o mesmo sorriso com que levantaram. Conheci, na isolada Coimbra, no pantanal sulmatogrossense, um sujeito assim.

As dificuldades do ir e vir, a escassez de bens básicos, desses que as cidades grandes oferecem, nunca o abateram.

Creio que nem as constantes mudanças de humor da esposa, ou as viroses que hora ou outra acometiam-lhe os filhos, nem os mosquitos diuturnos, as enchentes ou as milhares de aranhas expulsas das grotas na época das chuvas, que atazanavam os poucos viventes da ilha, o tiravam de seu bom humor perene.

Encontrávamo-nos no meio do rio vez ou outra; ele vindo, sempre com um dos filhos, e eu indo, sempre só, e se não pescara nada, ou o suficiente para a família numerosa, ainda assim sua alegria era a mesma.

Dirigia-me francos sorrisos que lhe iluminavam o rosto, como se fora um seu amigo de longa data. Desligávamos os motores de popa e os barcos desciam rio abaixo ao sabor da correnteza, enquanto ia desfiando as sortes ocorridas na pescaria, os peixes que perdera à borda do barco, os que errara a fisgada, as linhas quebradas, os enroscos, e após desfilar os causos do dia com o entusiasmo de quem vinha de um sucesso, punha-se a me aconselhar esse ou aquele ponto, onde vira cardumes de pacus subindo o rio, ou dourados nas pedreiras de tal local pouco "batido".

Nunca se importou com meus monossílabos ou meu mutismo de inópia congênita. Talvez tivesse pena “daquele sujeito ensimesmado”.

Permaneci em Coimbra, a trabalho, por três anos, e sendo visceralmente macambúzio, contrário, portanto, ao caráter daquele sujeito que me tomara por amigo, nunca o veria tristonho, nem quando certo pé de vento virara seu barco ancorado às margens do Paraguai e lhe levara as tralhas de pesca.

Há homens que encaram a vida com simplicidade e singeleza, para os quais não há mistérios que não se explique pelos cinco sentidos, nem existem causas ou porquês a serem lucubradas.

Há homens para quem o tempo que passa, ao contrário de lhe dobrarem ou alterarem a índole, parecem permanecer incólumes às experiências que sofrem ou gozam na pele.

Como aquele, naturalmente risonho e satisfeito, a quem nunca chamei de amigo como o faço tardiamente hoje.