A FACA NA MÃO DE JUDITH

Jamais esquecerei aquele 5 de setembro. Noite fria e eu passava por acaso em frente a uma residência onde se comemorava um aniversário. Um amigo comum me chamou e me convenceu a participar (hoje não faço a menor idéia quem era), tomei coragem e como quem não queria nada adentrei ao portão. Eu estava ali de penetra, de bicão como se dizia, não era convidado oficial, não fazia parte daquela galera e tampouco conhecia a aniversariante.

Permaneci ali no canto da varanda, meio que na penumbra e me protegendo do vento, ouvindo Johnny Rivers, Bee Gees e espichando o pescoço a cada garota que chegava (uma mais linda que a outra) e bebendo Cubra Libre – Run Merino com Coca-Cola. Mas confesso: a vontade de chegar mais pra perto e arriscar um convite para uma dança era maior que o Maracanã, embora a timidez tivesse o mesmo tamanho.

Eis que de repente vejo em minha frente Judith com uma faca na mão. Judith com th, fiquei sabendo mais tarde. Seus olhos eram de um azul celeste e suas feições de menina amável e educada. E eu ali, encostado na parede, encurralado. Minhas mãos ocupadas, uma com o cigarro e a outra com o copo cheio.

Pensei em justificar minha presença, mas as palavras pararam no meio da garganta. Queria lhe cumprimentar para aliviar o peso da vergonha mas não sabia se era ‘meus parabéns’ ou ‘meus pêsames’ e as pernas começaram a tremer. Meus olhos procuraram socorro com alguns amigos, mas eles desapareceram.

E Judith ali, bem na minha frente. Paciente como Jó. Com a faca na mão direita e o bolo na mão esquerda.