A tradição da ameixa

Vou abrir a geladeira e fazer como faço todo ano. Roubar uma ameixa do manjar e dar uma dedada de leve na base do pudim de leite. Esse mistério vem acontecendo ao longo dos anos, desde que eu era menino. Vó, tias, mãe, todas tinham certeza de ser eu o autor da brincadeira de mal gosto, mas não podiam provar. E todo ano a brincadeira se repete. À medida que fui crescendo fui também percebendo que já se tornara um ritual, meu e delas. Acho hoje, até, que elas já fingiam e fingem tentar descobrir. Algumas tias partiram para o outro lado e eu pedi pra que elas saíssem da brincadeira pois não seria correto, já que elas passaram a independer de tempo e espaço e assim ficava fácil me . desmascarar. Claro que ao fazer esse pedido também me declarava culpado. Mas elas têm sido legais, até hoje não me deduraram, até porque ficaria muito feio pra elas. Já pensaram? Fantasma e dedo duro; arghhhhh. Todo ano falo pra mim mesmo que vou me delatar, mas desisto porque sinto que todos, apesar de jurarem que sabem ser eu, esperam a traquinagem. Segundo tios e primos eu sempre fui o peste da família. Acho que exageram na afirmação só porque, no meu tempo de menino tinha na rádio Nacional a rádio-novela Jerônimo o herói do sertão. E eu adorava ouvir, não perdia um capítulo. Mas como era inquieto, sintonizava na novela e partia pra fazer outras coisas, as vezes bem longe do rádio. Mas era só uma das primas ou minha irmã ousar mudar de estação pra eu aparecer do nada e armar o barraco em cascudos e piparotes. Fora isso eu era um anjo de candura. Minto. Confesso que também gostava de “desmaterializar “ as panelinhas das coleções das meninas, subir no telhado da casa e jogar “marimba” nas linhas das pipas que passavam por cima de casa. Mas juro que era só isso. Ou quase. Esse ano ainda não vi ninguém se mexer pra eleger quem fará o manjar. O pudim será feito por minha mãe Tomara que não melem a tradição.