MELANCIA AO CREME

Zé Bendito, agro-pecuarista no município de Santa Cruz, não sei por que cargas d’água, tem fama de não ser muito chegado a questões de higiene. Dizem a boca pequena que o alpendre de sua casa é manchado a quatro cantos com escarros cotidianos que costuma expelir enquanto conversa com as visitas, sentado em sua cadeira de balanço.

Num dia límpido, sol a prumo, Zé Bendito, após ter comido uma buchada de bode com cachaça, percorria o roçado, que era o orgulho da sua fazenda, a mostrar a plantação de melancias ao seu amigo de longas datas, Dr. Flaviano Limpeza, que há muito não se viam.

O Dr. Flaviano era advogado, residente na cidade do Recife e estava no município de Santa Cruz representando um cliente diante do juiz da comarca, no fórum local. Era muita coincidência, estar exatamente na cidade onde mora o seu grande amigo dos velhos tempos da Marinha do Brasil. Tantos anos de saudade fez com que o Dr. Flaviano resolvesse dar uma esticada à fazenda de Zé Bendito.

O Zé Bendito prosseguia, mostrando ao amigo o roçado que em verdade era um excelente pomar tropical de melancias, cuja irradiação solar as tornavam mais e mais apetitosas. As frutas estavam deveras bonitas, haja vista a fartura de sol que este ano se revezava com dias alternados de abundância pluviométrica.

Não contava Zé Bendito, todavia, com uma tremenda dor de barriga em hora tão imprópria. Com a mão no estômago, tentava suportar a dor, enquanto olhava pelos arredores se havia um lugar mais adequado para a evacuação. Não encontrando, teve que se sujeitar a fazer o serviço ali mesmo, por traz das moitas, praticamente às vistas do amigo causídico.

Feito o serviço, se depara então, com um outro problema: não há papel higiênico por estas paragens, como fará para se limpar. Ainda de cócoras pensou: “Se ao menos tivesse um sabugo por perto”. Mas, Zé Bendito, nordestino destemido, não se enrosca com pouca coisa e, levantando-se, ainda com as calças abaixadas, numa atitude altiva que mais lembra a do Príncipe Regente D. Pedro a desembainhar sua espada, às margens do Ipiranga, saca de sua peixeira e tem nela a solução para o seu problema.

Fica, portanto, numa posição de fragilidade, mas a mais apropriada para a limpeza anal. E usando o lado não cortante, passa a sua peixeira, indo e voltando até finalizar sua tarefa.

Para limpar a peixeira, impregnada com os resíduos fecais, não há problemas: levanta o pé, fazendo um quatro, e passa a faca, de um lado e de outro, na sola de sua velha e surrada bota. Missão cumprida a peixeira volta para a sua bainha.

A visita ao pomar prossegue. Como é de praxe e de bom tom, não fica nada bem mostrar um pomar ao visitante, num calor infernal de verão sertanejo, e deixá-lo assim com água na boca e não lhe proporcionar a degustação de uma das suas mais deliciosas melancias. E assim sendo, Zé Bendito abaixou-se e pegou a mais bonita de todas as melancias do pomar e a sua peixeira mais uma vez foi utilizada, desta feita para cortar a linda fruta em fartos e apetitosos pedaços. Com a peixeira espetou um pedaço de bom tamanho e graciosamente ofereceu ao amigo visitante. Este, diante da melancia espetada na faca peixeira, prontamente declinou:

- Obrigado, amigo! É que estou proibido pelo médico e não posso comer nem beber nada durante todo o dia. Fica, portanto, para outra oportunidade.

E, durante todo o dia, não comeu nem bebeu.

DJAHY LIMA
Enviado por DJAHY LIMA em 12/11/2008
Reeditado em 02/12/2017
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