A corda do diabo... (Folclore de Nossa Terra)
Havia um homem num passado não tanto assim distante, muito rico, dono de terras, suas propriedades se estendiam desde a Serra de São Luiz do Purunã até perto da Serra das Almas, além de ter muitos escravos possuía uma boa mina de ouro, que lhe rendia o que ele achava o necessário para acobertar seus equivocados negócios.
Este homem era por demais ganancioso, por isso vivia entrando em negócios escusos, via que tiraria alguma vantagem lá estava ele a trocar um pelo outro e o outro pelo um. E desses maus negócios é que veio sua ruína, acabou por perder pouco a pouco suas propriedades, sua fortuna foi-se esgotando, seus novos empreendimentos foram dando errado, e ele perdendo até que se viu na mais completa miséria.
Uma tarde. Era agosto, sexta-feira, dia treze, ele saiu a andar pelas matas, até que parou ao lado do místico Rio da Conceição da Meia Lua. Estava injuriado, faltava muito pouco para perder até mesmo sua casa, sua carroça já fora, ficara apenas com a mula, manca ainda mais.
Pensava sentado à beira da cristalina água sobre sua sina quando um homem bem vestido se aproxima, este era o próprio diabo e o homem não o reconheceu de imediato.
__Que tem homem, que seu humor e sua tristeza chegam a ferver esta água que corre? - Perguntou-lhe o viandante, mesmo já sabendo do que estava acontecendo na vida do meliante.
__Para que irei te contar? – Respondeu de imediato com sua peculiar educação. – Afinal pelo que vejo não poderia nem mesmo me emprestar mais que um conto de réis. E eu preciso de muitos contos para sossegar.
__Mas, bem se vê que você é mesmo de mau trato amigo. Se eu lhe disser que me coloco à disposição de te tirar deste poço no qual se meteu, desde é claro que cumpras sua parte do acordo que fizermos.
A ganância do senhor era medonha e por isso mesmo aterrorizado com aquelas palavras, via-se seu espanto ao reconhecer naquele viandante o dono do reino de fogo e lamentações, pois este se deixou conhecer tal e qual, sua cartola deu lugar a seus chifres retorcidos, sua capa escura era na verdade suas asas de morcegos e suas botas pareciam agora um par de patas de cabra, seus movimentos ainda lhe eram graciosos, e de uma postura galanteadora, mas a voz tornara-se mais grave, como se viesse das profundezas de si mesmo.
__Que me diz homem, veja que não tenho a hora toda, há muitos a atender que estão de mesma tortura que você. Aceita ou não minha proteção?
__Pois meu desespero de agora me diz que devo aceitar sua proposta, contanto que eu enrique de novo.
__Isto?! É de pouco para mim, então assim terás minha sorte, de hoje em diante sairá bem de todos os negócios que fizer. E se, entretanto alguma vez se colocar em perigo, bastará me chamar e eu virei. - Disse o homem com um gargalhar assustador ao ver o homem trêmulo a assinar com o sangue de seu dedo mínimo da mão esquerda.
__Como vou chamá-lo? – Dizia tremendo ele.
__Deve apenas dizer: Meu bom Capataz Coronel Martinho, socorre-me! E eu aparecerei em teu auxílio.
Assim o vulgo capataz como surgiu desapareceu, aos poucos pela mata.
O homem antes de voltar para casa seguiu até a cidade, chegou já no meio da noite, certo que se roubasse conseguiria, já que contava com tamanha proteção, foi lá roubar.
Em cada casa que pretendia sorrateiramente entrar como que por encanto as portas se abriam de imediato, os moradores adormecidos nada viam ou ouviam, e uma luminosidade lhe indicava onde estavam os objetos valiosos.
Não demorou muito para ficar muito conhecido por seus roubos, saqueava os viajantes, propriedades e sua ambição voltava e ele começava a explorar outras cidades, atacava os tropeiros que pernoitavam ali em baixo na cachoeira do tamanduá, onde um jovem que era muito rezador disse que seguiria o coisa ruim que lhe roubara a saca de ouro que tanto custara para a família, pois era a herança de seu pai morto no sertão das serras dos campos gerais.
Saiu então e conseguiu com suas rezas fortes encontrar o homem com muitas coisas roubadas, aqui bem perto, nas Palmeiras, muitas vezes lhe fez tocaia, experimentava todas as rezas que possuía para prender o gatuno, pois como ele sumia dos lugares, entrava nas casas sem ser visto sem dúvida ele tinha algum acordo, certa noite de lua cheia, tudo muito claro ele armou uma gaiola de carvalho colhido no solstício amarrado com tranças de cebola molhadas em água benta, assim fez o feito.
Estava ele na delegacia improvisada e um tanto assustado exclamou apavorado:
__Meu bom Capataz Coronel Martinho, socorre-me!
Em pouco tempo o homem bem vestido veio e o retirou de lá, usando de suas artimanhas.
Assim que viu-se livre voltou ao seu exercício de furtos, cometia toda sorte de incursões, desde roubar doces de crianças na rua, à vista de todos, começava a se sentir um tanto acima da lei, por isso foi logo preso novamente. Como da primeira vez imediatamente chamou ao capataz.
__Meu Capataz Coronel Martinho, socorre-me!
O capataz veio, só que desta vez ele se demorou um pouco mais, não foi tão rápido como da vez anterior.
__Por que demorou? Não vê que fico apavorado com estes lugares?
__Estava eu muito ocupado. – Limitou-se a dizer o capataz.
Logo depois de liberto, sua vil conduta levou-o a cometer crimes, terríveis e audaciosos, até que a justiça guiada a investigação pelo novo delegado prendeu-o novamente...
De dentro agora da prisão angustiado chamou novamente seu protetor, mas este não veio. Os dias passaram, seu julgamento estava marcado, quando neste dia o capataz apareceu vestido de frade para libertá-lo. Em pouco tempo conseguiu nova liberdade.
O homem saindo continuou na sua horrível vida de ladrão, parecia que sua fome por ter mais não havia fim, que sua alegria ao ver seus vizinhos e conhecidos lamentarem suas perdas lhe faziam bem. Não tardou e lá foi ele pela quarta vez por um crime hediondo, por isso o infante daqui do lugar mandou-lhe levar à Paranaguá, onde ficaria nas masmorras aguardando a sentença final, era agora considerado muito vil e perigoso, por isso era rigorosa a sua guarda...
Sem se inquietar, muito seguro de si, ainda fez confissões, falou mais que devia e de menos no que podia para clamar perdão.
Como havia combinado chamou o seu protetor.
__Capataz, socorre-me!
Passava agora semanas e nada de aparecer, o juiz da comarca agora lhe impunha a sentença, condenando-o à morte, marcando assim a data da execução. E nada do dono das profundezas aparecer para lhe salvar.
O dia chegou, e lá foi o homem, sentindo-se traído pelo demônio, levado à praça onde a forca estava montada. O patíbulo aproximava-se e ele tremia e suava.
Quando estava ao canto esperando lerem a sua sina lhe apareceu o capataz vestido de verdugo e lhe disse:
__Toma esta bolsa e oferece ao juiz, sei que ele aceitará, diga-lhe que aqui tem dez mil contos de réis.
Assim fez o condenado, chamou o juiz e o magistrado desonesto e avarento escondeu a corda e foi à pequena cerca clamar ao povo:
__Cidadãos se acaba de acontecer um fato extraordinário, que pela primeira vez vi ocorrer, esquecemos de trazer a corda para enforcar o condenado, por isso a execução ficará suspensa, quem sabe não foi Deus que quis assim?! Para nos mostrar a inocência do réu?! Vamos estudar o caso de novo, mas tenho certeza que a justiça será feita, por Deus!
Os executores já estavam descendo as escadas com o condenado, quando o juiz resolver olhar a sua fortuna.
__Por Deus, terei dinheiro para viver como o Príncipe em Petrópolis.
Ao abrir a bolsa no lugar do dinheiro estava uma corda nova, voltou então para o povo:
__Cidadãos, acabou de aparecer uma corda, e foi Deus na sua fervorosa justiça quem a enviou para punir este homem que comete atrocidades, ele realmente é um bandido. Enforquem-no.
Passaram então o laço feito no pescoço do homem que desesperado pediu em grito:
__Capataz, e nosso acordo? Não cumpres com a palavra?
__Ah, eu cumpri sim, mas esqueceu e muito, começou a esquecer seus modos quando fui amigo e me ofereci a ajudar, na sua terceira prisão até mesmo lhe vim de frade para lhe colocar na mente uma mudança de vida e nada adiantou, também esqueceu você de ler o que assinou, na última clausula diz que o contrato será cobrado totalmente e dele não se poderá escapar quando estiver o contratante da amizade protetora com a corda no pescoço.
E é assim que sucedeu o fato que conta que muitas vezes o Diabo finge ser amigo querendo nos salvar, mas acaba sim é por trazer uma corda nova para nos enforcar e levar-nos para seu reino de fogo e lamentação.
( texto faz parte da coletânea de contos do projeto FOLCLORE DE NOSSA TERRA, publicados por Poet ha Abilio Machado no Jornal Campo Cultural nos anos 80).