Causos de Maricá (1)
Nas férias, diariamente ao nascer do sol, partíamos, adultos e crianças, em fila indiana como em um deserto, pela restinga até a praia.
Era um longo caminho até o topo das dunas. Após breve parada, apreciando a paisagem, descíamos, contornávamos a lagoa, atravessávamos a faixa de areia, encontrando, finalmente, o mar.
Nunca tínhamos visto mar tão grande e minha avó dizia que lá para o horizonte ficava a África, de onde vieram os escravos.
O mar era bravo, muito bravo, o que nos obrigava a brincar na areia ou espuma e piscinas formadas pelas ondas, cavando buracos, construindo castelos, catando tatuís e salambís, procurando as conchas mais bonitas e até correr atrás dos caranguejos brancos que se enfurnavam em suas tocas.
Com o sol começando a abrasar, rumávamos para o canal da barra, que, sempre aberto naquela época pela força do mar, permitia a revitalização da lagoa com a entrada de água salgada e peixes para a desova, em especial as tainhas e acarás. Era tanto peixe que, por vezes, podíamos apanhá-los com as mãos.
Contudo era um olho nos peixes e o outro nas dunas. Sim, naquele momento, ficávamos de olho nas brancas dunas ensolaradas do outro lado da lagoa, pois a fome já era grande e de lá viria o tão esperado alimento..
De repente, um grito: “OLHA O PADEIRO!”. Lá no início das dunas aparecia um ponto em movimento que, pouco a pouco, tornava-se mais próximo e destacado ante a brancura da areia.
Era uma mula preta, com dois jacás carregados, montada por um homem de chapéu de palha.
Não havia nenhuma dúvida.
ERA DIOGO, O PADEIRO!
Começávamos a sair do canal da barra a passos inseguros e, em seguida, mais determinados, em verdadeira marcha, com as crianças já correndo lá na frente, em disparada. “Era a fome com a vontade de comer.”
Contornávamos a lagoa, subíamos as dunas e chegávamos à casa da Tia Aninha, com as crianças gritando: “o padeiro tá chegando”.
E lá vinha o DIOGO, como fazia há anos, vagarosamente, montado em sua mula preta, com o eterno chapéu de palha, gritando: “olha a fruta, olha o pão, olha a fruta-pão, trazendo também, como presente para as crianças, frutas como cajus, capebas, capebuçus, pitangas e outras que colhia lá dos rincões de Itaperuna, em sua caminhada.
Era uma pequena broa de trigo com textura consistente, bem torradinha, do tipo italiano, porém adocicada e com grãos de erva-doce.
Entrávamos em uma fila e ficávamos olhando, já com água na boca, o pão ser aquecido no fogão de lenha. A espera era angustiante.
Recebíamos duas broas cada um, já amanteigadas, e uma caneca dessas de lata de leite condensado, cheia de café com leite.
Em silêncio todos se dirigiam à sombra de uma centenária árvore e, reunidos em verdadeira comunhão, degustávamos o pão nosso de cada dia, autêntico maná dos deuses.
Era o pão mais gostoso do mundo! Até hoje, em nossa lembrança.
Esse causo é uma homenagem ao melhor padeiro do mundo. DIOGO.
Agradeço o envio de comentários, pois...
Hoje cegos, amanhã guias, se nos permitirem as críticas dos amigos e, quem sabe, até dos inimigos.