Meu tio Júlio
Contam que ele tinha sete anos e estava ajudando a moer cana quando prendeu o braço direito e parte dele foi esmagado. Meu avô, mais o Jeremias, um negro enorme, de quase dois metros, (um tipo físico que causava estranheza naquela terra de alemães e polacos ), enrolaram o braço dele, colocaram-no em um lençol, atado em uma vara, como se fosse uma rede e saíram pelas picadas , atravessando matos, até o socorro mais próximo. Dezoito quilômetros! Pelo menos 3 h de caminhada sacolejando, sangrando, doendo.
E assim se sucedeu. Mas o guri era forte, criado a leite tirado na hora, pão de milho, melado , galinha, charque e muita fruta colhida direta no pé. Agüentou, sarou, cresceu.
Meu tio Júlio foi uma dessas pessoas que não aprendeu a ler e escrever, levou a vida a trabalhar na roça.
Das lembranças que tenho dele guardo algumas com mais clareza: as sobrancelhas grossas, a risada solta e alta, um prato sempre bem cheio, fatia de pão bem grossa com muita nata e chimia ...e o jeito de vestir. Nossa! Nunca o vi usando calça, a bombacha era companheira inseparável, botas no inverno, chinelo de couro ou alpargata no verão, o chapéu e...barbaridade !, a mala de garupa , que por raras vezes foi substituída por uma mala antiga.
Porém, o que mais intrigava era o fato dele não ler nem escrever e saber tão bem o que ocorria no mundo. Ouvia “A voz do Brasil” e detalhava os acontecimentos. Sabia os nomes dos ministros e os ministérios que coordenavam, o que tinha sido aprovado ou rejeitado, os acordos firmados, as verbas liberadas...uma memória incrível!
Hoje, ele já falecido há tempo, penso como encararia todo esse aparato tecnológico que temos. Certamente ficaria muito admirado e largaria sua tradicional exclamação, seguida de interrogação:
- A la pucha ! Mas onde é que esse mundo vai parar?
Pois é, meu tio, onde é que vai parar? E o mundo pára? E se não pára, para onde vai?