Frango assado voa?

----Se no alvorecer de todas as manhãs  eu despertar com saúde, tenho certeza, que Deus estará comigo! Caso, em uma manhã qualquer, eu não despertar para a vida, com certeza, eu estarei com Deus!

Numa boa... numa legal!

Era com esse bordão que o tartaruga abria seu programa, em todas as manhãs de domingo, na rádio comunitária ali da Vila Alpina. Logo após a abertura, Lalá, seu parceiro de programa, acrescentava:

----Bom dia Brasil! Bom dia São Paulo! Bom dia região de Vila Prudente! Bom dia meu pessoal querido de toda a zona leste!

E o Tartaruga finalizava:

----Está no ar o melhor programa de música sertaneja da rádio brasileira, "Cabocla Tereza", O programa que alegra suas manhãs de domingo!

E então, como acontecia em todos os finais de semana, eles iniciavam o programa com a música "Cabocla Tereza", interpretada por Tonico e Tinoco, "A dupla coração do Brasil", como o Tartaruga fazia questão  de frizar.

O tartaruga era um cara todo desajeitado. Andava todo troncho e devagar quase parando, parecia realmente  uma tartaruga. Dai então o apelido, que com certeza, lhe era muito apropriado. Gostava de tomar uns tinguas danado, e geralmente quando apresentava o seu programa, que começava as dez horas da manhã, já estava meio calibrado.

Era ele, também, quem comandava as atrações de palco quando havia quermesses ali no bairro. E foi exatamente por causa dessa sua bebedeira, que a organização dos festejos, o afastou da função de apresentador. Isso o deixou bastante magoado. Vivia falando pelos quatro cantos que, ali no bairro, ninguém dava valor  aos pratas da casa. Porém não adiantava querer esconder o sol com a peneira. Todos sabiam que a realidade era bem outra. A verdade é que além de mentiroso, ele era, também, um grande beberrão. Não era de beber até cair. Para falar o português claro, era daquele tipo que quando bebia enchia o saco. Mas no fundo era um sujeito  boa praça.

Já o Lalá era mais maneiro. Gostava de tomar suas cervejinhas  nos fins de semana e dificilmente se embriagava. Era daquele tipo de pessoa que sabia parar na hora certa. Porém não era lá muito ajuizado não. Costumava vez ou outra dar suas brechas. Coisa de pessoa sem muita responsabilidade. Daqueles que você tem que ficar com um olho aberto e o outro bem arregalado. Um olho no defunto e o outro no urubu.

E naquele domingo eu naõ sei de onde tiraram aquela idéia de sortearem entre os ouvintes que ligassem para a emissora pedindo músicas, um frango assado, gentilmente oferecido pela panificadora Irmãos Unidos, a melhor da região, como o Tartaruga gostava de anunciar durante a programação.

E durante o programa eles anunciaram várias vezez o sorteio do tal frango assado para os ouvintes que ligassem para a emissora. Umas cinquenta pessoas ligaram para lá e eles foram anotando em papéis picados o nome e o telefone dos concorrentes, e exatamente as onze horas e trinta minutos resolveram fazer o sorteio. Ganhou o prêmio um tal de Anízio Valstantinovisk, que ficou de passar na emissora o mais rápido possível para retirar o prêmio.

O programa terminou as 12 horas em ponto, e logo em seguida eles desceram até a padaria. O Tartaruga tomou um rabo de galo, e o Lalá meia cerveja. Depois pegaram o frango assado e voltaram para a emissora.

A essa hora o Pedro Lagoa já estava apresentando o seu programa de forró que começava logo após o "Cabocla Tereza".

Os dois sentaram-se em uma salinha ao lado e ficaram esperando o tal do Anízio vir buscar a penosa que havia ganho. Só que o tempo foi passando e nada do cara aparecer. O Lalá pegou o frango e encostou o nariz nele.

----Caráculas! Que cheiro gostoso!

----Não precisa nem dizer. Daqui estou sentindo o cheiro! -Choramingou o Tartaruga.

----E o pior é que eu estou com uma fome danada. Não comi nada até agora. -Disse o Lalá.

Com todo cuidado do mundo abriu o pacote,  puxou uma das asas do frango e começou a comê-la

----Você é louco? Tá comendo o frango do cara! -Gritou o Tartaruga.

----È só uma asinha! Ele nem vai perceber! Qualquer coisa a gente fala que o frango era aleijado!

O Tartaruga tirou o pacote de perto do Lalá para que ele não pegasse mais nenhum pedaço do frango. Só que o tempo foi passando e nada do ganhador aparecer. Ele ergueu o pacote e avistou a outra asa querendo voar sózinha.

----Ah que se foda!  Tô com uma baita fome! Também vou comer uma asa!

 

Já era quase uma e trinta, e nada. O tal do Anízio com certeza havia se esquecido do frango. E naquela espera angustiante, com os dois morrendo de fome, pega um pedacinho daqui, outro pedacinho dali,  quando se deram por conta haviam comido o frango inteiro.

----È o seguinte Tartaruga; faltam dez para as duas. O sujeito deve ter enchido o rabo de cachaça e nem se lembra mais do frango. Eu vou embora!

----Eu também não vou esperar mais não! O cara que vá se ferrar!

Despediram-se do Pedro Lagoa e quando começaram a descer a escada cruzaram com um baita de um alemão que vinha subindo. O indivíduo parecia um tanque de guerra nazista. O rosto mais vermelho que uma pimenta malagueta, e com cara de quem já havia tomado todas.

----A rádio comunitária é aqui? -Perguntou ele.

----È aqui mesmo!  -Respondeu o Tartaruga.

----O senhor está procurando alguém? -Perguntou o Lalá.

----Vim buscar um frango assado, que eu ganhei do programa Cabocla Tereza!

O Lalá tratou de descer a  escada rapidinho e  deixou o Tartaruga ali sozinho na maior fria. Tanto o Tartaruga como o Lalá não tinham um centavo nos bolsos. Alias os dois só andavam duros. Dois vagabundões que nunca gostaram de trabalhar. Viviam só de trambiques e truquezinhos. Deviam para quase todo mundo ali no bairro. Dois caloteiros de primeira linha.

O Tartaruga quando se viu sózinho, apenas apontou o dedo para cima e falou:

----Conversa com o rapaz ali em cima, que o frango deve estar com ele!

E enquanto o tal do Anízio subia a escada suando em bicas, o tartaruga desceu rapidinho, e encontrou o lalá do outro lado da rua esperando por ele.

----Rapaz! Agora ferrou! Vamos sair fora que o frango do cara voou! -Falou o Tartaruga.

Desceram a rua a mil por hora, sem nem mesmo olhar para trás. O Tartaruga, com aquele seu jeito todo borocochô de andar, parecia-se mais com  o corcunda de Notre-dame correndo. E o gozado é que nessa hora ele ficou ligeiro que só vendo.

No dia seguinte, segunda-feira, os dois se encontraram novamente na padaria. Não demorou muito chegou o Pedro Lagoa com um olho roxo e a boca toda estourada.

----Cacete! Que foi isso Pedrão? -Perguntou o Tartaruga.

----Foi ontem, logo depois que vocês saíram! Apareceu um doido lá no prédio dizendo que eu devia um frango assado prá ele!

----Um frango assado? --Perguntou o Lalá, como se não soubesse de nada.

----O cabra tava muito louco de cachaça, e começou a gritar que  tinha ganhado uma merda de um frango, que eu havia sorteado.

----E você conhecia ele? -Perguntou o tartaruga.

----Eu não!!! Eu nunca tinha visto aquele abestaiado na minha frente! E o pior de tudo é que quando eu disse que não sabia de bosta nenhuma de frango, o sujeito ficou completamente transtornado!

----Porquê você não chamou a polícia? -Perguntou o Tartaruga.

----Era exatamente o que eu ia fazer! Só que quando eu peguei o telefone, ele me deu uma porrada tão grande no meio da fuça,  que eu quase voei pela janela!

----Não brinca! E porque você não encarou ele? -Perguntou o Lalá na maior cara de pau.

----Encarar ? O cara parecia um guarda roupa! Eu sai foi correndo e me tranquei dentro do banheiro!

O Tartaruga e o Lalá a essa altura do campeonato faziam o maior esforço para não darem risada. Eles não aguentavam mais olhar para a faixada do coitado. Parecia uma abobora esborrachada.

----Depois que você entrou no banheiro ele foi embora? -Perguntou o Tartaruga.

----Foi nada! Ele começou a chutar a porta, e a gritar que se eu não lhe entregasse o frango ele ia arrebentar a rádio inteirinha!

----Caráculas! E como é que você conseguiu se livrar do maluco? -Perguntou o Lalá.

----Eu joguei uma nota de vinte por debaixo da porta, mandei ele ir comprar o frango e sumir da minha frente!

O coitado do Pedro Lagoa mal conseguia falar com aquele beição pendurado, parecendo que tinha sido atropelado por um caminhão.

----Meu Deus do cèu! -argumentou o tartaruga-- Tudo isso só por causa de um frango? Se eu estivesse ali na hora, pagava era logo meia duzia pra esse safado!

----Nem de frango eu gosto! Brigar por causa de um frango? O sujeito tem que ser muito miserável! -Falou o Lalá.

Conversaram mais um pouco e o Pedro Lagoa pediu licença, pois ele tinha que ir até a Vila Zelina entregar uns documentos para um parente que havia chegado do nordeste. Assim que ele se foi o Lalá comentou:

----Coitado do Pedrão. Um cara que nâo arruma confusão com ninguém e acabou apanhando de graça! Né Tartaruga?

----È mesmo! Tudo por causa de uma merda de um frango! Tem cabimento uma coisa dessa?

----Você já pensou se fosse por causa de um boi? O cara tinha matado ele!

O Tartaruga colocou a mão no queixo e já começou a matutar alguma coisa. Cerrou meio olho e deixou a imaginação vagar.

----Que foi Tartaruga? Perguntou preocupado o Lalá.

----Rapaz! Sabe que você me deu uma puta de uma idéia!

----Que idéia?

----Você já pensou se nós sorteassemos  um boi durante o programa. A gente  começa a anunciar agora e quando chegar no Natal fazemos o sorteio. Você não imagina a audiência que isso vai dar!

----E aonde a gente vai conseguir esse boi? -Perguntou o Lalá.

----Não esquenta não! O ano está começando agora! Até o Natal tem muito tempo prá gente conseguir o bicho!

----Sabe que você tem razão, Tartaruga! Já podemos começar a anunciar no próximo domingo!

----Com certeza! Isso vai dar uma audiência danada! Todo mundo ligando prá lá querendo participar!

----Mas vem cá Tartaruga... e se a gente não conseguir arrumar o boi?

----Confia em mim! Alguma vez eu deixei de cumprir a minha palavra?

O Lalau preferiu não responder! E como se nada houvesse acontecido, atravessaram a rua conversando animadamente sobre a grande idéia do Tartaruga,  e sumiram lá embaixo na curva, próximo ao descidão, que vai  em direção a Unidos de São Lucas.

                                    FIM

"Peço desculpas aos meus leitores por algum erro de ortografia, pois não sou escritor, sou apenas um humilde criador de histórias. Caso encontrarem algum erro peço a gentileza de me avisarem  para que eu possa fazer as correções necessárias. Muito obrigado."