MEISINHA

Em 1973, ficamos no prego, numa estrada carroçável, entre o Maranhão e Goiás: os parafusos de uma das rodas traseiras quebraram e por pouco, não houve um acidente com vítimas.

Sem outro recurso, o motorista pôs a roda do ônibus nas costa e andou 70 quilômetros andou a pé para consertar o defeito. Durante dois dias, não passou um veículo para nos prestar socorro e não vimos uma viv'alma, a não ser aquelas quase mortas que compunham a lotação de passageiros.

À noite, vimos um clarão de fogo na mata. Um passageiro mais experiente disse: Aquilo é índio manso bebendo cachaça. Vamos lá. Não é perigoso? – disse outro – Não! Eles são mansos, além do mais, tenho uma rede e dois revólveres neste saco. Quem quiser ir, me acompanhe – fomos - .Éramos uns quatro ou cinco “corajosos”.

Por sorte, o cacique estava acordado e falava português. Bebemos cachaça até o dia amanhecer – pagando, e muito caro. Nos primeiros raios de sol, fomos conhecer a tribo – pequena – uns cem, mais ou menos.

Entrei numa oca – nada além de uma casa de taipa, coberta com palhas de palmeira. Levei um susto: sobre um jirau estava uma índia parida – arreganhada - e um menino feio chorando. Tinha uns dois ou três dias de nascido. Sem graça, saí às pressas e dei de cara com o cacique. É agora que vou conhecer o impacto do tacape – pensei. Decerto ele sabia que eu vira a mulher nua. Então, para amenizar o clima, perguntei: a mulher do cacique ganhou um curumim? O cacique é dono de todas as mulheres – disse ele. Logo entendi que o chefe podia ter intimidade com qualquer uma daquelas índias e a coisa ficou por isso mesmo.

Voltamos para a toca onde havíamos bebido pinga a noite toda – vi muitos litros vazios e no fundo de cada um deles, uma razoável quantidade de perna de grilo.

Que é isso no litro – perguntei. É meisinha respondeu o camarada – cura toda doença do fígado e do intestino.

Não tinha mais jeito, havíamos tomado uma meisinha com perna de grilo, mas agora, nem isso tínhamos mais. Propomos pagar um bom preço por qualquer alimento cozido, mas só tinha farinha de careme.

Sem comida, sem bebida e sem cigarros, os dois dias pareceu uma eternidade. Água também não bebemos, pois quando nos atacou a sede, encontramos um charco onde um menino dava banho num jumento. Era daquela água que a tribo se abastecia.

Finalmente, quando o problema mecânico foi resolvido, ainda estávamos vivos,e, duas horas depois, chegamos ao povoado Sabonete, não muito longe de Barra do Corda.