Ladrão de conversa alheia
Como sempre gosto de fazer, quando tenho tempo, peguei meu livro e fui pedalar na orla, aproveitando o sol forte. Depois de uns quarenta minutos de pedaladas em ritmo de passeio, parei num quiosque e comprei um côco muito gelado e fui procurar um banco com alguma árvore por perto pra fazer sombra. Avistei um a uns trinta metros, já ocupado por duas senhoras. Como fico surdo para o mundo quando quero não me importei com as velhinhas e seus tricôs verbais; encostei a bicicleta na árvore , pedi licença e me sentei na pontinha do banco. Pontinha mesmo, porque a velhinha me ignorou solenemente. Abri o livro pelo marcador de páginas, mas, antes que pudesse ficar surdo ao matraquear das senhoras o assunto me pareceu interessante e eu passei a fingir que lia. O papo delas corria sobre os temporais que vem caindo sobre o Brasil. E cada uma tinha um caso sobre temporais dos bons e velhos tempos. A cada comparação de uma a outra vinha com uma enxurrada mais forte. Se eu fosse surfista ia me fartar de tanta onda. Impressionava-me o fato de as velhinhas não terem sede. Nenhuma pedia arrego e eu me divertia tentando imaginar quanto de verdade e quanto de mentira tinha em cada história. Pera. Mentira, não, mentira é muito pesado, digamos, exagero. Depois de um tempo e sem que eu perceber, o livro já estava fechado e eu olhava para uma e para outra, como se fizesse parte da patota, mas elas eram resolvidas, continuaram não me vendo ali. O tempo passou depressa e, finalmente as duas senhoras se levantaram, e, finalmente me viram, mas o ar de “nem-te-ligo” foi tão acintoso que me senti escorregando pelo banco e encolhendo, de tão encabulado que fiquei. Continuei sentado, esperando que elas se afastassem bem, ainda lembrando do olhar de pouco caso das duas. Será que elas adivinharam que eu estava “roubando“ a conversa delas? Pois foi assim que me senti, um ladrão de conversa de velhinhas. Não me contive e ri alto, pois era isso mesmo que eu estava apensando. Quando senti que a distância era segura, me levantei e fui empurrando a bicicleta enquanto elegia a melhor história. Ganhou a do temporal de Madureira, lá pelos idos da década de quarenta. A história tinha um final até meio banal, mas, nada banal foi a carinha traquinas da velhinha e o brilho dos olhos enquanto arrematava o the end. O drama teve final feliz
Aguardem o próximo capítulo “Toró em Madureira “