DOIS "PARAGUAIS" NA ESQUINA

Naquele bairro pop de Fortaleza, na esquina da Rua Luís Guimarães, seis a sete gajos espreitavam a manhã domingueira, sob a alpendrada de um barzinho, sempre frequentado, mesmo no meio da semana. Recanto tranquilo e bucólico para caminhar, sem movimento de carros, quase todo dia eu ia cedinho, por lá, dar soltura às minhas pernas.

Estava muito cedo ainda, para bebedeira, talvez umas oito horas. Na certa a galera já estava se preparando, no corujamento, para, loguinho mais, ir bater o centro. Ou, como se diz no bom dialeto dos bares, matar o bicho ou salgar o galo, até que todo mundo aquente as baterias e caia de mergulho no chamado porco, o velho porre.

Pois lá vou eu pelo meu caminhódromo, no exercício do pé-dois, no bater pernas contra o colesterol, e aí passam na rua com nome de poeta duas franguinhas de garotas, moreninhas carnudas até de não se jogar no cestão do canto da garagem.

Saliente como o cão comendo hambúrguer, eis que um dos marmanjões e espreitadores do estabelecimento cachaçal, vendo tamanha escassez de fazenda nas coxas das duas morenezas ambulantes, arrepiou o verbo, numa sutil indireta de calças curtas:

– Olha aí, pessoal, que dois paraguais!...

De pegadinha no vento, sem vacilar um instante, uma das cabritas boazudas, a mais desabotoada, foi logo se queimando, não contou pipoca e arguiu logo o contraponto. E rechaçou de Rui Barbosa a pilhéria do gajão da esquina, e ali mesmo, em cima das buchas:

– Paraguai!... Mas, se eu te der, tu vai querer...

Logo adiante, ainda no rastro do arranca-rabo, sem rasgos de muitas imaginações, eu fui espinafrando fácil o sabor e a sutileza da chalaça do atrevido. E penso haver captado a facada da mensagem detonada por ele.

É que os produtos do Paraguai, lá da Cidade Leste, tidos geralmente como coisas de carregação, ou bugigangas, não levam muito valor, apesar de produtos bastante comerciáveis.

Num esforço de ainda me apresentar de cuca menos lelé, sem necessidade de ter que ir bater com as costas num cinzento nosocômio, em absoluto vou concordar com o lado teórico da associação de ideias a que fui induzido a chegar. Acho isso um pé de pau carregado de preconceituosas asneiras. Mas, talvez por preconceito subjacente, foi a dedução na qual aterrissei no ato da falação ouvida.

E, olhando direito, como eu olhei, e pensando bem, à medida que fazia minha caminhada, o linguarudo não tinha nenhuma razão, ao botar defeito nas uvas. As diabas das mulatas até que não eram de se jogar fora, não eram mesmo.

Fort., 03/11/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 03/11/2008
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