Seu Sivério e Dona Pulcina

Na varanda da casa da esquina, ficava o seu Silvério assentado com a sua sanfona. Inseparáveis, ele e o instrumento. Era sempre uma mesma música que tocava: Fom! Forom! Forom! Fom! Forom!

Quase toda tarde de domingo, cursava assim: Com a sanfona do Seu Silvério em plena atividade.

Outras cenas se repetiam com frequência:

A Dona Pulcina, sua esposa, sempre cozinhando em seu fogão de lenhas, lavando e passando as roupas das madames;

Os muitos lençóis estendidos no varal. Branquinhos de dar gosto;

A Dona Pulcina sempre pedindo para a criançada não ficar zanzando entre os mesmos e muito menos relando com a mão suja de terra de quintal, nos quadrados de pano que ela lavava com tanto esmero.

Trocavam informações, ela e a tia Ondina, sobre truques para se retirar as manchas das roupas e assuntos do gênero.

A tia Ondina também era lavadeira e das boas. Só que minha tia já não tinha tanta paciência com a criançada. Espantava aos gritos, o bando, e ai de quem ficava na sua reta nesta hora, levava sopapos na cabeça, com sua mão pesada. Para isto bastava somente aproximar-se dos inúmeros varais estendidos no terreiro ou das roupas que quaravam ao sol, em cima da grama.

Da Dona Pulcina também me lembro dos choriços feitos do sangue e da tripa do porco, bem temperadinhos com alho, pimenta calabresa e cebolinha.

Uma delícia!

Por várias vezes a vi preparando esta iguaria.

Ela engordava os leitões durante todo o ano, com os restos de comida doados pelos amigos locais.

Em dezembro sacrificava dois dos bichos já bem graúdos. Então, dividia as partes com a vizinhança.

Dava pena dos bichinhos. Mas, minha mãe sempre me convencia de que aquela forma de morrer, era mesmo a sina dos animais.

Os dois eram padrinhos da minha irmã.

O Seu Silvério era uma figura muito querida. Sempre muito carinhoso com minha irmã. Continuamente a abençoava e lhe entregava um cruzeiro, a moeda da época.

Eu, menina, observava todas estas coisas e ficava admirada. Ele frequentemente fazia a mesma pergunta:

- Hoje é dia vinte e cinco?

Dia vinte e cinco era a data de recebimento do seu benefício de aposentadoria. Avançado em idade e já com a memória débil, mas do dia vinte e cinco ele jamais se esquecia.

Estou me lembrando do seu Silvério neste momento. Estávamos, em família, conversando sobre ele no dia de Natal.

Pessoas como este senhor nos trazem sempre boas recordações. Ficava ali, na varanda, tocando sua sanfona, esticando o fole para lá e para cá ...

Dançávamos ao rítmo repetitivo da música que ele animadamente executava.

Aquele velhinho nunca incomodava a ninguém.

Não tenho muitas informações sobre a vida do Seu Silvério. Queria detalhar mais a sua linda existência. Esta foi realmente a minha sincera intenção.

Felizmente, consegui registrar alguns trechos da história do Seu Silvério aqui neste breve conto.

Ele desapareceu assim do nada. Não se sabe o que aconteceu. O consenso geral foi que caiu no Paraíba e se afogou. Mas, o corpo - este nunca foi encontrado.

O Velho tinha o hábito de recolher gravetos nas margens do rio para alimentar a chama do fogão de lenha. Ficou então a lenda de que o Seu Silvério morreu nas águas do Rio Paraíba do Sul. E assim terminou a história do simpático padrinho da minha irmã.

A Dona Pulcina, esta pelo que sei, já bem avançada em idade, terminou seus dias em uma casa de repouso.

Que Deus os conserve em um bom lugar!

rdeziderio
Enviado por rdeziderio em 08/01/2009
Reeditado em 17/01/2009
Código do texto: T1373212
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