O HOMEM QUE QUERIA SER EU

Akito Obara e sua esposa Oky viviam do que plantavam em seu pequeno sítio encostadinho à cidade e era nosso vizinho mais próximo. Aprendi a gostar daquele pequeno japonês logo que ali chegamos quando eu tinha menos de 10 anos. Nutria por ele uma simpatia e não sabia explicar se era de irmão (que eu não tivera), pai ou avô.

Sempre sorridente e disposto, Obara costuma dizer a todos do bairro que gostaria de ser um homem como eu, palavras que só vim entender anos mais tarde, quando a juventude foi ficando para trás e ‘amizade e família’ ganharam outro significado.

Sempre o tratei com respeito sem deixar de lhe contar uma piada, um fato engraçado, um causo. Sem parentes por perto, era eu quem lhe socorria quando se fazia necessário sem nunca olhar ao relógio, e lia para ele os jornais em voz alta. E não fazia por recompensas, seu sorriso de satisfação me bastava.

Nos víamos pelo menos duas vezes ao dia e quando, por um motivo ou outro isso não acontecia, um de nós procurava saber o que havia acontecido sem a necessidade de se usar palavras. Palavras que ele economizou até quando foi covardemente agredido por dois marginais que lhe roubaram o resultado da venda das hortaliças; recusava-se, sorrindo, a revelar os nomes temendo pela minha reação.

Casei e construí minha morada ainda mais perto de Obara. Quando do nascimento de minha filha, ele chorou em meu ombro de contentamento e dizia com seu português atrapalhado, que agora sim, estava completa a grande família.

O que Obara nunca chegou a saber é que na verdade eu o invejava. Invejava aquele sorriso sem maldade e seu coração bondoso. Invejava suas mãos calejadas sem reclamações. Invejava sua calma diante de um problema dizendo que, por causa disso, o mundo não iria acabar. Que não havia mal que durasse a vida toda. Que havia coisas mais importantes que um monte de dinheiro e que a arrogância é uma arma perigosa, pois envenena a alma por mais limpa que seja. Eu invejava aquela sabedoria oriental que abastecia de sol meus dias nebulosos. Obara sempre estava certo e eu, covardemente, nunca tive a humildade de lhe dizer isso. Nem ao menos um obrigado.

Naquela tarde de domingo quando brincávamos de pescar em um açude na sua propriedade, por imprudência, deixei minha pequena, então com seis anos, aos cuidados de meu filho de 12 anos. Ela acabou resvalando de seus braços caindo na água. E foi Obara, sem saber nadar, que se jogou antes de todos e a salvou. De onde eu estava não sei se o resultado seria o mesmo. Ao tentar voltar à margem, o velho amigo acabou por enroscar o pé numa rede de pescaria abandonada no fundo das águas e presa a um galho de árvore.

Agora dou outro sentido a narrativa colocando no título um ponto de interrogação.

O HOMEM QUE QUERIA SER EU?

Igualzinho a você Obara. Mas nem vivendo duas vezes 84 anos, chegarei sequer aos seus pés. Você era um rei e eu não sabia.